Alinhadores e fluxo digital em ortodontia

Como aplicar a mínima intervenção no dia a dia clínico?

José Carlos Pettorossi Imparato, Professor Livre docente de Odontopediatria da FOUSP e Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Odontopediatria do São Leopoldo Mandic

Bruna Lorena Pereira Moro, Especialista em Odontopediatria e Professora colaboradora no programa de Pós-graduação da Faculdade São Leopoldo Mandic em São Paulo, Campinas e Brasília, onde atua também como coordenadora acadêmica dos cursos de Pós-graduação em Odontopediatria na unidade de São Paulo.

José Carlos Pettorossi Imparato, Bruna Lorena Pereira Moro

No início dos anos 1990, devido aos estudos científicos realizados na época, chegou-se à conclusão de que o manejo das lesões de cárie poderia ser mais bem-sucedido por meio de uma abordagem “biológica” baseada nos conceitos que envolviam o biofilme dentário, o consumo de açúcar, uso de fluoretos, uso de materiais dentários adesivos, comparado à abordagem cirúrgica tradicional realizada até então (1).

Dessa forma, essa nova abordagem no manejo da cárie dentária foi denominada Mínima Intervenção, podendo ser definida como uma filosofia que visa manter os dentes funcionais por toda vida do indivíduo (1).

Dentre as estratégias que compõem a Mínima Intervenção para manter os dentes livres da presença de lesões cariosas, estão:

  • (I) Detecção precoce de lesões de cárie e avaliação do risco de cárie com instrumentos validados;
  • (II) Remineralização do esmalte e da dentina desmineralizados;
  • (III) Medidas preventivas de cárie;
  • (IV) Intervalos de retorno individualizados;
  • (V) Intervenções minimamente invasivas;
  • (VI) Reparo ao invés de substituição de restaurações (2).

Esses conceitos abrangem muitos procedimentos com o objetivo de tratar lesões cariosas preservando o máximo possível da estrutura do dente.

O processo de desmineralização que leva à cárie dentária deve ser baseado no controle dos fatores etiológicos, ou seja, na redução da ingestão e da frequência do consumo de açúcar, bem como na remoção do biofilme dentário por meio da escovação e do uso de um creme dental com pelo menos 1.000 ppm de flúor (3).

Essas medidas são a base do tratamento da doença e podem, por si só, ser o tratamento de algumas lesões, como as lesões em esmalte, ou podem também ser complementadas por outras intervenções específicas. Os preceitos da Mínima Intervenção dividem as estratégias de controle da doença e tratamento das lesões de cárie em três categorias, considerando o grau de remoção de tecido dentário (4):

– Estratégias não invasivas: quando não há remoção de tecido dentário duro. Envolvem, por exemplo, a aplicação profissional de flúor, além de medidas de controle do biofilme e controle dietético;

– Estratégias microinvasivas: são aquelas que envolvem a remoção mineral da estrutura dentária durante a etapa de condicionamento ácido para as técnicas de selamento e infiltração resinosa.

– Estratégias invasivas: envolvem a remoção mecânica de tecido dentário por meio de instrumentos manuais, como curetas de dentina e/ou instrumentos rotatórios. Na maioria dos casos está associado à confecção de restaurações dentárias.

– Intervenções mistas: envolvem dois tipos de tratamentos que não se enquadram nas outras categorias, sendo o Controle Não Restaurador da Cárie (5) e a Técnica de Hall (6) (Figura 1).

