OBE

AB são realmente necessários em cirurgias de implante?

Confira um guia prático para o cirurgião-dentista

Emerson Nakao
Rodolfo Francisco Haltenhoff Melani

Associar algum antibiótico à instalação de implantes dentários é uma prática comum, que tem o objetivo de prevenir infecções pós-operatórias — um dos motivos de falha dos implantes. Entretanto, o fato de ser comum não a torna uma prática segura e eficiente. Em tempos nos quais todo tipo de informação está ao alcance do toque em uma tela, desenvolver a habilidade de fazer as perguntas certas pode ser uma vantagem e, talvez, a única proteção contra a desinformação.

O assunto ainda gera debates sobre qual é a melhor conduta a ser adotada, embora seja possível identificar uma convergência na literatura para um consenso sobre a questão. Ainda não há evidências suficientes que suportem prováveis benefícios decorrentes do uso de antibiótico para todo paciente que será submetido a uma cirurgia de implantes. Ou, de maneira mais científica, até o momento nenhum ensaio clínico randomizado (RCT) controlado por placebo foi capaz de mostrar qualquer associação estatisticamente significativa entre a profilaxia antibiótica e a redução na taxa de falha precoce do implante.

No início da implantodontia, os protocolos de biossegurança para a realização de uma cirurgia de implante eram bem diferentes do que são hoje. Para se instalar um implante dentário, era preconizado o ambiente hospitalar, pois exigia-se técnica cirúrgica estéril — ou seja, um ambiente operacional estéril e uso profilático de antimicrobianos (antissépticos e antibióticos). Não havia estudos a respeito e optou-se por “pecar pelo excesso”. Pesquisas subsequentes mostraram que a cirurgia de instalação de implantes dentários pode ser realizada com sucesso por meio de técnica cirúrgica “limpa”, que não requer o uso de antissépticos e de um ambiente operacional estéril.1

Com a divulgação desses dados, naturalmente surgiram os questionamentos: mas e os antibióticos? Eles são realmente necessários? São seguros? Apresentam benefício comprovado? Podem, em algum grau, prejudicar a osseointegração? Por que a polêmica continua? Como a ciência atual pode contribuir?

A discussão sobre a necessidade de uso de antibióticos antes ou após uma cirurgia de implantes dentários persiste devido à falta de evidências conclusivas que possam recomendar o seu uso rotineiro. Na falta dessas evidências, é compreensível que muitos profissionais optem por “pecar pelo excesso”, em busca de segurança. Entretanto, um estudo2 ressalta a importância de levar em consideração alguns outros fatores:

Aumento da resistência bacteriana: considerado o principal risco associado ao uso sem critérios de antibióticos, o que compromete o tratamento de infecções não só odontológicas, mas também médicas. Muitas notícias alertam para o perigo do aumento da resistência bacteriana, e o uso desnecessário de antibióticos na Odontologia contribui para esse problema global.

Alterações na microbiota oral: a ação dos antibióticos tem um caráter mais abrangente, não sendo projetados para um grupo específico ou um tipo específico, assim, é esperado que efeitos indesejados se manifestem devido a uma disbiose (desequilíbrio do ecossistema bacteriano). A imunidade oral e os processos de cicatrização e de osseointegração dos implantes podem ser negativamente impactados.

Comprometimento da osseointegração: embora os antibióticos sejam frequentemente administrados com a intenção de prevenir complicações pós-cirúrgicas, seu uso pode interferir nos processos osteoimunes que suportam a osseointegração do implante dentário. Isso sugere que, paradoxalmente, o uso de antibióticos pode, potencialmente, prejudicar o próprio processo que se pretende proteger. Especificamente, as mudanças induzidas por antimicrobianos na microbiota oral (disbiose) podem desregular a imunidade das células T auxiliares, o que, por sua vez, afeta as ações dos osteoclastos e osteoblastos no osso alveolar.

Efeitos colaterais desnecessários: dado que estudos recentes não demonstraram diferença estatisticamente significativa entre o uso de antibióticos profiláticos e placebo em relação à falha precoce de implantes, o uso rotineiro de antibióticos expõe os pacientes a potenciais efeitos indesejados descritos em suas bulas sem um benefício claro. A disbiose ocorre em todos os ecossistemas bacterianos do corpo, e não somente na boca.

Impacto ecológico: a presença de resíduos de antibióticos no meio ambiente provenientes tanto da indústria farmacêutica quanto do descarte incorreto feito pelos consumidores pode contribuir para a seleção de bactérias resistentes em ecossistemas naturais, o que, eventualmente, pode afetar a saúde humana de forma indireta, em uma escala maior. Antibióticos que não serão utilizados devem ser levados a pontos de coleta existentes em farmácias, postos de saúde e supermercados. Descartá-los no vaso sanitário ou na pia contamina o sistema de água. Jogá-los no lixo comum pode levar ao seu uso indevido por terceiros ou à contaminação do solo.

Mascaramento de problemas: o uso sem critérios de antibióticos pode, em alguns casos, mascarar deficiências na técnica cirúrgica ou nos protocolos de esterilização. Isso pode provocar uma falsa sensação de segurança, perpetuar e até mesmo agravar essas deficiências, além de levar a um possível comprometimento dos implantes a longo prazo.

