Dez anos de avanços na
Odontologia
Para celebrar a primeira década da revista Conexão Odontoprev, expoentes em seis áreas da Odontologia contam o que mudou neste período em cada uma delas
A palavra que melhor define os avanços dos últimos dez anos na Odontologia é “previsibilidade”. A tecnologia, os novos materiais, os modernos equipamentos de diagnósticos e as novas técnicas de tratamento, sustentadas por pesquisas, propiciaram mais segurança para cirurgiões-dentistas sobre os efeitos esperados e a taxa de sucesso, além de reduzir etapas nos procedimentos, ganhar tempo clínico e aumentar o conforto dos pacientes.
A Conexão Odontoprev consultou grandes especialistas em seis áreas da Odontologia para apontar os principais avanços ocorridos em cada uma delas nos últimos dez anos. O panorama que surge dessas entrevistas é impressionante. Orientações básicas para os pacientes foram reforçadas, como a necessidade de uma boa higienização em casa, com fio dental e escova de dente. Nos consultórios, a Odontologia Digital tomou o espaço da analógica. E já têm aparecido nos congressos internacionais os primeiros protótipos de “robôs odontologistas”. Mas isso é história para uma análise dos próximos dez anos. Vamos à incrível evolução conquistada até aqui.
Endodontia
Giulio Gavini
Professor titular de Endodontia e Diretor da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP)
A Endodontia foi uma das áreas da Odontologia que mais incorporou tecnologia nos últimos dez anos, tanto no diagnóstico quanto no tratamento das doenças. Uma das novidades que surgiram no período foi a tomografia computadorizada de feixe cônico, também chamada de tomografia de alta resolução, que tem sido um recurso auxiliar bastante importante para o diagnóstico e o planejamento de casos. Esse avanço foi necessário porque atualmente temos uma população mais idosa, o que implica em um número maior de pacientes com dentes com canais calcificados, que exigem um diagnóstico mais detalhado.
Em países como os Estados Unidos e na Europa, essa tecnologia foi incorporada nos consultórios odontológicos em anos recentes. No Brasil, essa também é a tendência, ainda que ocorra em um ritmo mais lento.
Em relação ao tratamento, houve grandes avanços na mecanização do preparo dos canais radiculares, com a utilização de instrumentos fabricados com uma nova liga, de níquel-titânio. Esse processo iniciou-se nos anos 1990, tornando os instrumentos rotatórios de níquel-titânio os mais utilizados para a instrumentação e para o preparo dos canais radiculares.
E, nos últimos dez anos, o níquel-titânio passou por uma série de melhorias em termos de tratamento de superfície e térmicos que tornam o instrumento cada vez mais flexível e mais resistente à fratura, além de ter ganhado um design mais adequado para obter os resultados desejados quando se realiza o preparo do canal radicular. Isso tudo se reflete em um resultado melhor e em mais segurança para os pacientes.
Por fim, houve uma evolução significativa, por meio do emprego de técnicas como a microtomografia, nos estudos que comprovaram a complexidade anatômica dos canais radiculares, e também no conhecimento das espécies bacterianas que se organizam em torno do canal como um biofilme, realçando a importância de haver um bom preparo e a descontaminação do local.
Periodontia
Cláudio Mendes Pannuti
Professor titular de Periodontia da Faculdade de Odontologia da USP (FOUSP)
As conquistas na Periodontia, como tradicionalmente ocorre nessa especialidade, foram em grande parte baseadas em pesquisas científicas. Nos últimos dez anos, tivemos avanços em diagnósticos e em tratamentos cirúrgicos e não cirúrgicos. Em termos de diagnóstico, destaco o lançamento, em 2018, do novo sistema de classificação das doenças periodontais, produzido com a participação de especialistas do mundo todo, inclusive brasileiros. Esse documento apoiou as diretrizes de tratamentos que foram publicadas em 2020.
Ganhamos um entendimento maior da imunopatogênese das doenças periodontais, de como elas acontecem, de quais são as bactérias envolvidas e de como é a resposta imunoinflamatória. Um dos avanços recentes associados a isso foi descobrir como as doenças periodontais podem ter um impacto negativo em outros males, como diabetes e doenças cardiovasculares.
