OBE

Gestação e problemas gengivais

Doença periodontal durante a gravidez:
existe algum problema relacionado?

Emerson Nakao
Rodolfo Francisco Haltenhoff Melani
Caroline Teggi Schwartzkopf

A gravidez é um momento único na vida de uma mulher e a saúde bucal é uma peça fundamental para manter a saúde sistêmica e o bem-estar. Mesmo assim, é incomum que profissionais de saúde se atentem a esses cuidados para gestantes, assim como poucas gestantes procuram por esse tipo de cuidado,1 o que aponta para um sério problema de falta de informação a respeito.

Um estudo realizado em 1996 mostrou uma associação entre doença periodontal materna e parto prematuro,2 colocando esse tema em evidência e trazendo novos questionamentos — como, por exemplo, se as infecções periodontais podem ser associadas a diferentes condições sistêmicas.3,4 Com o passar do tempo, mais e mais evidências que suportam essas associações estão se acumulando e, nesse contexto, estudos têm mostrado que mulheres portadoras de doença periodontal são mais suscetíveis a partos prematuros e a gerar crianças com baixo peso, com maior chance de encaminhamento à UTI neonatal.

Aproximadamente, 40% das mulheres grávidas têm algum tipo de doença periodontal,5 que, durante a gravidez, é mais prevalente entre mulheres afro-descendentes e fumantes. Teoricamente, bactérias anaeróbicas gram-negativas de origem sanguínea ou mediadores inflamatórios, como lipopolissacarídeos e citocinas, podem ser transportados para os tecidos placentários, bem como para o útero e o colo do útero. Isso resulta em moduladores inflamatórios aumentados que podem induzir o parto prematuro, particularmente em afro-descendentes.6

São considerados fatores de risco para a gestação o tabagismo, etilismo, gestações múltiplas, problemas médicos das mães, anormalidades da placenta, nascimentos prematuros prévios, doença periodontal, idade da mãe e baixo nível socioeconômico.7 E a doença periodontal hoje é considerada uma das maiores responsáveis pelo nascimento prematuro, respondendo por cerca de 30% a 50% de todos os casos, conforme revisão sistemática,3 o que sugere também alta prevalência da doença periodontal em adultos.

Um estudo com 48 pacientes mostrou que as mulheres grávidas apresentavam piores resultados para doença periodontal que o grupo-controle.8 Isso sugere que a condição periodontal também pode piorar durante a gravidez, caracterizando uma relação bidirecional, assim como em casos de diabetes.

Embora existam tantas evidências que apontem nessa direção, também há estudos que apontam para o lado oposto. Meta-análises recentes e outros ensaios clínicos não mostraram nenhum benefício da terapia periodontal durante a gravidez na redução do risco de parto prematuro e do baixo peso do bebê ao nascer.9-14 Da mesma forma, tem havido resultados conflitantes em relação ao efeito da doença periodontal na pré-eclâmpsia.15,16

Há que considerar os critérios utilizados em cada um desses estudos, e, por isso, a leitura cuidadosa é necessária para que não haja uma interpretação equivocada desses dados. Nenhum estudo aqui apresentado é categórico em afirmar ou negar a existência dessa correlação. Todos eles cumprem seu papel de tornar públicos os dados levantados em suas pesquisas, que contribuem enormemente para o desenvolvimento do pensamento correto.

Mais pesquisas são necessárias nessas áreas. Ensaios clínicos randomizados de tratamento periodontal durante os períodos preconcepção ou interconcepção podem definir melhor se o tratamento pré-gravidez pode reduzir os resultados adversos da gestação.

Embora essa associação esteja solidamente presente na literatura científica, ainda não há evidências irrefutáveis de uma relação de causa e efeito entre a doença periodontal e a gravidez, mas, ainda assim, a hipótese é consistente com evidências da literatura médica que sugerem impactos negativos que afetam os bebês quando detectado um processo inflamatório no feto ou na placenta, e/ou elevados níveis de inflamação sistêmica da mãe. E a periodontite, que é uma doença crônica inflamatória mediada por uma infecção, tem essa capacidade.17,18,19

Ainda que não esteja tudo esclarecido, não quer dizer que nenhuma medida deva ser adotada para proteger gestantes e seus bebês, pois o estado precário de saúde bucal tem impactos, esses, sim, já amplamente estudados e esclarecidos. A atenção à saúde bucal durante a gravidez é segura, conforme demonstra a literatura, e pode ser praticada em prol da saúde bucal e geral da mulher, mesmo que as evidências de que um pré-natal odontológico traga benefícios sejam inconsistentes. Melhorar e manter a saúde bucal da mulher pode diminuir a transmissão de bactérias potencialmente cariogênicas para bebês e reduzir o risco futuro de cáries nas crianças.20

