Anestesia pterigomandibular

Os detalhes da técnica, os cuidados a serem tomados na aplicação e as principais causas de falhas

Natacha Kalline de Oliveira
Mestre e Doutora em Ciências Odontológicas pela FOUSP, com área de concentração em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial

 

O controle da dor é um aspecto extremamente importante que permitiu um grande avanço da Odontologia. Portanto, o bom conhecimento e a habilidade nas técnicas anestésicas são essenciais para a rotina diária do cirurgião-dentista. Conhecemos como anestesia pterigomandibular a técnica que envolve injeção de anestésico na região entre o músculo pterigoideo medial e a superfície medial do ramo da mandíbula, com o propósito de bloqueio dos nervos alveolar inferior, lingual e bucal. Trata-se de uma das técnicas mais utilizadas pelos profissionais, porém, a que causa mais dúvidas, principalmente relacionadas ao bloqueio do nervo alveolar inferior, que apresenta menor índice de sucesso quando comparada as outras anestesias (31% a 81%). Neste artigo relembrarei informações que poderão ajudá-lo a realizar essa anestesia com mais segurança e com maior possibilidade de sucesso.

Tamanho da agulha

As agulhas para anestesias odontológicas são comumente comercializadas nos tamanhos 27G longa (30 mm) e 30G curta (20 mm). A escolha do tamanho deve levar em consideração a técnica anestésica em questão e as características anatômicas da região. É claro que isso variará de acordo com cada paciente, mas devem-se considerar características apresentadas pela média da população, o que com certeza incluirá a maioria dos pacientes. Na anestesia do nervo alveolar inferior, o objetivo é chegar com a agulha próximo ao forame mandibular, ou seja, a entrada do canal mandibular. Essa região fica na face interna do ramo da mandíbula, alguns milímetros acima do plano oclusal mandibular – é importante ter essa imagem em mente para realizar essa técnica (figura 1). A distância média entre a porção anterior do ramo da mandíbula até o forame mandibular é de 18 mm (figura 1). É importante considerar também a distância entre o local da punctura da agulha até o forame mandibular, então, além desses supostos 18 mm, existe ainda a distância referente apenas ao tecido mole. Portanto, se a agulha curta mede 20 mm, há uma grande probabilidade de ela não alcançar o forame mandibular. Dessa forma, a anestesia não será eficiente – lembrando que agulhas curtas oferecem maior risco de fraturas, então, forçar a agulha sobre o tecido mole não é recomendado. Uma dica é sempre manter uma porção da agulha para fora do tecido mole, o que pode garantir a remoção dela caso haja fratura.

Figura 1 – Pontos anatômicos relevantes para a anestesia do nervo alveolar inferior. 1. forame mandibular; 2. borda distal do ramo; 3. incisura coronoide; 4. processo coronoide; 5. incisura sigmoide; 6. colo do côndilo; 7. cabeça do côndilo.1

Técnica tradicional

Para a anestesia no nervo alveolar inferior, o paciente deve ser posicionado em decúbito dorsal e com a máxima abertura de boca; e o corpo da seringa Carpule deve estar sobre os pré-molares do lado contralateral. O local de punctura está na mucosa do lado medial do ramo da mandíbula. Alguns pontos de referência ajudarão: a incisura coronoide, a rafe pterigomandibular e o plano oclusal mandibular (figuras 1 e 2). A agulha deve atingir uma altura que, na maioria dos pacientes, está em torno de 10 mm. Para isso, utilize o dedo indicador apoiado na incisura coronoide, paralelo ao plano oclusal, e vá até a parte mais profunda da rafe pterigomandibular; essa linha imaginária que se forma de um ponto a outro determina a altura da injeção, e a profundidade da penetração está a três quartos da distância da borda anterior do ramo da mandíbula. Entre com a agulha até tocar o osso ligeiramente acima do forame mandibular, depois volte cerca de 1 mm e, então, comece a liberar a solução anestésica. A probabilidade de atingir um vaso sanguíneo nessa região é considerável, portanto, a aspiração deve ser realizada antes da injeção da solução anestésica. Caso a aspiração seja negativa, iniciar a injeção do anestésico lentamente (por 60 segundos aproximadamente). A quantidade de 1,5 ml deverá ser suficiente.

Figura 2 – A. a borda posterior do ramo mandibular pode ser aproximada intraoralmente pela utilização da rafe pterigomandibular; B. bloqueio do nervo alveolar inferior. A profundidade aproximada da penetração é dois terços a três quartos do comprimento de uma agulha longa.1

Depois, é recomendado retirar lentamente a seringa até aproximadamente a metade do seu comprimento, aspirar novamente e, caso negativo, injetar o anestésico, cerca de 0,2 ml para a anestesia do nervo lingual. O nervo lingual encontra-se a uma distância aproximada de 8 mm do forame mandibular, portanto ele também é, na grande maioria das vezes, anestesiado durante a técnica para anestesia do nervo alveolar inferior.