Em anos recentes, a Periodontia tornou-se mais conservadora, no sentido de evoluir para procedimentos menos invasivos. Antes, quem tinha doença periodontal precisava passar por cirurgias ressectivas, ou seja, em que se cortava a gengiva. Atualmente, com a demanda estética, isso não é mais aceito pelo paciente. Prevalecem os tratamentos não cirúrgicos, que avançaram muito por técnicas de limpeza mais profunda de raspagem dos dentes sem a necessidade de expor o osso, de abrir um retalho. Nos últimos dez anos houve uma melhoria significativa no desenho dos instrumentos manuais e ultrassônicos, com curetas mais finas e delicadas, que alcançam no fundo da bolsa gengival.
Também contribuíram para o avanço da abordagem não cirúrgica os estudos com os tratamentos adjuntos, como os antibióticos sistêmicos, os probióticos, os moduladores da resposta do hospedeiro (que fazem com que a taxa de progressão da doença seja menor) e os anti-inflamatórios.
Quando necessário, o tratamento cirúrgico, na atualidade, tem mais a função estética de regenerar o tecido ósseo que foi perdido ou de recobrir a retração gengival, inclusive por meio de biomateriais, que têm a vantagem de dispensar a dolorosa alternativa, ainda o padrão ouro nesses casos, de retirar o enxerto do palato. O principal resultado dos avanços na parte cirúrgica é que passamos a ter uma maior previsibilidade de sucesso.
Biossegurança
Liliana Donatelli
Bióloga e mestre em Saúde Pública, certificada em Prevenção e Controle de Infecção em Odontologia pela OSAP-DALE Foundation. Consultora em biossegurança da Cristófoli
É natural ver a pandemia de Covid-19 como um marco histórico para os protocolos de saúde e prevenção nos consultórios. Mas o seu principal legado foi o de conscientizar profissionais e pacientes da importância da biossegurança.
Nos últimos dez anos, tivemos outros eventos que já haviam demonstrado que alguns cuidados são necessários. Em 2013, por exemplo, foi confirmado em Tulsa, nos Estados Unidos, o primeiro caso de hepatite C com transmissão dentro de um consultório odontológico. O caso mostrou que as falhas de biossegurança podem resultar em infecções de pacientes. Mais de 5.000 deles tiveram de fazer exame de hepatite C. Foi um marco na área de prevenção e controle de infecção em Odontologia.
As regras que foram estabelecidas em 2003 pelos Centers for Disease Control and Prevention (CDC), órgão oficial estadunidense, balizaram recomendações mundiais em relação ao tratamento de superfícies. Em 2016, houve uma atualização com pequenas modificações, especialmente no que se refere à higiene respiratória e ao cuidado com os injetáveis.
Com a Covid-19, um marco que já estava estabelecido, mas que se provou urgente, era o cuidado com o ar, até então negligenciado nos consultórios. Durante o atendimento odontológico, são produzidos aerossóis e também gotículas, e há o risco de contaminação cruzada. O dentista e seu auxiliar devem usar sempre os equipamentos de proteção individual específicos para evitar a transmissão de doenças respiratórias, especialmente a máscara N95/PFF2. Outros cuidados provaram-se inócuos, como o propé, que não ajuda em nada no controle de contaminação do ambiente, e as divisórias de acrílico, que não barram os aerossóis.
O caso de 2013 envolvendo contaminação por hepatite C em um consultório odontológico chamou a atenção para o monitoramento da esterilização em autoclaves com indicadores biológicos. Trata-se de uma recomendação antiga, mas que ainda é feita de maneira inadequada em muitos consultórios. Afinal, a esterilização não é um processo visível. Ela precisa ser monitorada.
