A credibilidade da Odontologia no Brasil e no mundo
Avanços tecnológicos, aumento da produção científica em benefício da saúde global e popularização de procedimentos estéticos estão entre as tendências analisadas pelo diretor da Faculdade de Odontologia da Unesp/Araraquara
A evolução da Odontologia pode ser observada em diversos segmentos da área, desde o aperfeiçoamento dos protocolos de proteção até a utilização de tecnologias digitais para a avaliação e o planejamento de casos. Essas e outras conquistas beneficiam não só a Odontologia, mas também outros setores da saúde de maneira global e integrada. E o Brasil tem um lugar de destaque nessa corrente de avanços, segundo o Prof. Dr. Edson Alves de Campos, diretor da Faculdade de Odontologia da Universidade Estadual de São Paulo, campus de Araraquara (FOAr-Unesp). “A Odontologia brasileira ocupa uma posição importante no cenário internacional como produtora de conhecimento científico. Isso traz uma série de ganhos relacionados a encontrar novos materiais, novas técnicas e evoluir na qualidade dos procedimentos e na segurança que se aplica nos atendimentos ao paciente”, explica o odontologista. Entre as principais evoluções, Campos destaca os procedimentos e protocolos de proteção, o advento dos sistemas adesivos, os implantes dentários e a Odontologia Digital. O grande desafio ainda é transportar e popularizar essas novidades para a prática dos consultórios em todo o Brasil. Confira a entrevista completa com o especialista.
Como o senhor vê o ensino da Odontologia no país nos dias de hoje?
De maneira geral, a Odontologia brasileira é reconhecida como uma das melhores no cenário mundial. Os profissionais brasileiros são prestigiados por suas ações e atividades, e prova disso é que muitos trabalham clinicamente e como docentes em vários países do mundo.
A princípio, vejo que a formação em Odontologia é de qualidade, principalmente nas instituições que tradicional e historicamente se preocupam com a qualidade do ensino. Temos uma atuação muito importante da ABENO (Associação Brasileira de Ensino Odontológico), que desempenha um papel importante de discussão sobre os rumos do ensino da Odontologia no Brasil.
No entanto, a formação dos nossos cirurgiões-dentistas é heterogênea, ao compararmos as instituições entre si. Por exemplo, há faculdades onde a formação ainda é fragmentada e as disciplinas são ministradas como se fossem especialidades. Nós temos outra visão, defendida por algumas instituições há algum tempo, que é a tentativa de fazer um ensino integrando todos os campos da Odontologia desde os primeiros anos de curso. A proposta é desfragmentar a transmissão de conhecimento e fazer com que o aluno veja a Odontologia de maneira multidisciplinar e interdisciplinar, juntando os conhecimentos ao longo do curso.
Nas últimas décadas, testemunhamos inúmeros avanços tecnológicos na Odontologia. Quais tiveram maior impacto no dia a dia do cirurgião-dentista, e por quê?
Um dos avanços mais relevantes é a evolução dos procedimentos e protocolos de proteção, que mudou sensivelmente o perfil dos pacientes. Nas décadas anteriores, o tratamento era muito voltado à restauração e a resoluções invasivas. Hoje, existem abordagens mais preventivas, e não raramente vemos pacientes de idade avançada com a manutenção dos elementos dentários na cavidade oral, que é o que se espera.
Uma evolução importante nesse aspecto foi o advento dos sistemas adesivos, que possibilitam a utilização de técnicas mais conservadoras. Falando sobre cárie, se antigamente precisávamos fazer cavidades com certa profundidade para reter o material restaurador, mesmo que a lesão fosse relativamente rasa, hoje em dia temos condições de restaurar cavidades rasas e expulsivas sem a necessidade de desgastar tecido dentário. Além disso, também é possível fazer procedimentos altamente estéticos, outra grande mudança que tivemos na Odontologia nas últimas décadas.
Mas uma revolução que considero um divisor de águas na área são os implantes dentários, que devolvem a função mastigatória e do sistema estomatognático em pacientes mutilados, que perderam alguns dentes ou todos.
Mais recentemente, de maneira um pouco mais silenciosa, porém rápida, é o advento da tecnologia digital. São recursos com tecnologia avançada que possibilitam desde a avaliação do paciente, o diagnóstico e o planejamento até a execução de procedimentos menos invasivos e com maior previsibilidade. É possível planejar e criar a expectativa de como um caso ficará na realidade, com o apoio de softwares, com alto nível de controle do processo. Isso já faz parte da nossa rotina e há algumas faculdades aplicando esses recursos de Odontologia digital de maneira intensa, incluindo a FOAr-Unesp.
