O trismo e suas causas

Descobrir a origem deste problema muito encontrado pelos
cirurgiões-dentistas é essencial para fazer o tratamento correto

Prof. Dr. Ivo Contin

A palavra trismo, que vem do grego trismos, é definida como um espasmo tetânico prolongado dos músculos da mandíbula que limita ou dificulta a abertura normal da boca. A designação foi originalmente usada apenas relacionada ao tétano, mas, como a incapacidade de abrir a boca pode ser observada em uma variedade de condições, o termo é usado atualmente para qualquer restrição de abertura mandibular, independentemente da etiologia.13 Simplificando a definição, trismo indica uma abertura de boca severamente restrita, seja qual for a etiologia, ou seja, uma abertura de boca de 35 mm ou menos deve ser considerada trismo.9 Em Medicina, tanto o tétano5 como as sequelas dos tratamentos de tumores na região da face são as causas mais importantes do trismo; este, entretanto, é geralmente um sinal secundário de um quadro clínico rico.2 O trismo é um problema comumente encontrado pelo dentista. Ele tem uma série de causas potenciais, e seu tratamento dependerá exatamente da causa.3

No âmbito odontológico, dividimos o trismo em:

1- Causas extra-articulares
2- Causas intra-articulares

1- Causas extra-articulares

1.1- Trauma durante cirurgias
Trauma durante cirurgias envolvendo divulsão de tecidos na região que envolvam músculos mastigatórios que possam causar lesão no tecido muscular e suas fáscias e o paciente apresentar dificuldade de abertura por alguns dias pelo trauma. Segundo Wagner Costa Rossi Júnior e colaboradores, 2011,14 ao submeterem-se pacientes a exame de eletromiografia após cirurgia de siso incluso na mandíbula, observou-se que todos eles apresentaram trismo em diferentes graus. Isto pode ser explicado exatamente pelo espasmo muscular em decorrência do hematoma ou da inflamação dos tecidos moles no pós-operatório, ou ainda por um espasmo muscular reflexo por meio de um processo inflamatório. A própria dor local ocasionada pelo trauma impede o paciente de acionar a musculatura responsável pela abertura da boca. O tratamento nesses casos é medicamentoso, à base de analgésicos e anti-inflamatórios, e, caso haja risco de infecção, o uso de antibiótico é recomendado.

É fundamental acompanhar a evolução positiva do caso e tomar outras medidas caso isso não ocorra, pensando em outras possibilidades que possam explicar o trismo ou dificuldade de abertura após, no máximo, uma semana. Nesta categoria, podemos acrescentar as fraturas dos ossos da face, que podem provocar dificuldades motoras e necessitam de exames adicionais como radiografias e tomografias e do tratamento adequado.


1.2- Trauma químico/mecânico
O trismo pode ser ocasionado por injeção de anestésico diretamente no músculo ou por ferimento por uma agulha com a ponta danificada, qua causam irritação nas fibras musculares e comprometem a função e a própria dor pode impedir o paciente de executar o trabalho muscular. Esse tipo de trauma se resolve com o tempo, uma vez que o anestésico é rapidamente absorvido e a fibra se recupera, exigindo apenas tratamento sintomático e observação. Evitamos essa situação usando anestésico de boa procedência, agulhas em perfeito estado e a técnica correta.

O trismo indica uma abertura de boca severamente restrita, seja qual for a etiologia.
Uma abertura de boca de 35 mm ou menos deve ser considerada trismo

1.3- Parotidite infecciosa, por obstrução e induzida por iodoterapia
A parotidite pode ser causa de trismo, pois, devido ao aumento da glândula parótida e à dor, o paciente tem dificuldade de abrir a boca. A causa da parotidite deve ser averiguada, sendo mais comum a parotidite viral (cachumba). Outra possibilidade que pode ocorrer é a sialolitíase, a obstrução do ducto secretor da glândula por um cálculo ou mesmo por um trauma na saída do ducto de Stenon. Uma vez resolvido o problema do aumento e da dor glandular com tratamento adequado, a abertura se normaliza. Outra causa de inflamação das parótidas está associada ao tratamento de iodoterapia dos tumores de tireoide, pelo fato de as parótidas absorverem o iodo radioativo e este danificar a glândula. É recomendado aos pacientes que, durante a iodoterapia, consumam alimentos azedos para estimular as glândulas salivares a secretarem saliva, eliminando de seus ácinos e ductos o iodo radioativo e diminuindo a chance de uma sialoadenite.7-10

1.4 Sequela pós irradiação no tratamento de tumores malignos na região da face
O trismo é frequentemente visto em pacientes que sofrem de tumores malignos de cabeça e pescoço. A prevalência relatada de trismo nesses pacientes varia consideravelmente na literatura e vai de 0% a 100%, dependendo da localização e da extensão do tumor. O trismo pode piorar ou permanecer o mesmo com o tempo, ou os sintomas podem diminuir, mesmo na ausência de tratamento. Quando um paciente apresenta trismo após o tratamento do tumor, é importante determinar se o trismo é resultado do tratamento ou é o primeiro sinal de recorrência do tumor. A abertura da boca restrita pode impedir a inspeção da cavidade oral conforme necessário para atendimento odontológico e, particularmente, para acompanhamento oncológico.9-11

1.5- Hiperplasia do processo coronoide
A hiperplasia do coronoide é uma das raras causas de limitação progressiva da abertura bucal devido ao impacto do processo coronoide dilatado da mandíbula no osso zigomático.5 Essa condição comumente envolve o processo coronoide bilateral da mandíbula. Embora a etiopatogenia da hiperplasia coronoide ainda não seja conclusiva, o tratamento com coronoidectomia produziu boa melhora na abertura da boca. A investigação diagnóstica em pacientes com trismo deve ser minuciosa para diagnosticar corretamente entidades raras, como hiperplasia do coronoide. Se tratada corretamente, essa condição tem um bom resultado, desde que a adesão do paciente seja adequada.15