De lá para cá houve uma evolução de todos os equipamentos voltados para a biossegurança. Temos mais variedades de indicadores biológicos e químicos. As autoclaves avançaram muito, e realizam hoje melhor controle de temperatura e pressão, além de ter havido a substituição das tampas e câmeras de alumínio pelas de inox. E há cada vez mais opções de autoclaves de classe B, pequenas e com alto desempenho, a um custo menor. Por fim, há uma conscientização crescente de que em biossegurança a responsabilidade é compartilhada, não pode simplesmente ser delegada pelo cirurgião-dentista para seu auxiliar.
Prótese
Guilherme Saavedra
Professor associado do Instituto de Ciência e Tecnologia da Unesp (campus São José dos Campos) e professor visitante da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa, em Portugal
A evolução tecnológica dos últimos dez anos tem feito com que se demande do cirurgião-dentista, mais do que habilidade manual, a capacidade intelectual de tomar decisões corretas para, depois de entender o problema do paciente, encontrar a melhor solução para ele.
A execução é facilitada por inovações da indústria que buscam a simplificação dos processos odontológicos. Em vez de construir um dente com dez camadas de material, fazemos a inserção de uma camada única. Em vez de cinco passos para aplicar o adesivo, aplicamos uma vez só e fazemos a ativação, para endurecê-lo. Com isso, as áreas de prótese e implante passaram a interagir, a se sobrepor, com uma especialidade entrando na outra.
Isso se deve aos avanços em hardware e software, que dispensaram a necessidade de moldar a boca do paciente com os métodos tradicionais. Hoje temos o scanner intraoral, que constrói uma malha tridimensional do interior da boca. Além de ser mais confortável para o paciente, isso permite ao profissional identificar melhor o problema que ele tem e mostrar o que está acontecendo e quais opções de tratamento existem.
Eu reúno todas as informações do paciente, como tomografia e radiografia, dentro de um software. O paciente está ciente do problema e participa comigo da possível solução. Essa tecnologia também melhora a comunicação com o técnico de prótese.
Nos últimos anos, mudança substantiva ocorreu nos métodos de manufatura das próteses, que pode ser aditiva e subtrativa. A aditiva, ou impressão em 3D, confecciona a prótese pela deposição de camadas de material, que podem ser polímeros, metais ou cerâmica. Na subtrativa, uma máquina vai desgastando um bloco de matéria-prima até formar um dente.
Ainda existe o trabalho manual do protético, mas este é um profissional com alta demanda e pode precisar de três dias ou mais para fazer um dente de boa qualidade. A tecnologia democratizou os resultados. Ganhamos em agilidade e previsibilidade. O técnico não foi substituído, mas o trabalho dele mudou, está mais focado no acabamento e ficou mais ágil. Casos simples eu resolvo no consultório, na Saavedra Digital Dentistry Academy, com os equipamentos de manufatura que tenho aqui — faço uma dentadura em 40 minutos, por exemplo. Casos complexos, mando para o laboratório.
Implantodontia
Nilton de Bortoli Jr.
Consultor científico e cofundador da Implacil De Bortoli. Professor da Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Odontologia, da Unip e da Faculdade São Leopoldo Mandic
Os avanços dos últimos dez anos trouxeram mais “previsibilidade” à Implantodontia. Antes, a especialidade trabalhava com uma taxa de sucesso de pouco mais de 90%. Hoje, com implantes de qualidade e novas técnicas, chegamos a 99,5% de sucesso. O paciente vai ao consultório e o profissional consegue, com os modernos equipamentos de imagem e com os materiais, prever o resultado, inclusive com a opção da reversibilidade.
Graças às tomografias, obtém-se uma prototipagem do osso do paciente que permite ao cirurgião-dentista ver e saber exatamente onde ele vai colocar o implante. E, com os novos materiais, ocorre um fantástico equilíbrio que a gente chama de osseointegração, que é a integração da estrutura óssea com o implante, o que lhe confere uma durabilidade de até 40 anos.
Antes, era possível obter uma osseointegração em um período máximo de seis meses. Hoje, com os novos produtos, isso acontece em seis semanas. O paciente faz o implante em outubro e no Natal já está com o dente novo. Com um instrumento desenvolvido nos últimos anos, podemos testar se o osso está osseointegrado, o que garante a segurança de seguir para a próxima etapa.
