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Bem no alvo

Pesquisadores demonstram a eficácia de medicamento com ação direcionada à bactéria causadora de doença periodontal, sem prejuízo da microbiota saudável. O estudo pode representar um avanço significativo na luta contra as superbactérias 

A resistência de bactérias é um problema global grave, desencadeado pelo uso inadequado de antibióticos de amplo espectro. São medicamentos que eliminam os patógenos causadores de doenças, mas, ao mesmo tempo, atacam também o restante da microbiota, abrindo espaço para a proliferação de espécies resistentes aos fármacos, as chamadas superbactérias. Uma descoberta importante, nesse sentido, foi feita por pesquisadores do ADA Forsyth, um instituto de pesquisa dedicado a estudar as conexões entre a saúde oral e o bem-estar geral, localizado nos Estados Unidos. Os cientistas demonstraram que o antibiótico de espectro reduzido FP-100 é eficaz na eliminação da bactéria Fusobacterium nucleatum, prevalente em diferentes casos de doença periodontal.

“Frequentemente, os antibióticos que tratam esse tipo de doença também matam todas as bactérias que ajudam a prevenir a superpopulação de patógenos”, explica Alpdogan Kantarci, cientista que liderou o estudo. “Com o aumento de superbactérias resistentes a antibióticos, ser capaz de matar um patógeno perigoso com uma opção de medicamento antimicrobiano de espectro estreito representa uma mudança significativa de paradigma no desenvolvimento de antibióticos”, acrescenta.

As bactérias do gênero Fusobacterium são encontradas com certa recorrência na cavidade oral e no trato intestinal. Elas são responsáveis por uma série de doenças orais e sistêmicas. A Fusobacterium nucleatum, especificamente, pode causar doença periodontal, infecção pulpar e câncer oral. Quanto mais grave uma inflamação na gengiva, maior a quantidade de representantes da espécie no organismo. Uma das características dessa bactéria é a capacidade de se espalhar, causando outras condições graves. Ela já foi associada, por exemplo, ao câncer colorretal, ao parto prematuro e até à doença de Alzheimer.

Atualmente, os tratamentos para periodontite consistem em desacelerar a progressão da inflamação. O novo estudo, no entanto, trouxe resultados animadores, mostrando que o FP-100 é capaz de erradicar a bactéria. “Esse tipo de dado, preto no branco, quase nunca acontece”, afirmou Kantarci. “Os resultados foram muito claros. Com o FP-100, podemos eliminar a Fusobacterium nucleatum da cavidade oral, reverter a destruição tecidual e prevenir a progressão da doença sem prejudicar o microbioma benéfico”, detalhou.

COMO FOI FEITO O ESTUDO?

Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores usaram amostras de placa bacteriana retiradas da gengiva de um paciente com diagnóstico clínico de periodontite grave. O material, então, foi cultivado em laboratório para simular uma comunidade de bactérias semelhante à que existe naturalmente na boca. Em seguida, essas bactérias foram tratadas com diferentes concentrações do composto FP-100, com o intuito de observar se haveria uma possível redução da Fusobacterium nucleatum. As culturas foram mantidas em condições especiais e analisadas com técnicas de sequenciamento genético para identificar quais bactérias estavam presentes antes e depois do tratamento. A comunidade tinha muitos tipos diferentes de bactérias — e mais de 25% eram do tipo Fusobacterium, ligado à inflamação na gengiva.

No grupo que não recebeu o tratamento, a quantidade dessas bactérias permaneceu estável por dois dias. Já o grupo que recebeu aplicações do antibiótico FP-100, mesmo em baixa dose, apresentou redução significativa das Fusobacteria. Em um dia, o número caiu de 25% para 3,5%. No segundo dia, elas quase desapareceram, ficando em 0,08%. Com a aplicação de uma dose mais alta, em um dia, restaram 8,3%; no segundo dia, 0,2%.

Os testes também foram realizados com modelos in vivo, em camundongos, que foram infectados com a bactéria. Os cientistas dividiram os animais em dois grupos: um recebeu o FP-100 via oral duas vezes por dia e o outro, apenas água. Depois de uma semana, as bactérias F. nucleatum ainda estavam presentes em todas as amostras dos animais do grupo de controle. Já nos camundongos tratados com FP-100, nenhuma colônia foi encontrada, o que mostra que o medicamento foi eficaz.

Além disso, a pesquisa com os camundongos mostrou que o medicamento ajudou a evitar a perda óssea ao redor dos dentes — um dos principais sinais da doença periodontal. Os animais que receberam o tratamento perderam uma quantidade menor de ossos do que os que não foram tratados.

O QUE VEM POR AÍ

O próximo passo é avançar com os estudos clínicos de fase 1 do FP-100, para avaliar se o composto é seguro e tolerado em seres humanos. A ADA Forsyth e a empresa Flightpath Biosciences registraram juntas a patente do medicamento e planejam continuar as pesquisas em testes clínicos, explorando também o uso em outras doenças desencadeadas pela bactéria Fusobacterium nucleatum.

PARA SABER MAIS:

Yakar N, Unlu O, Cen L, Hasturk H, Chen T, Shi W, et al. Targeted elimination of Fusobacterium nucleatum alleviates periodontitis. J Oral Microbiol. 2024;16(1):2388900. doi:10.1080/20002297.2024 .2388900.

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