

Dor de cabeça pode começar pela boca
Estudo inédito é o primeiro a relacionar má higiene bucal a enxaquecas e a outras dores crônicas no corpo
A dor de cabeça é um problema que afeta ou já afetou quase todo mundo. Segundo a Sociedade Brasileira de Cefaleia, 95% das pessoas têm ou já tiveram o problema pelo menos uma vez na vida. As causas são diversas, muitas delas ainda desconhecidas. No entanto, pesquisadores da Universidade de Sydney, na Austrália, descobriram recentemente que as enxaquecas podem ter uma relação com a má higiene bucal, assim como alguns tipos de dor abdominal e outras dores crônicas pelo corpo.
Os cientistas conseguiram demonstrar que bactérias específicas encontradas na cavidade oral estão associadas a certas condições que causam essas dores, sugerindo uma possível conexão entre o microbioma bucal e o sistema nervoso em mulheres com fibromialgia, uma síndrome clínica caracterizada por dores musculares generalizadas e crônicas. O resultado foi publicado no periódico científico Frontiers in Pain Research.
“Este é o primeiro estudo a investigar a saúde e a microbiota bucal e alguns tipos de dor comumente experimentados por mulheres com fibromialgia”, disse a médica Joanna Harnett, autora principal da pesquisa e professora associada da Faculdade de Medicina e Saúde do Centro Charles Perkins de Pesquisa em Saúde Bucal. Para os autores, a descoberta é significativa, já que a higiene bucal pode ser um fator modificável no manejo da dor.
Na opinião de Sharon Erdrich, doutoranda da Faculdade de Medicina e Saúde, que também participou da pesquisa, a associação entre a saúde oral e o sistema nervoso é particularmente importante para a compreensão da fibromialgia, que, apesar de ser uma condição reumatológica comum, é frequentemente subdiagnosticada”, afirma. “A fibromialgia é uma condição crônica caracterizada por dor musculoesquelética generalizada e dores de cabeça, incluindo cefaleias, além de fadiga, distúrbios do sono e problemas cognitivos”, detalha.
UM ANO DE ANÁLISE
Para chegar às conclusões sobre a conexão entre dores corporais e saúde oral, os cientistas investigaram 158 mulheres em Auckland, na Nova Zelândia, ao longo de um ano, entre dezembro de 2021 e dezembro de 2022. Além de responderem a questionários padronizados para avaliar os níveis de dor, elas forneceram amostras de saliva, que também foram analisadas periodicamente. De acordo com os resultados, 60% das participantes com pior saúde bucal relataram dores no corpo, de nível moderado a intenso. No total, 49% delas se queixaram de enxaquecas frequentes.
Quatro bactérias orais — Dialister, Fusobacterium, Parvimonas e Solobacterium — foram associadas de forma importante às queixas de dor, mesmo após ajuste por idade, IMC e consumo de açúcar das participantes. As bactérias do tipo Gardnerella foram as mais incidentes nas situações de piores índices de saúde bucal, enquanto microrganismos do gênero Lancefieldella e Mycoplasma salivarium estavam ligados aos quadros de enxaqueca.
A pesquisa também sugeriu que pessoas com melhor saúde bucal tinham mais bactérias consideradas “do bem” e relatavam menos dor, o que levou os cientistas a acreditarem que manter um equilíbrio saudável desses microrganismos pode ajudar na redução da dor.
Uma correlação notável entre a saúde oral e a qualidade da alimentação também foi observada no estudo, mas os cientistas afirmam que é preciso aprofundar as pesquisas para compreender melhor essa relação.
O corpo humano abriga trilhões de microrganismos — especialmente bactérias —, que fazem parte da chamada microbiota. Essas bactérias são capazes de produzir e transformar várias substâncias, algumas das quais têm relação com o surgimento ou o aumento da dor. Elas podem, por exemplo, estimular a produção de moléculas que têm relação com dores e inflamações. Além disso, essas bactérias podem influenciar diretamente o funcionamento do sistema nervoso, alterando, por exemplo, substâncias cerebrais importantes para o equilíbrio entre excitação e relaxamento dos neurônios — o que pode afetar a sensibilidade.
E AGORA?
Como o estudo foi o primeiro no mundo a apontar o impacto da saúde bucal nas dores crônicas, os pesquisadores envolvidos alertam para a necessidade de novos estudos clínicos, com o intuito de avaliar de que forma e em que proporção os cuidados com a higiene oral podem contribuir para controlar ou minimizar as dores crônicas, sobretudo a enxaqueca, a fibromialgia e as dores abdominais.
Enquanto isso, é importante orientar os pacientes a seguirem as recomendações básicas do Ministério da Saúde e da Associação Brasileira de Odontologia (ABO) para manter a saúde bucal em dia, como:
- Manter uma adequada higiene bucal.
- Ter uma alimentação saudável.
- Comparecer a consultas com um dentista pelo menos a cada seis meses, para limpeza e avaliação preventiva.
PARA SABER MAIS:
Yakar N, Unlu O, Cen L, Hasturk H, Chen T, Shi W, et al. Targeted elimination of Fusobacterium nucleatum alleviates periodontitis. J Oral Microbiol. 2024;16(1):2388900. doi:10.1080/20002297.2024 .2388900.