Quando o procedimento envolve manipulação do tecido mole na face vestibular dos molares inferiores, a anestesia do nervo bucal será necessária. Ela apresenta índice de sucesso próximo a 100%, pois o ramo nervoso está imediatamente abaixo da mucosa, na borda anterior do ramo da mandíbula (figura 3) – diferentemente, por exemplo, do nervo alveolar inferior, que se encontra no canal mandibular, sob densidade óssea. Na técnica para atingir o nervo bucal, o paciente também deve estar em decúbito dorsal. Com o indicador, puxe os tecidos bucais para melhor visualização da região. Em seguida, insira a agulha com o bisel voltado para baixo – a agulha deve estar paralela ao plano oclusal, na distal da região do último molar, porém na face vestibular dos dentes (figura 3). A agulha deve ser inserida até contato com o muco periósteo (2 a 4 mm); se a aspiração for negativa, iniciar a injeção do anestésico lentamente. A quantidade de 0,3 ml de anestésico será suficiente.

Figura 3 – Alinhamento da seringa. A. paralelamente e vestibular ao plano oclusal. B. distal e vestibular ao último molar.1

Tipo de anestésico

A escolha do sal anestésico não influencia diretamente o funcionamento da anestesia. Na verdade, ele deve ser escolhido de acordo com o tipo e o tempo do procedimento cirúrgico ou com as condições sistêmicas do paciente. O primeiro anestésico local a ser comercializado em larga escala foi a lidocaína, por isso ela é considerada o sal-padrão. A partir dela, os outros sais são classificados como mais ou menos potentes, com maior ou menor duração e maior ou menor tempo de início de ação (tabela 1). Então, em uma cirurgia mais invasiva recomenda-se a utilização de um anestésico de maior potência, devido à complexidade do procedimento. Isso não significa que usar um anestésico de menor potência não vai promover anestesia, apenas que a anestesia será menos potente.


INÍCIO

DE AÇÃO

DURAÇÃO sem

vasoconstritor

DURAÇÃO

Com vasoconstritor

POTÊNCIA

LIDOCAÍNA

2-3 min

Pulpar: 5-10 min

Sem desmineralização

do esmalte

Sem intervenção

MEPIVACAÍNA

1,5-2 min

Pulpar: 20-40 min

Desmineralização limitada à metade externa da espessura do esmalte

Intervenção operatória

(de acordo com o comprometimento estrutural)

PRILOCAÍNA

2-4 min

Não há

Pulpar: 1 h

Similar ao padrão

ARTICAÍNA (molécula híbrida – éster/amida)


1-2 min


Não há


Pulpar: 2 h

Um pouco superior

ao padrão

BUPIVACAÍNA

6-10 min

Pulpar: 20 min

Pulpar: 5 h  Tecidos: 11 h

4x maior que o padrão

Tempo de injeção

O tempo de injeção também não influencia na eficiência da anestesia, porém é recomendado que um tubete seja injetado na velocidade média de 1 ml por minuto. Assim, o paciente terá menor desconforto e o cirurgião-dentista terá um maior controle caso o paciente apresente alguma reação durante a anestesia. Outros cuidados devem ser tomados, como não depositar o anestésico em local onde não tiver tido contato ósseo, pois a ponta da agulha pode estar inserida no interior da glândula parótida ou ainda próximo ao nervo facial, podendo causar uma paralisia transitória. Deve-se evitar fazer muita força quando há contato da agulha com o osso, para que se evite dor.

Principais causas de falha

  • O depósito do anestésico abaixo do forame mandibular. Para corrigi-lo, é necessário uma nova injeção em um ponto mais superior ao forame.
  • A injeção superficial e lateralmente ao ramo da mandíbula. Nesse caso, a agulha deve ser reposicionada medial e mais posteriormente.
  • Presença de inervação acessória dos dentes mandibulares.
    Isso gerará áreas isoladas de anestesia pulpar. Como primeira opção, recomenda-se direcionar a ponta da agulha por lingual na região apical do dente posterior ao dente que necessita de anestesia, penetrando até obter contato ósseo. Também existe a opção de anestesia do ligamento periodontal, que apresenta alto índice de sucesso.

Conclusão

É importante que o profissional esteja familiarizado com as estruturas anatômicas da região a ser anestesiada e com a técnica escolhida para proporcionar maior conforto e melhor tratamento aos seus pacientes.

REFERÊNCIAS

1. Malamed SF. Manual de anestesia local. 6ª ed. Rio de Janeiro: GEN Guanabara Koogan; 2013.
2. Malamed SF, Reed K, Poorsattar S. Needle breakage: incidence and prevention. Dent Clin North Am. 2010 Oct;54(4):745-56. doi: 10.1016/j.cden.2010.06.013. PMID: 20831936.
3. Ogle OE, Mahjoubi G. Advances in local anesthesia in dentistry. Dent Clin North Am. 2011 Jul;55(3):481-99, viii. doi: 10.1016/j.cden.2011.02.007. PMID: 21726685.
4. Kary AL, Gomez J, Raffaelli SD, Levine MH. Preclinical local anesthesia education in dental schools: a systematic review. J Dent Educ. 2018 Oct;82(10):1059-64. doi: 10.21815/JDE.018.106. PMID: 30275140.
5. Renton T. Optimal local anaesthesia for dentistry. Prim Dent J. 2019;7(4):51-61. PMID: 30835668.

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