As consultas do pré-natal com o médico obstetra são uma janela de oportunidade para medidas preventivas em saúde bucal. Esse médico deveria encaminhar a gestante para um cirurgião-dentista que, junto com o pessoal auxiliar, forneceria educação e orientação profissional a respeito de como melhorar e manter a saúde bucal. E como os dados sobre tratamentos antes e durante a gravidez são conflitantes, esse acompanhamento poderia ser começado até antes da gravidez e se estender até depois do parto, como parte de um planejamento familiar. Isso porque o problema de uma disbiose bucal pode ir além do parto prematuro. Após o nascimento, essa criança poderá ter seu microbioma bucal modificado, o que a tornará mais suscetível ao desenvolvimento de uma doença periodontal de difícil gerenciamento, pois essa modificação parece não ser reversível, conforme sugerem evidências recentes na literatura científica a respeito da colonização subgengival de crianças geradas por pais periodontalmente doentes.21

 6 recomendações no atendimento a grávidas1

1. Converse sobre saúde bucal com todas as pacientes, incluindo aquelas que estão grávidas ou no período pós-parto.


2. Informe-as de que os cuidados com a saúde bucal melhoram a saúde geral da mulher ao longo de sua vida e também podem reduzir a transmissão de bactérias orais potencialmente produtoras de cárie das mães para seus filhos.


3. Faça uma avaliação de saúde bucal durante a primeira consulta pré-natal.


4. Tranquilize-as dizendo que a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das doenças bucais, incluindo raios X dentais (com proteção do abdômen e da tireoide) e anestesia local (lidocaína com ou sem epinefrina), são seguros na gravidez.


5. Informe-as de que as condições que requerem tratamento imediato, como extrações, canais radiculares e restauração (amálgama ou composto) de cáries, podem ser tratadas a qualquer momento durante a gravidez. Atrasar o tratamento pode resultar em problemas mais complexos.


6. Para pacientes com vômitos secundários a enjoos matinais, hiperêmese gravídica ou refluxo gástrico durante o final da gravidez, o uso de antiácidos ou o enxague com solução de bicarbonato de sódio (ou seja, uma colher de chá de bicarbonato de sódio dissolvida em uma xícara de água) podem ajudar.

Prof. Dr. Emerson Nakao 

Mestre e Especialista em Prótese Dentária e professor da FFO-Fundecto, fundação conveniada à Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Fousp)

Prof. Dr. Rodolfo Francisco
Haltenhoff Melani

Professor associado do Departamento de Odontologia Social e responsável pela área de Odontologia Legal do Programa de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas, ambos na Fousp

Prof. Dra. Caroline Teggi Schwartzkopf

Especialista em Periodontia e Prótese e mestranda em Periodontia pela Universidade Paris VII

REFERÊNCIAS

1. National Maternal and Child Oral Health Resource Center, Georgetown University. Oral health care during pregnancy: a national consensus statement. Washington, DC: Oral Health Care During Pregnancy Expert Workgroup; 2012 [acesso em 2021 Abr 05]. Disponível em: https://www.mchoralhealth.org/PDFs/OralHealthPregnancyConsensus.pdf.

2. Offenbacher S, Katz V, Fertik G, Collins J, Boyd D, Maynor G, McKaig R, Beck J. Periodontal infection as a possible risk factor for preterm low birth weight. J Periodontol. 1996;67(S10):1103-13. doi: 10.1902/jop.1996.67.10s.1103. PMID: 8910829.

3. Shanthi V, Vanka A, Bhambal A, Saxena V, Saxena S, Kumar SS. Association of pregnant women periodontal status to preterm and low-birth babies: a systematic and evidence-based review. Dent Res J (Isfahan). 2012 Jul;9(4):368-80. PMID: 23162575; PMCID: PMC3491321.

4. Ide M, Papapanou PN. Epidemiology of association between maternal periodontal disease and adverse pregnancy outcomes – systematic review. J Clin Periodontol. 2013;40(S4):S181-94. doi: 10.1902/jop.2013.134009. PMID: 23631578.

5. Oral health care during pregnancy and through the lifespan. Committee Opinion nº 569. American College of Obstreticians and Gynecologists. Obstet Gynecol 2013;122:417-22 [acesso em 2021 Abr 05]. Disponível em: https://www.acog.org/-/media/project/acog/acogorg/clinical/files/committee-opinion/articles/2013/08/oral-health-care-during-pregnancy-and-through-the-lifespan.pdf.

6. Horton AL, Boggess KA, Moss KL, Jared HL, Beck J, Offenbacher S. Periodontal disease early in pregnancy is associated with maternal systemic inflammation among African American women. J Periodontol. 2008;79(7):1127-32. doi: 10.1902/jop.2008.070655. PMID: 18597593; PMCID: PMC4381567.

