Efeito Sniper

Os avanços da odontologia de precisão

Pesquisas mostram que a aplicação de terapias seletivas oferece resultados mais efetivos e seguros no tratamento de doenças bucais. Entenda os avanços
e as limitações desse modelo

A medicina de precisão e a medicina personalizada são tendências bastante atuais que caminham lado a lado e englobam diversas áreas da saúde. Na Odontologia, esse movimento pode ser observado em pesquisas como a do professor Malcolm Snead, da Universidade do Sul da Califórnia (USC). Ao criar um peptídeo para combater o biofilme de implantes osseointegráveis, Snead e sua equipe desenvolveram técnicas para ir direto ao ponto no tratamento da peri-implantite.

Em entrevista à última edição da revista Conexão Unna, o especialista disse que, atualmente, o dentista deve atuar como um sniper em vez de usar bombas nucleares. Ele estava se referindo justamente à aplicação da medicina de precisão, definida pelo National Institute of Health, dos Estados Unidos, como “uma abordagem emergente para tratamento e prevenção de doenças que leva em consideração a variabilidade individual em genes, meio ambiente e estilo de vida para cada pessoa”.

Esse modelo médico propõe a personalização dos serviços de saúde, ou seja, adaptar as decisões médicas, as práticas e os produtos ao organismo de cada ser humano. É o que explica o professor Mario Taba Jr., do Departamento de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial e Periodontia da USP (Forp).

“Com o avanço da ciência e da capacidade diagnóstica, estamos cada vez mais próximos do entendimento dos mecanismos biológicos envolvidos em cada doença e, portanto, mais assertivos em relação a tratamentos de precisão do tipo ‘sniper’”, diz o especialista, que também é ITI Fellow e Pós-doutor em Periodontics & Oral Medicine na Universidade de Michigan.

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  A Farmacogenômica busca entender como cada indivíduo, possuindo um perfil diferente do DNA, pode responder de maneira diferente aos medicamentos

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Dr. Wenyuan ShiNovos e melhores tratamentos

 

A medicina de precisão contribui para o aumento da efetividade do tratamento ao mesmo tempo que minimiza os riscos e efeitos colaterais para o paciente. Isso porque o uso de terapias sistêmicas não específicas costuma atingir também microrganismos naturais e benéficos para a saúde. Esse é o efeito de bomba nuclear citado pelo professor Snead.

“A eliminação desses microrganismos gera desequilíbrio na flora microbiana e diminui a imunidade e a proteção natural do paciente, o que pode favorecer infecções oportunistas emergentes”, diz o professor Mauro Pedrine Santamaria, chefe do Departamento de Diagnóstico e Cirurgia e vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Biopatologia Bucal da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos (Unesp).

Da mesma forma, doenças bucais que não têm uma terapia efetiva até o momento podem ser beneficiadas pelo avanço da terapêutica de precisão. “No caso do combate ao biofilme em implantes, a solução apresentada pela equipe do professor Malcolm Snead pode combater a placa dental que se forma ao redor dos implantes, à semelhança ao que ocorre nos dentes”, diz Taba Jr. Ele destaca que o biofilme bacteriano é o principal desencadeador da resposta inflamatória que causa inflamação gengival, perdas dentárias e peri-implantite.

Essa abordagem também permite determinar um tratamento mais específico para cada tipo de doença e de paciente, como ressalta o professor Renato Casarin, da área de Periodontia da Faculdade de Odontologia de Piracicaba, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp): “Por exemplo, em indivíduos diabéticos sabemos que a microbiota associada à doença periodontal possui também alta concentração de bactérias Gram-positivas. Assim, podem-se avaliar abordagens terapêuticas que atuem também nesse perfil microbiano”. Por outro lado, ele aponta que pacientes fumantes com paralisia do sistema imune-inflamatório precisam de outro tipo de medicamento. Daí a importância da personalização.

O conhecimento profundo sobre o paciente e a doença favorece a atuação em pontos-chave que podem bloquear a patogênese e o seu desenvolvimento. “No caso dos peptídeos antimicrobianos, também chamados de peptídeos de defesa do hospedeiro, eles fazem parte da resposta imune inata, uma resposta rápida e de primeira linha de defesa do organismo”, explica o professor Mario Taba Jr.

Probióticos: aliados possíveis e acessíveis

 

Pelo fato de serem microrganismos vivos capazes de melhorar o equilíbrio microbiano intestinal e produzir efeitos benéficos para a saúde geral, os probióticos podem ser aliados da Odontologia de Precisão. “Como as bactérias probióticas competem com as bactérias que causam periodontite e peri-implantite, elas têm o potencial de interferir na formação do biofilme patogênico”, afirma o professor Mario Taba Jr.

Hoje sabemos que a cavidade bucal pode abrigar até 600 espécies de microrganismos e que eliminar aqueles associados à doença nem sempre é a solução dos problemas. “O uso de probióticos visam recolonizar ou incluir na comunidade microbiana bucal bactérias que poderiam modular o biofilme, reduzindo sua patogenicidade e criando uma comunidade mais simbiótica”, diz o professor Renato Casarin. Tal conceito está sendo avaliado com sucesso em estudos clínicos da área de Cariologia e Periodontia.

