A escolha certa de escovas e cremes dentais

Diante de tantas opções nas prateleiras, é complicado para consumidores e até para profissionais da área selecionar o que é mais adequado

Atualmente, há centenas de opções de escovas e cremes dentais no mercado. Nesse cenário, o papel do cirurgião-dentista é fundamental para indicar as mais apropriadas a cada paciente. A tarefa não é simples, visto que a grande quantidade de produtos torna difícil até mesmo para o profissional conhecer todos eles. Isso sem contar que não é possível confiar integralmente em todos os itens à venda. Exemplo disso é o resultado do estudo liderado pela mestre e doutora em saúde pública Sonia Regina Cardim de Cerqueira Pestana. A pesquisa revelou que mais de 80% das escovas de dente disponíveis no Brasil são inadequadas. Docente de Odontologia Preventiva e Saúde Coletiva na Universidade de São Caetano do Sul, a especialista conversou com a Conexão Odontoprev sobre a seleção mais acertada neste panorama tão amplo.

Qual é o principal atributo que deve ser levado em conta na hora de escolher o creme e a escova de dente ideais?

Na escolha da escova de dentes, os atributos a serem considerados devem ser cabo reto, podendo ser oitavado, sextavado ou achatado; cerdas alinhadas e com pontas arredondadas, com no mínimo três fileiras por seis linhas de tufos de cerdas; e cabeça retangular ou ovalada. Já em relação ao creme dental, ele deve ter fluoreto em sua composição, na concentração mínima de 1.000 ppm F-, para que haja o benefício da prevenção e do controle da cárie dentária e, também, para evitar efeitos indesejados como a fluorose dentária.

Toda escova e todo creme dental devem (ou deveriam) ser adquiridos conforme orientações de cirurgiões-dentistas?

Na maioria das vezes, sim. Os pacientes têm problemas diferentes e deveriam ser avaliados de acordo com o risco de cada um — cárie, uso de prótese, aparelhos ortodônticos e gengivite, por exemplo. Percebo na prática clínica e acadêmica que os pacientes têm dificuldades na escolha desses produtos, cabendo ao profissional aconselhar e indicar os melhores para cada caso.

Quais resultados negativos podem ocorrer com o uso de produtos que não atendam às necessidades do usuário?

Escovas adequadas ao uso devem apresentar cerdas de nylon com pontas arredondadas. Durante a utilização, essas escovas desempenham um papel vital em áreas como as superfícies vestibulares, palatinas, linguais, oclusais e fissuras dentárias, penetrando nos sulcos gengivais. A maciez e a flexibilidade das cerdas são importantíssimas para evitar microdesgastes no esmalte dentário e prevenir lesões no tecido gengival. Essas características devem ser combinadas com uma técnica de escovação adequada para cada faixa etária. Além disso, o tempo de escovação e a frequência na troca da escova são aspectos relevantes a serem considerados. Todos os cremes dentais contêm um componente abrasivo essencial para a remoção do biofilme dos dentes, mas é necessário estabelecer um limite para evitar desgaste nos órgãos dentais, especialmente na dentina radicular. A associação de uma escova de dentes dura, com cerdas não arredondadas, a um creme dental de alta abrasividade pode resultar em desgaste nos órgãos dentais e em microfissuras na gengiva.

Escovas e cremes dentais importados podem ser considerados melhores?

Na minha pesquisa, não foi identificada uma correlação significativa entre a qualidade do produto e o país de fabricação. Em uma perspectiva global, o Brasil se destaca como o maior consumidor de produtos cosméticos, incluindo os de higiene bucal, representando 8,4% do total. A maioria das escovas consumidas no país é de fabricação chinesa, seguida pela nacional e, em terceiro lugar, as fabricadas em outros países. O ponto crucial, porém, é que as empresas titulares de registro, fabricantes ou importadoras, têm a responsabilidade primordial de assegurar e preservar a qualidade, segurança e eficácia dos produtos até o consumidor final, com o intuito de evitar riscos e efeitos adversos à saúde. É imperativo que os órgãos reguladores do governo estejam atentos. Os órgãos de defesa do consumidor e as entidades da classe odontológica deveriam intensificar a vigilância e solicitar uma maior supervisão dos fabricantes de produtos de higiene bucal por parte dos órgãos governamentais. Essas questões valem também para os cremes dentais.

Qual é o principal mito em relação às escovas dentais? E em relação aos cremes dentais?

Um dos maiores equívocos que frequentemente observo é a crença de que as escovas de cerdas duras proporcionam uma limpeza mais eficaz dos dentes. Em relação aos cremes, muitas pessoas acreditam erroneamente que, quanto mais creme dental utilizarem e quanto mais espuma produzirem, melhor será a eficácia na higiene bucal. Mas não é verdade. A partir dos 3 anos de idade, basta a quantidade referente a um grão de ervilha sobre as cerdas da escova. Antes disso, a partir da erupção dos primeiros dentinhos até os 3 anos de idade, a quantidade deverá ser equivalente a um grão de arroz.

Um produto barato é menos eficaz que um mais caro?

Não. A correlação entre a prevalência de cárie, indicadores educacionais precários e situações de pobreza resulta em índices mais elevados de agravos à saúde bucal do que os relacionados a indivíduos com condições de vida mais favoráveis. Em certos contextos, o custo da escova de dente pode representar uma barreira para sua aquisição. É equivocado afirmar que a população negligencia a higiene bucal e não se importa com a presença de cárie. Em 2013, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, destacou que informações essenciais para a escolha de escovas ainda não são totalmente transparentes para o consumidor. Recomendou-se que as escolhas não se baseassem exclusivamente no preço, mas em critérios como faixa etária, necessidades específicas e a presença de cerdas macias. Em minha pesquisa, a variável preço não indicou correlação com a qualidade do produto. Acredito que o mesmo critério se aplique aos cremes dentais.

Sobre o estudo que você comandou, o que mais a surpreendeu em relação às escovas dentais?

A maioria das escovas disponíveis no Brasil, tanto importadas quanto fabricadas aqui, não atendeu aos padrões adequados. Entre as 345 escovas adquiridas nos comércios de 26 municípios do estado de São Paulo, 82,6% foram consideradas inadequadas para o uso, devido a problemas como pontas irregulares nas cerdas, ausência de arredondamento nas pontas, presença de farpas e número insuficiente de cerdas. Além desse número alto de escovas consideradas inadequadas, o que mais surpreende é o fato de as normas publicadas pela Anvisa não serem cumpridas integralmente pelos fabricantes. Critérios científicos devem ser levados em conta na fabricação das escovas para que o consumidor possa confiar na qualidade do produto. O fato de as escovas manuais serem classificadas como inadequadas para o uso indica fragilidade nos procedimentos regulatórios vigentes no país e implica riscos para a saúde da população.

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