7. Parihar AS, Katoch V, Rajguru SA, Rajpoot N, Singh P, Wakhle S. Periodontal Disease: a possible risk-factor for adverse pregnancy outcome. J Int Oral Health. 2015 Jul;7(7):137-42. PMID: 26229389; PMCID: PMC4513769.

8. Offenbacher S, Beck JD, Lieff S, Slade G. Role of periodontitis in systemic health: spontaneous preterm birth. J Dent Educ. 1998;62(10):852-8. PMID: 9847888.

9. Polyzos NP, Polyzos IP, Zavos A, Valachis A, Mauri D, Papanikolaou EG, Tzioras S, Weber D, Messinis IE. Obstetric outcomes after treatment of periodontal disease during pregnancy: systematic review and meta-analysis. BMJ. 2010;341:c7017. doi: 10.1136/bmj.c7017. PMID: 21190966; PMCID: PMC3011371.

10. Fogacci MF, Vettore MV, Leão AT. The effect of periodontal therapy on preterm low birth weight: a meta-analysis. Obstet Gynecol. 2011;117(1):153-65. doi: 10.1097/AOG.0b013e3181fdebc0. PMID: 21173658.

11. Offenbacher S, Beck JD, Jared HL, Mauriello SM, Mendoza LC, Couper DJ, et al. Effects of periodontal therapy on rate of preterm delivery: a randomized controlled trial. Obstet Gynecol. 2009;114(3):551-9. doi: 10.1097/AOG.0b013e3181b1341f. PMID: 19701034; PMCID: PMC2917914.

12. Michalowicz BS, Hodges JS, DiAngelis AJ, Lupo VR, Novak MJ, Ferguson JE, et al. Treatment of periodontal disease and the risk of preterm birth. N Engl J Med. 2006;355(18):1885-94. doi: 10.1056/NEJMoa062249. PMID: 17079762.

13. Newnham JP, Newnham IA, Ball CM, Wright M, Pennell CE, Swain J, et al. Treatment of periodontal disease during pregnancy: a randomized controlled trial. Obstet Gynecol. 2009;114(6):1239-48. doi: 10.1097/AOG.0b013e3181c15b40. PMID: 19935025.

14. Macones GA, Parry S, Nelson DB, Strauss JF, Ludmir J, Cohen AW, Stamilio DM, et al. Treatment of localized periodontal disease in pregnancy does not reduce the occurrence of preterm birth: results from the Periodontal Infections and Prematurity Study (PIPS). Am J Obstet Gynecol. 2010;202(2):147.e1-8. doi: 10.1016/j.ajog.2009.10.892. PMID: 20113691.

15. Boggess KA, Lieff S, Murtha AP, Moss K, Beck J, Offenbacher S. Maternal periodontal disease is associated with an increased risk for preeclampsia. Obstet Gynecol. 2003;101(2):227-31. doi: 10.1016/s0029-7844(02)02314-1. PMID: 12576243.

16. Khader YS, Jibreal M, Al-Omiri M, Amarin Z. Lack of association between periodontal parameters and preeclampsia. J Periodontol. 2006;77(10):1681-7. doi: 10.1902/jop.2006.050463. PMID: 17032110.

17. Paraskevas S, Huizinga JD, Loos BG. A systematic review and meta-analyses on C-reactive protein in relation to periodontitis. J Clin Periodontol. 2008;35(4): 277-90. Epub 2008 Feb 20. doi: 10.1111/j.1600-051X.2007.01173.x. PMID: 18294231.

18. Garcia RI, Henshaw MM, Krall EA. Relationship between periodontal disease and systemic health. Periodontol 2000. 2001;25:21-36. doi: 10.1034/j.1600-0757.
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19. Linden GJ, Lyons A, Scannapieco FA. Periodontal systemic associations: review of the evidence. J Clin Periodontol. 2013;40(S14):S8-19. doi: 10.1111/jcpe.12064. PMID: 23627336.

20. California Dental Association Foundation; American College of Obstetricians and Gynecologists, District IX. Oral health during pregnancy and early childhood: evidence-based guidelines for health professionals. J Calif Dent Assoc. 2010 Jun;38(6):391-403, 405-40. PMID: 20645626.

21. Monteiro MF, Altabtbaei K, Kumar PS, Casati MZ, Ruiz KGS, Sallum EA, Nociti-Junior FH, Côrrea R, Casarin V. Parents with periodontitis impact the subgingival colonization of their offspring. Sci Rep [Internet]. 2021 [acesso em 2020 Abr 05];
11,1357. Disponível em: https://doi.org/10.1038/s41598-020-80372-4.

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