Quantos anos tem a sua boca?

A idade real de uma pessoa pode estar em descompasso com a que aparenta ter sua boca. Segundo especialistas, nossos dentes estão envelhecendo mais rápido. Entenda os motivos

Rugas, perda do viço da pele, cabelos brancos… Com o passar do tempo, o corpo se transforma e começa a dar alguns sinais de envelhecimento. Mas você já parou para pensar que os dentes — e a cavidade bucal como um todo — também passam por transformações com a idade? O que preocupa é que essas mudanças têm ocorrido cada vez mais cedo e com pessoas cada vez mais jovens. A chamada Síndrome do Envelhecimento Precoce Bucal (SEPB) é um problema que tem atraído a atenção de cirurgiões-dentistas no Brasil e no mundo por causa do aumento de sua incidência e dos impactos que causa na vida do paciente, que afetam não só a estética, mas também a saúde e o bem-estar.

É natural que, com o passar do tempo, as estruturas orais envelheçam gradualmente. Ao longo da vida, pode haver desgaste do esmalte, exposição dentinária, recessão gengival, perda óssea, alterações na estética e na função mastigatória. No entanto, em alguns casos, essa deterioração da estrutura dentária e dos tecidos adjacentes acontece de forma acelerada, antes do que seria esperado para a idade cronológica do paciente. “Ou seja, a boca envelhece mais rápido que o próprio paciente”, explica o cirurgião-dentista Paulo Vinícius Soares, professor da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Uberlândia (FO-UFU).

De acordo com o especialista, que é autor de diversos livros e estudos sobre o tema, o quadro precoce pode ser identificado em pessoas entre 20 e 40 anos, que já apresentam sinais de desgaste dentário severo, hipersensibilidade, retração gengival e alterações na oclusão. “Recentemente, foram identificados casos até mesmo em crianças, o que reforça a necessidade de investigação precoce dos fatores de risco”, aponta.

AFINAL, O QUE ESTÁ ACONTECENDO?

Se antes os problemas decorrentes do desgaste dentário e da retração gengival, ligados ao envelhecimento bucal, afetavam quase exclusivamente idosos com mais de 70 anos, hoje eles têm atingido pessoas mais jovens. O que explica esse fenômeno? As causas, segundo os especialistas, são diversas, e a maioria está relacionada a mudanças nos hábitos e no estilo de vida.

Um dos principais vilões da história é o maior consumo de alimentos e bebidas ácidas, como refrigerantes, isotônicos, energéticos, bebidas alcoólicas, frutas e doces ácidos, entre outros. A moda crescente dos vapes (ou cigarros eletrônicos) é um fator de risco importante, sobretudo entre adolescentes e jovens, assim como o tabagismo. “O uso de cigarros eletrônicos tem aumentado, e esse hábito contribui de várias maneiras para o envelhecimento bucal precoce”, observa a cirurgiã-dentista Sheyla Marcia Auad, professora da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Os dispositivos eletrônicos possuem substâncias corrosivas na composição e, consequentemente, podem reduzir o pH bucal e comprometer a neutralização dos ácidos pela saliva. Além disso, eles normalmente são consumidos com bebidas ácidas, o que pode agravar a possibilidade de desgaste dentário erosivo”, acrescenta.

A alteração da composição da saliva pelo uso de vape já foi demonstrada em alguns trabalhos científicos. Um deles, realizado no Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (ICT-Unesp), em parceria com pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, mostrou que essas mudanças, causadas pelo uso de cigarro eletrônico, aumentam o risco de desenvolver doenças bucais, como lesões na mucosa e doença periodontal, contribuindo para o envelhecimento precoce. “Os vapes podem também alterar a qualidade do sono e contribuir para o desenvolvimento de lesões esofágicas e nos tecidos moles da cavidade bucal, além de potencialmente impactar no aumento de transtornos de ansiedade”, diz a professora.

Aliás, os transtornos psiquiátricos e quadros ligados à saúde mental e emocional, como estresse e ansiedade, também têm um papel significativo em diversos casos de SEPB. “Pessoas com transtornos psiquiátricos, como bulimia nervosa, podem apresentar maior risco de desgaste dentário erosivo, o que pode contribuir para o chamado envelhecimento precoce da cavidade bucal”, diz Sheyla. Ela explica que são frequentes, entre estes pacientes, hábitos vigorosos de escovação posteriores aos episódios de vômito, o que pode agravar o processo. “Além disso, o fluxo salivar pode estar comprometido em estados frequentes de nervosismo e inquietação, como no transtorno de ansiedade, comprometendo a reposição de minerais perdidos pelos dentes”, afirma.

O bruxismo também costuma estar associado ao estresse e ao transtorno de ansiedade, entre outros. “A pressão contínua sobre os dentes pode causar fraturas e desgaste acelerado”, diz o professor Soares, que lembra ainda que o uso de antidepressivos é capaz de reduzir o fluxo salivar, aumentando a vulnerabilidade dos dentes à degradação precoce.

DORMIR BEM E TREINAR MELHOR

Não há dúvida de que os exercícios físicos são recomendados e têm efeitos positivos na saúde e no bem-estar. Porém, é preciso ter atenção à relação entre o nível de esforço exigido em algumas modalidades e a saúde bucal. “O aumento da prática de esportes de alta intensidade, como crossfit, musculação e treinos de resistência, pode contribuir para o bruxismo em vigília e a erosão dentária”, alerta Paulo Vinícius Soares. É comum que jovens atletas sofram envelhecimento bucal precoce por apertar ou bater os dentes, enquanto se esforçam fisicamente. O consumo de bebidas isotônicas, ricas em açúcares e ácidos, também contribuem para a alteração do pH da saliva, que, como já sabemos, é outra causa do problema. Estratégias de prevenção e orientação para quem pratica modalidades intensas são fundamentais para minimizar os riscos.