Figura 1 – Técnica de Hall empregada para tratamento dos dentes 54 e 64 por meio do selamento da lesão cavitada de cárie com coroas de aço pré-fabricadas

Há uma série de fatores que influenciam a decisão de tratamento para cada tipo de lesão de cárie detectada clinicamente. Dentre esses fatores, podemos citar alguns como a atividade da lesão, a presença de cavitação e a possibilidade de remoção do biofilme pelo paciente. A atividade da lesão de cárie indica a probabilidade de a lesão progredir. Na presença de lesões de cárie ativas, os processos de des-remineralização estão em desequilíbrio e medidas de controle são necessárias para restabelecer o equilíbrio. Já as lesões inativas podem ser consideradas como uma “cicatriz” e não requerem nenhum tipo de intervenção (4). No entanto, em alguns casos, como em lesões inativas em dentina, restaurações podem ser colocadas para restabelecimento de forma, função e/ou estética (4).

A presença de cavitação aumenta a probabilidade de progressão da lesão quando há retenção do biofilme (7), por isso se faz necessário avaliar se a lesão cavitada permite o acesso direto da escovação. Em alguns casos, lesões cavitadas com exposição de dentina, como em dentes anteriores decíduos, podem ser passíveis de limpeza (Figura 2). Dessa forma, é possível postergar a realização de uma restauração ou até mesmo não realizá-la (Controle Não Restaurador da Cárie), quando há motivação do núcleo familiar em controlar a atividade da doença.

Figura 2 – Controle não restaurador da cárie como opção de manejo para dentes anteriores decíduos com lesões cavitadas passíveis de remoção do biofilme

Dessa forma, para que a Mínima Intervenção seja aplicada no dia a dia clínico é fundamental que um diagnóstico acurado seja realizado pelo cirurgião-dentista, por meio do exame visual-tátil, empregando quando necessário, a avaliação radiográfica complementar quando houver dúvida em relação à decisão de tratamento (8).

Além disso, o tratamento de escolha deve visar a longevidade do dente sempre que possível, priorizando abordagens menos invasivas e, quando uma intervenção invasiva se fizer necessária, como num procedimento restaurador, que seja empregada a remoção seletiva do tecido cariado e não a remoção total de tecido cariado.

Cabe ressaltar que o paciente e seu núcleo familiar sempre devem ser informados sobre as possíveis opções de tratamento e devem consentir com o tratamento de escolha.

Crédito das imagens: Bruna Lorena Pereira Moro

Referências

  1. Frencken JE. Atraumatic restorative treatment and minimal intervention dentistry. Br Dent J. 2017 Aug 11;223(3):183-189. doi: 10.1038/sj.bdj.2017.664. PMID: 28798450.
  2. Frencken J E, Peters M C, Manton D J, Leal S C, Gordan V V, Eden E. Minimal intervention dentistry for managing dental caries – a review: report of a FDI task group. Int Dent J 2012; 62: 223–243.
  3. Kidd E, Fejerskov O. Changing concepts in cariology: forty years on. Dent Update. 2013;40 (277–278):280–286.
  4. Schwendicke, F., Splieth, C., Breschi, L. et al. When to intervene in the caries process? An expert Delphi consensus statement. Clin Oral Invest 23, 3691–3703 (2019).
  5. van Strijp G, van Loveren C. No Removal and Inactivation of Carious Tissue: NonRestorative Cavity Control. Monogr Oral Sci. 2018;27:124-136. doi: 10.1159/000487839. Epub 2018 May 24. PMID: 29794458.
  6. Innes NP, Evans DJ, Stirrups DR. The Hall Technique; a randomized controlled clinical trial of a novel method of managing carious primary molars in general dental practice: acceptability of the technique and outcomes at 23 months. BMC Oral Health. 2007 Dec 20;7:18. doi: 10.1186/1472-6831-7-18. PMID: 18096042; PMCID: PMC2265270.
  7. Ferreira Zandona A, Santiago E, Eckert GJ, Katz BP, Pereira de Oliveira S, Capin OR, Mau M, Zero DT (2012) The natural history of dental caries lesions: a 4-year observational study. J Dent Res 91(9):841–846.
  8. ABOPED Nacional. Diretrizes para procedimentos clínicos em Odontopediatria. 3a ed. Editora Santos, 2020
Scroll to Top