É importante registrar que, apesar desses riscos, a decisão de usar antibióticos deve ser baseada em uma avaliação cuidadosa de cada caso. Conhecer os riscos contribui para o uso racional do medicamento — e não para seu banimento. Pacientes com certas condições médicas ou fatores de risco específicos podem se beneficiar da profilaxia antibiótica. No entanto, para a maioria dos pacientes saudáveis, os riscos do uso rotineiro de antibióticos parecem superar os benefícios potenciais.3

Segundo os artigos consultados, os fatores de risco sistêmico relacionados ao paciente, que devem ser considerados na decisão de utilizar ou não antibióticos em cirurgias de implantes dentários, incluem imunodeficiências, osteoporose, câncer, diabetes não controlada, obesidade e tratamentos prévios com radioterapia e/ou quimioterapia.4 Condição oral e complexidade do procedimento entram como fatores locais a serem considerados. Basicamente, devem-se levar em consideração o estado de saúde do paciente e o risco de infecção.3

E quais são as novidades no controle de infecções que, ao mesmo tempo, conseguem prevenir infecções tardias e evitar o desequilíbrio microbiológico (disbiose) no meio bucal, ou seja, medidas que dispensam o uso de antibióticos?

Uma delas é o uso de parafusos de cicatrização de implantes dentários como sistemas temporários de liberação de medicamentos. Esses parafusos são revestidos com nanopartículas de óxido de zinco (ZnO) e prata (Ag), que possuem propriedades antibacterianas e antiaderentes. Esse revestimento se mostrou eficaz na inibição da formação de biofilme bacteriano, o que ajuda a prevenir infecções peri-implantares e a manter o equilíbrio microbiológico no meio bucal. O uso de revestimentos como nitreto de titânio (TiN) ou nitreto de zircônio (ZrN) em superfícies anodizadas de pilares dentários também mostrou ser eficaz na redução da colonização bacteriana.4

Além disso, a topografia da superfície de implantes na região de transição da mucosa pode contribuir para uma função antibacteriana. A nanotopografia da superfície pode criar condições que dificultem a adesão de bactérias, criando um ambiente desfavorável a elas. Por exemplo, topografias como nanoespículas demonstraram significativa atividade antibacteriana, representando um obstáculo letal para as bactérias ao provocar a ruptura da sua membrana celular. A nanotopografia pode criar, ainda, locais específicos para o carregamento de agentes antibacterianos e nanopartículas metálicas, funcionalizando a superfície do implante.5

Por fim, é importante notar que, embora as inovações em superfícies de implantes e sistemas de liberação de medicamentos sejam promissoras, ainda são necessários estudos clínicos de longo prazo para confirmar sua eficácia e segurança, especialmente em populações de pacientes com condições médicas complexas. Segundo concluíram os pesquisadores Mohsen Safaei e colaboradores,5 o futuro da implantodontia provavelmente envolverá uma abordagem mais personalizada e baseada em evidências para o manejo de infecções peri-implantares, reduzindo a dependência de antibióticos sistêmicos.

REFERÊNCIAS:

1. Scharf DR, Tarnow DP. Success rates of osseointegration for implants placed under sterile versus clean conditions. J Periodontol. 1993;64(10): 954-6. doi:10.1902/jop.1993.64.10.954. PMID: 8277403.

2. Ahmad W, Pishevar N, Cochrane LJ, Reynolds A, Kim J, Korostenskij I, et al. Antibiotic prophylaxis dysregulates dental implant placement surgery- -induced osteoimmune wound healing and attenuates the alveolar bone-implant interface in mice. J Clin Periodontol. 2023;50(12):1670-84. doi:10.1111/jcpe.13875. PMID: 37667415; PMCID: PMC10840745.

3. Momand P, Naimi-Akbar A, Hultin M, Lund B, Götrick B. Is routine antibiotic prophylaxis warranted in dental implant surgery to prevent early implant failure? A systematic review. BMC Oral Health. 2024 Jul 25; 24(1):842. doi:10.1186/s12903-024-04611-0. PMID: 39054434; PMCID: PMC11270919.

4. Pokrowiecki R, Szałaj U, Fudala D, Zaręba T, Wojnarowicz J, Łojkowski W, et al. Dental implant healing screws as temporary oral drug delivery systems for decrease of infections in the area of the head and neck. Int J Nanomedicine. 2022 Apr 12;17:1679-93. doi:10.2147/IJN.S333720. PMID: 35440868; PMCID: PMC9013419.

5. Safaei M, Mohammadi H, Beddu S, Mozaffari HR, Rezaei R, Sharifi R, et al. Surface topography steer soft tissue response and antibacterial function at the transmucosal region of titanium implant. Int J Nanomedicine. 2024 May 27;19:4835-56. doi:10.2147/IJN.S461549. PMID: 38828200; PMCID: PMC11141758.

Prof. Emerson Nakao

Mestre e Especialista em Prótese Dentária e professor da FFO-Fundecto, fundação conveniada à Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP)

Prof. Dr. Rodolfo Francisco Haltenhoff Melani

Professor titular do Departamento de Odontologia Social e responsável pela área de Odontologia Legal do Programa de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas, ambos na FOUSP

Scroll to Top