A professora Sheyla aponta ainda outro ponto importante, do qual quase todo mundo abusa e que poucos associam à saúde bucal: as telas. “Um aspecto que tem sido bastante destacado é a influência do tempo de exposição às telas na qualidade do sono, com consequente impacto na ocorrência de bruxismo”, explica. “A exposição excessiva à luz de aparelhos como telefones celulares, tablets e televisores próximo ao horário de dormir compromete a produção de melatonina, hormônio importante para a qualidade do sono”, acrescenta.

CUIDADOS COM OS DENTES

Às vezes, os próprios cuidados com os dentes podem resultar no desgaste e na deterioração deles, por mais paradoxal que essa afirmação possa parecer. O uso de aparelhos ortodônticos, por exemplo, pode estar associado à alteração de tecidos moles, como a recessão gengival. “A reabsorção óssea que ocorre durante o tratamento pode contribuir para uma posterior recessão da gengiva, com exposição radicular precoce, no pós-tratamento ortodôntico. Como a exposição radicular não é um sinal clínico “usual” em indivíduos jovens, quando isso ocorre é um fator a contribuir para o chamado envelhecimento precoce da cavidade bucal”, afirma a professora da UFMG.

Os aparelhos também podem favorecer a desmineralização do esmalte, devido ao acúmulo de placa bacteriana, e provocar microtrincas e fraturas, por causa da sobrecarga mecânica em dentes mal posicionados. “Quando se fala de alinhadores invisíveis, deve ser observada a possibilidade de o paciente ter refluxo gastroesofágico, pois isso pode acelerar o desgaste e induzir o bruxismo em vigília”, diz Soares.

Hábitos de higiene inadequados, como o uso de escovas com cerdas muito rígidas, cremes dentais excessivamente abrasivos e uso de força excessiva durante a escovação, também são capazes de causar o envelhecimento precoce.

SINAIS E DIAGNÓSTICO

Identificar a Síndrome do Envelhecimento Precoce Bucal exige uma anamnese detalhada, que avalie o estilo de vida do paciente e os fatores de risco associados, além de um exame clínico em busca de alterações nos dentes e tecidos. “Podem ser observados diferentes padrões de perda de estrutura, que podem envolver esmalte, dentina e, em algumas situações, comprometer até mesmo o órgão pulpar”, explica Sheyla. Segundo ela, em alguns casos, pode haver “diminuição” da altura das coroas dentárias, assim como trincas e fraturas. “Em relação às alterações de tecidos moles, observa-se a presença de recessão gengival, com exposição radicular precoce, muitas vezes com aumento da sensibilidade dentária”, afirma.

Alguns exames radiográficos podem ajudar a visualizar o desgaste excessivo do esmalte e da dentina, segundo Soares. Ele também aponta que, algumas vezes, o paciente queixa-se de dor ao ingerir alimentos quentes, frios ou doces, o que indica a hipersensibilidade dentinária. Alterações na mordida também podem acontecer, em razão da perda de dimensão vertical de oclusão, causada pelo desgaste acentuado.

TRATAMENTO INTEGRAL

As soluções vão depender dos sinais de compromentimento de cada paciente. “Depois do diagnóstico, é possível fazer um protocolo de dessensibilização, restaurações adesivas e usar laminados cerâmicos para a reabilitação estética e funcional”, diz o professor Soares. No caso de pacientes com bruxismo, podem ser indicadas as placas oclusais e, quando há recessões gengivais severas, podem ser indicados o reposicionamento ortodôntico e enxertos gengivais.

“Entretanto, nenhum tipo de tratamento pode prescindir da identificação inicial dos fatores associados ao problema, ou seja, não é efetivo reparar o problema, como restaurar os dentes, sem atuar sobre os fatores que contribuíram para seu desenvolvimento”, reforça Sheyla. “Em casos de bruxismo associado a distúrbios do sono, por exemplo, é importante recomendar a chamada higiene do sono, que envolve evitar o uso de telas pelo menos duas horas antes de dormir, assim como ter horários regulares para dormir e acordar. Com relação ao desgaste dentário erosivo, o cirurgião-dentista deve encaminhar pacientes com suspeita de alterações gastroesofágicas para acompanhamento por profissional especializado. Pacientes com desgaste erosivo em decorrência do consumo excessivo de alimentos e bebidas ácidas devem ser orientados a reduzir a frequência de ingestão, principalmente entre as refeições principais e antes de dormir, assim como evitar hábitos de consumo deletérios, como reter ou bochechar bebidas ácidas antes de engolir”, diz ela.

É importante, portanto, que se faça uma abordagem multidisciplinar, reforçando as orientações sobre os hábitos de higiene, sobre a importância de práticas adequadas, como o uso de escovas com cerdas macias e a aplicação de uma pressão adequada durante a escovação. Além disso, devem-se evitar os cremes dentais muito abrasivos, como os chamados “clareadores”. “Pacientes com questões emocionais que possam impactar a saúde bucal devem ser encaminhados para acompanhamento especializado”, aponta a especialista.

Quanto mais as pessoas foram orientadas a adotar hábitos de vida saudáveis, como alimentação equilibrada, praticar atividades físicas regularmente, cuidar da higiene bucal e ter um sono de qualidade, melhores serão os resultados na prevenção do envelhecimento bucal precoce. “Também é importante fazer visitas periódicas ao cirurgião-dentista, assim como o acompanhamento profissional quando houver condições específicas de saúde”, afirma Sheyla. “Em resumo, a prevenção do envelhecimento precoce da cavidade bucal está alinhada às boas práticas recomendadas para a promoção de saúde de uma forma geral”, completa.

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