Avançaram também as pesquisas científicas no setor. O que isso traz para a prática odontológica?
A Odontologia é uma das áreas que mais evoluiu nesse aspecto, sendo que os conhecimentos vão muito além do consultório. Eles são aplicados em antropologia forense, por exemplo, para o reconhecimento de indivíduos por meio de fragmentos dentários. Há ainda vários grupos no Brasil atuando de maneira intensa no reconhecimento de fatores predisponentes ao câncer, grupos que pesquisam a relação entre condições bucais e o estado fisiológico dos pacientes. Tudo isso repercute na qualidade de vida e na longevidade do paciente, e tem um impacto na saúde global, na prevenção e no controle de doenças sistêmicas.
Como você avalia a popularização de procedimentos estéticos realizados em consultórios odontológicos?
Em primeiro lugar, eu vejo essa atuação como legítima e natural, porque o cirurgião-dentista tem competência e está habilitado para isso. Na sua formação, ele recebe conhecimentos e capacitação para aplicar essas técnicas. Mas o que vejo como problema é que a busca excessiva pode ocasionar o oferecimento de serviços dessa natureza por profissionais que não estão habilitados para isso. Quando cresce a demanda por determinado tipo de serviço, em qualquer área de atuação, naturalmente surgem ofertas que nem sempre oferecem a qualidade adequada. Nesse sentido, o Conselho de Odontologia vem atuando na fiscalização e no acompanhamento do exercício da profissão para sanar essas discrepâncias.
Na sua opinião, quais são as principais características de um bom cirurgião-dentista?
São três. A primeira é ter profundo conhecimento científico sobre aquilo que está fazendo, saber por que aqueles procedimentos estão sendo realizados, as razões, as técnicas e as bases científicas do que está sendo executado. A segunda é ter um treinamento de habilidade das técnicas envolvidas, pois a grande maioria delas são delicadas, o que torna fundamental, desde a formação, treinar a habilidade motora para conseguir executá-las de maneira adequada e conservadora
A terceira, e talvez a mais importante, é ter o olhar mais sensível possível para o indivíduo que está sendo cuidado. Nunca esquecer que o paciente é um indivíduo complexo, com sensações, sentimentos, emoções, expectativas, dores, problemas, e oferecer a ele um atendimento humanizado. Este é o principal ponto: reconhecer que ali, sob seus cuidados, há um indivíduo que é mais complexo do que uma cavidade oral, do que um dente, e que precisa de cuidado integral.
Outro ponto em ascensão na profissão é o marketing. De que maneira a publicidade pode ajudar o cirurgião-dentista sem interferir na ética profissional?
É justamente conseguir fazer com que todo o conhecimento tecnológico, todo o avanço que estamos tendo nesse sentido, seja traduzido e transportado para a realidade da prática da Odontologia. Qualquer que seja o ramo de atuação do cirurgião-dentista — pesquisa, atendimento direto ao paciente, no consultório particular ou atendimento pelo SUS aqui no Brasil —, é importante que toda essa evolução se reflita no aumento da qualidade da atuação. E que a consequência natural da evolução e do aprimoramento das técnicas chegue aos consultórios e seja viável para ser aplicado pelos cirurgiões-dentistas.
Um dos principais impedimentos que temos hoje é que boa parte das tecnologias e dos materiais mais sofisticados ficam restritos a um número reduzido de profissionais que pode repassar os custos aos pacientes. No Brasil, parte da população ainda não tem, infelizmente, condições de contratar serviços mais sofisticados, que possibilitam tratamentos melhores e mais adequados. O grande desafio é tornar os procedimentos cada vez mais populares.
Quais os maiores desafios da Odontologia nos dias de hoje?
Sem dúvida, as ferramentas de marketing podem ajudar o cirurgião-dentista na divulgação de seu trabalho. Observamos algumas mudanças nos critérios do Conselho Federal de Odontologia (CFO), que regula o exercício da profissão, com relação à publicidade e à maneira como o profissional pode mostrar e oferecer seus serviços. Com todas as plataformas disponíveis hoje, e com a regulação já existente, essas ferramentas podem e devem ser utilizadas, sim. Sobre a questão de ferir a ética, basta apenas seguir as recomendações do CFO. É importante, por exemplo, ter o consentimento do paciente e não fazer propaganda enganosa, entre outros. Respeitando-se as normas, não vejo problema. Pelo contrário: só melhora e aumenta o nível de informação do paciente na hora de escolher o profissional.