2- Causas Intra-articulares

2.1- Deslocamento anterior do disco articular
A desordem temporomandibular interna é uma disfunção comum do sistema estomatognático.8 De acordo com a classificação de Critérios de Diagnóstico em Pesquisa para DTM (desordem temporomandibular), existem três principais tipos de desordem de ATMs internas:

2.1.1- Deslocamento de disco com redução;
2.1.2- Deslocamento de disco sem redução com
limitação de abertura da boca (closed lock),
que pode ser agudo ou crônico;
2.1.3- Deslocamento de disco sem redução
sem limitação de abertura da boca.

A prevalência de deslocamento de disco é de cerca de 41% em pacientes com DTM. A maioria é de deslocamento de disco com redução caracterizado por clique na articulação temporomandibular. Em cerca de 5% dos casos, observa-se o deslocamento agudo de disco sem redução com abertura limitada da boca (acute closed lock). Os principais sintomas do deslocamento agudo são dor na articulação afetada e diminuição da gama de abertura da boca (≤ 35 mm). A etiologia do deslocamento de disco não é clara, mas há algumas razões possíveis que causam mudanças na estrutura das ATMs, como parafunções (por exemplo, bruxismo), fatores anatômicos, trauma ou hipermobilidade geral das articulações. O curso natural do deslocamento de disco sem redução é autolimitante; a maior parte deles pode se resolver sem maiores procedimentos.

Os exames de ressonância magnética revelam que o disco fica permanentemente deslocado e deformado em pacientes de deslocamento agudo não tratados, criando uma situação crônica. Embora o deslocamento anterior do disco sem redução seja autolimitante, condição benigna, também é sabido que o desarranjo interno nas ATMs pode levar à osteoartrose.4 Assim, se não houver significante melhora após 12 semanas de resolução natural do deslocamento de disco sem redução, o tratamento deve ser implementado. A terapia inicialmente aplicada deve ser minimamente invasiva. Os métodos cirúrgicos de tratamento devem ser considerados após seis meses de tratamento conservador malsucedido.

Observação que vem da experiência clínica, embora não conste na literatura consultada, é o deslocamento agudo de disco que ocorre durante o tratamento dentário, seja ele endodôntico, seja de remoção de siso ou outro procedimento, em que o paciente fica com a boca aberta por muito tempo. Esse deslocamento agudo de disco se manifesta na sequência do tratamento e, às vezes, é confundido com um trismo traumático, deixando o paciente com dificuldade de abertura sem o devido tratamento. É importante que o profissional faça um exame minucioso do estado articular previamente a um tratamento dentário, pois pode prevenir esse tipo de intercorrência.

2.2 Anquilose das ATMs
A anquilose da articulação temporomandibular é definida como uma constrição permanente dos maxilares com abertura bucal menor que 30 mm medida entre os incisivos, ocorrendo por fusão óssea, fibrosa ou fibro-óssea.1 Dela podem decorrer complicações na fala ou na mastigação, dificuldade de deglutição, higiene bucal deficiente, entre outras. O manejo da anquilose quando já estabelecida é cirúrgico, com ressecção do bloco de anquilose em combinação com coronoidectomia bilateral. A ressecção do bloco pode ser compensada pela interposição de retalho de fáscia temporal, por enxerto costocondral ou prótese de ATM. A reabilitação pós-operatória é essencial e deve ser iniciada precocemente, ser intensa e prolongada. A reabilitação deficiente é a principal causa de recorrência da anquilose. Com o advento da prototipagem e de sistemas CAD-CAM, próteses customizadas envolvendo o conjunto cavidade articular e côndilo têm sido muito utilizadas.16 


2.3 Tumores da ATM
Tumores benignos e malignos podem afetar a articulação temporomandibular (ATM) como qualquer outra articulação.12 Os tumores da ATM, no entanto, são raros e, em sua maioria, benignos. Sua expressão clínica é variada, incluindo sintomatologia semelhante a distúrbios disfuncionais da ATM, patologias otológicas ou neurológicas. Em alguns casos, eles permanecem totalmente assintomáticos. Portanto, o diagnóstico é difícil, pois a sintomatologia pode ser enganosa com distúrbios disfuncionais da ATM ou distúrbios otológicos diagnosticados erroneamente. Há, portanto, frequentemente um longo atraso entre o início dos sintomas e o diagnóstico. A grande variedade de lesões da ATM explica a ampla gama de modalidades de tratamento possíveis, principalmente baseadas em cirurgia. Os tumores malignos de ATM são extremamente raros,17 entretanto, podem aparecer, ocasionando dificuldades no movimento mandibular, e o tratamento radioterápico pode causar o trismo permanente, exigindo tratamento cirúrgico.

Conclusão

A etiologia do trismo é variada e o diagnóstico da sua causa é muito importante, pois é fundamental que as ATMs passem a funcionar o mais rápido possível, principalmente após algum trauma, pois o movimento articular cria condições de drenagem de substâncias álgicas, diminuindo a dor, e de derrames sanguíneos que podem complicar o caso, levando à anquilose fibrosa ou óssea. Assim, movimentos dentro do limite de dor do paciente devem ser estimulados, alongando os músculos e movimentando os côndilos dentro das ATMs. Esses procedimentos evidentemente têm que estar alinhados com ausência de fraturas, crescimentos teciduais neoplásicos e processos inflamatórios ativos.

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