Por fim, vale destacar o benefício das cirurgias guiadas por programa de computador. Com base na tomografia e nos dados do implante a ser colocado, é produzida uma placa para ser encaixada na boca do paciente, com a indicação exata de onde se devem fazer os furos. Não é necessário fazer uma incisão com o bisturi, nem mesmo fazer sutura no paciente. Com meia dúzia de perfurações, o paciente sai de lá como se não tivesse entrado.
E o que é melhor: tudo isso cada vez mais acessível para todo mundo, com opções para as classes A, B, C e D. Os implantes já não são mais apenas para os poucos que podem pagar caro.
Dentística
Marcelo Giannini
Professor do departamento de Odontologia Restauradora da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP-Unicamp)
Há dez anos, em outubro de 2013, foi assinada a Convenção de Minamata, no Japão, pela qual a comunidade internacional se comprometeu a adotar medidas para reduzir o uso de mercúrio, por questões ambientais e de saúde humana. Um dos produtos que contêm mercúrio é o amálgama, usado em restaurações dentárias. Esse acordo acelerou as pesquisas para consolidar um avanço iniciado vários anos antes.
A resina composta, quando surgiu algumas décadas atrás em substituição ao amálgama na Odontologia restauradora, só podia ser aplicada em pequenos incrementos, em pequenas porções, no dente. Nos últimos dez anos, surgiram as resinas do tipo bulk fill, que podem ser aplicadas em incrementos maiores dos dentes posteriores, facilitando a vida dos cirurgiões-dentistas e reduzindo o tempo clínico.
Para os dentes anteriores, as resinas compostas têm evoluído no sentido de reduzir a necessidade de haver muitas opções de cores. Antigamente, ao fazer uma restauração, o cirurgião-dentista colocava na mesa várias bisnagas de resina, com diferentes cores. Hoje, temos à nossa disposição as resinas universais ou monoshades, que possuem um efeito camaleão. Isso eliminou ou reduziu significativamente a dificuldade que a gente tinha para reconstruir o dente com cores, opacidades e regiões transparentes particulares.
Já estão surgindo também as resinas selfhealing ou, em português, “autocuráveis”, que evitam, por exemplo, que uma eventual trinca se propague como uma fratura no corpo da restauração. Uma novidade promissora em resina também são os materiais bioativos, que interagem com as paredes do dente, liberando íons. Além de restaurarem o dente, eles vão ajudar a evitar que pessoas tenham recidivas de cáries.
Outro material importante na Dentística que se desenvolveu muito é o produto que une o material restaurador ao dente — ou seja, os adesivos. A cada mês a indústria lança um novo adesivo no mercado. A última geração são os adesivos universais, que podem ser trabalhados de diversas formas. Eles são aplicados tanto no esmalte, que reveste o dente, quanto na dentina, uma estrutura interna do dente. Os adesivos também podem ser usados para unir cerâmicas e resinas compostas de prótese ao dente.
Da funcionalidade, a Dentística evoluiu para a estética, ainda nos anos 1990. O primeiro congresso de Odontologia Estética no Brasil ocorreu em 1994. Os norte-americanos vieram para cá e mostraram as facetas, a cerâmica colada nos dentes da frente, para o espanto dos profissionais brasileiros. As facetas exigem um desgaste do dente, geralmente de 0,7 mm a 1mm na face da frente, para que possam ser coladas a ele. São permanentes e, se bem-feitas, não atrapalham em nada a higiene bucal e a mastigação.
Já a lente de contato é uma alternativa que permite mexer muito pouco no dente. Exige apenas um pequeno desgaste para adaptar uma peça protética a ele. Por exemplo, se a pessoa tem um dente pequeno, com má-formação, a lente de contato é uma boa opção com ótimo resultado estético. Em suma, nos últimos dez anos popularizaram-se técnicas para conseguir sorrisos bonitos ou corrigir pequenos defeitos, do jeito que os pacientes sonham.