O horizonte da farmacogenômica

 

Um dos pilares da medicina de precisão é a análise do genoma, embora esta seja também uma forma mais avançada e complexa de aplicação do modelo. Em virtude de todas as descobertas e avanços no estudo da genética, é preciso considerar sua influência na elaboração de medicamentos e tratamentos personalizados. “Um termo recente cunhado para explicar essa relação é a Farmacogenômica, que busca entender como cada indivíduo, possuindo um perfil diferente do DNA, pode responder de maneira diferente aos medicamentos”, afirma o professor Renato Casarin.

A partir dos anos 90, com a criação do Projeto Genoma Humano, que sequenciou o DNA pela primeira vez na história, esse tipo de análise passou a ganhar espaço em diversas áreas da medicina. Se o projeto levou mais de 10 anos para finalizar suas primeiras análises, hoje é possível obter o mesmo resultado em questão de dias ou até mesmo horas.

Isso é especialmente relevante para doenças orais que podem estar associadas a alterações genéticas, como a periodontite. “Atualmente, busca-se identificar se cada alteração genética pode representar um tratamento específico. Por exemplo, um indivíduo com periodontite que possui uma alteração genética X poderá ser tratado com raspagem e alisamento radicular. Ao mesmo tempo, um paciente com periodontite que possui uma alteração genética Y, poderá ter benefício do uso adjuvante de antimicrobianos”, explica Casarin.

Apesar de considerar este um exemplo ideal de personificação do tratamento ou Odontologia de Precisão, o especialista ressalta que ainda estamos no período de ampliação desses conhecimentos genéticos, microbiológicos e imunológicos. O professor Mauro Pedrine Santamaria concorda: “As terapias seletivas são uma tendência, mas ainda estão muito distantes da nossa realidade, principalmente no Brasil”.

Precisão contra cárie dentária
 

Pesquisadores do Grupo de Medicina Genômica do J. Craig Venter Institute, em La Jolla, Califórnia (EUA) e do The Forsyth Institute, em Cambridge, Massachusetts (EUA), sugerem que peptídeos antimicrobianos especificamente direcionados (STAMPs) podem ser usados como abordage m de precisão no combate à cárie dentária. Esse é o foco do artigo “Reengenharia de precisão do microbioma oral para gerenciamento de cárie”, publicado em outubro de 2019.

No trabalho, os pesquisadores explicam que STAMPs são moléculas sintéticas que combinam a porção antibiótica de um peptídeo antimicrobiano tradicional com um domínio de direcionamento, com a finalidade de fornecer especificidade contra determinado organismo. Dessa forma, ao combinar alguns componentes específicos, os cientistas afirmam ser possível eliminar seletivamente moléculas sintéticas mutantes, dentro de ecossistemas complexos, sem comprometer outras espécies orais semelhantes que são associadas à saúde.

Depois de apresentar ensaios clínicos de fase I bem-sucedidos, o estudo segue em andamento e pode ser considerado um avanço na terapêutica de precisão para o combate à cárie, segundo os pesquisadores. Eles afirmam que a plataforma STAMP oferece vastas oportunidades para o desenvolvimento de terapêuticas adicionais e para o estudo geral da ecologia microbiana.

Caminhos e obstáculos

 

Os resultados laboratoriais atuais são promissores, mas, para avançar, precisam de validação por estudos clínicos. Pesquisadores acreditam que a medicina de precisão é o futuro de todas as áreas da saúde, incluindo a Odontologia. Porém há desafios significativos para seu desenvolvimento e sua implementação. “Problemas periodontais, gengivais e peri-implantares têm diversos fatores e atores. São doenças bastante complexas, e hoje ainda não é possível saber exatamente quais e quantos patógenos estão envolvidos no início e na progressão de cada uma”, afirma Santamaria.

A falta de conhecimento sobre os microrganismos e sua atuação em cada paciente é um grande obstáculo. Por isso, é necessário aumentar e direcionar o investimento em ciência e desenvolvimento para a realização de mais estudos clínicos. “O Brasil é o segundo país do mundo em produção científica em Odontologia.Alvo

  Com o avanço da ciência e da capacidade diagnóstica, estamos cada vez mais próximos do entendimento dos mecanismos biológicos envolvidos em cada doença e, portanto, mais assertivos em relação a tratamentos de precisão do tipo ‘sniper’

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Nossas universidades figuram entre as melhores e temos pessoas muito boas e capacitadas na área. Porém, o desenvolvimento de terapias mais seletivas demanda tempo e investimento, sendo que, nos últimos anos, estamos observando cortes nas verbas do CNPq e da Capes.”

Como esse modelo requer um maior número de dados e exames dos pacientes, a prática de terapêuticas de precisão esbarra em limitações tecnológicas e financeiras. “Ainda não temos testes reconhecidamente eficazes para todas as doenças bucais, e o custo atual de exames como sequenciamentos e testes moleculares é muito alto”, aponta o professor Renato Casarin.

“É possível que no futuro haja o desenvolvimento de testes rápidos e focados em determinar pontos-chave que cada paciente possui, por exemplo a presença de alguma bactéria ou alguma alteração em determinado gene do DNA. Mas apenas o investimento nas pesquisas poderá dar os passos faltantes para esse próximo nível de evidência”, conclui.

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