Biópsias de lesões da boca 

Saiba quando são indicadas ou não, os seus tipos e como devem ser feitos o armazenamento de tecido e o envio ao laboratório

                                                                                                                                                                                    Osias Vieira de Oliveira Filho
Fabio Abreu Alves

                                                                                                                                                                                                                                            O diagnóstico preciso é um componente essencial para o correto manejo das lesões que acometem a cavidade oral. Uma apurada anamnese e os exames clínicos e complementares são fundamentais na etapa do diagnóstico. Muitas doenças que ocorrem na mucosa oral, nos ossos e em outros tecidos requerem mais informações para um diagnóstico final e a biópsia continua sendo a forma mais segura e acessível para determinar a natureza, extensão e severidade das lesões em boca.

O sistema estomatognático é composto de uma grande variedade de tecidos com funções fisiológicas específicas, intimamente relacionados, e constantemente expostos a microrganismos e irritantes, sejam eles químicos ou físicos. Estando estes suscetíveis ao desenvolvimento de condições reativas, inflamatórias, infecciosas, imunorrelacionadas ou neoplásicas.1

Se excluídas cárie, doença periodontal e lesões periapicais inflamatórias, as lesões hiperplásicas reativas são as mais comumente encontradas na cavidade oral (Figura 1).2 Destas, a hiperplasia fibrosa inflamatória é a de maior incidência, acometendo em sua maioria mulheres, em região de gengiva, representando cerca de 72% das lesões hiperplásicas reativas avaliadas em um estudo retrospectivo com follow-up de 10 anos realizado em Santa Catarina.3 Quando pesquisadas somente amostras oriundas de pacientes pediátricos, a mucocele é a lesão mais comumente encontrada.4

Outro grupo de doenças que podem acometer a cavidade oral são as lesões infecciosas, e estas podem ser divididas quanto ao tipo de patógeno, sejam bactérias, como a sífilis, que, apesar de ter etiologia e tratamento conhecidos, ainda representa um desafio para o sistema de saúde público brasileiro, assumindo um caráter epidêmico e tendo o cirurgião-dentista um importante papel no seu diagnóstico precoce;5 sejam vírus, como o HSV-1 para a herpes simples ou o papilomavírus humano (HPV) para o papiloma escamoso, condiloma acuminado e outras lesões conhecidas; sejam fungos, como a comumente encontrada candidíase  pseudomembranosa ou infecções fúngicas profundas, mais comuns em regiões rurais devido ao contato dos moradores com solos contaminados, sendo a paracoccidioidomicose endêmica na América Latina.6,7

Uma maior atenção deve ser dada, entretanto, às lesões potencialmente malignas, uma vez que o câncer representa uma doença de grande preocupação devido à sua elevada mortalidade. A incidência do câncer de boca no Brasil é considerada uma das mais altas do mundo,8 sendo esperados 11.180 novos casos em homens e 4.010 em mulheres no Brasil, para o triênio 2020-2022.9

O diagnóstico precoce dessa doença é fundamental. Ela muitas vezes tem diagnóstico tardio, o que leva a um prognóstico pobre, com tratamento mutilante, gerando sequelas estéticas e funcionais, com grande impacto sobre a qualidade de vida e saúde psicológica dos pacientes acometidos.10

“Em alguns casos, para um diagnóstico final,
a biópsia é a forma mais segura e acessível  para determinar a natureza, extensão e severidade das lesões na boca”

Indicações

É de suma importância o conhecimento sobre quando é necessário realizar o procedimento de biópsia. A determinação prévia do fator etiológico das lesões pode ser de grande ajuda na tomada de decisão. Por exemplo, lesões de origem traumática óbvia que regridam com a remoção do fator causal dispensam intervenções cirúrgicas, como as úlceras traumáticas em contato com pontas afiadas de cúspides.

Assim como patologias de diagnóstico clínico simples, como a candidíase pseudomembranosa ou a herpes simples, que, respectivamente, respondem, em sua maioria, rapidamente a manobras terapêuticas ou são de autorresolução no período de uma a duas semanas. De forma semelhante, algumas lesões podem ser identificadas somente com o auxílio de exames radiográficos, como escleroses idiopáticas, osteítes condensantes ou displasia cemento-ósseas (Figura 2).11

Uma maior atenção deve ser dada às lesões brancas e/ou avermelhadas. Isso se dá devido ao potencial de malignização das leucoplasias, eritroplasias e eritroleucoplasias (Figura 3), sendo a biópsia imprescindível nesses casos, principalmente por tratar-se de diagnósticos de exclusão.12;13 O exame anatomopatológico pode revelar a natureza delas, que variam de simples hiperqueratoses benignas até carcinomas, passando por um grande espectro de variados graus de displasia. Nesses casos, não importa o quão confiante o clínico esteja de seu diagnóstico, a necessidade de biópsia é imperativa.

De maneira geral, toda lesão em tecidos moles que persista por mais de duas semanas, mesmo retirados fatores irritantes, se existentes, deve ser biopsiada. O mesmo é válido para qualquer lesão intraóssea que não possa ser diagnosticada somente por exames radiográficos.1;11

Tipos de biópsia

Incisional
As biópsias incisionais são recomendadas em casos de lesões extensas, em geral maiores que 2 cm, ou em casos de suspeita de malignidade. Se a lesão apresenta diferentes aspectos em sua extensão, múltiplas áreas podem ser coletadas para que a amostra seja representativa.1;11 Uma extensa lesão que apresente potencial de malignização, uma eritroplasia, por exemplo, pode ter áreas de displasia moderada adjacente a uma região de carcinoma de células escamosas. Também não é rara a realização de múltiplas biópsias em lesões extensas, na tentativa de encontrar uma possível área maligna.

Excisional
Estas estão reservadas a lesões de menor tamanho ou para cujo tratamento definitivo seja necessária a remoção de todo o tecido,1;11 como as mucoceles, por exemplo. Não são recomendadas em lesões em que a hipótese clínica englobe possibilidade de malignidade.

Punção aspirativa
Este tipo de manobra semiotécnica tem sua maior aplicabilidade, na Odontologia, no estabelecimento do diagnóstico de lesões císticas. Onde o conteúdo cístico pode auxiliar no diagnóstico de diversas lesões, seja ele caseoso, âmbar ou sanguinolento, ou até mesmo a ausência de líquidos, que indicaria uma lesão sólida, como um tumor.

Citologia
A citologia espoliativa consiste em uma técnica simples e de grande utilidade na prática clínica. Casos de candidíase podem ser rapidamente confirmados por meio dessa técnica, assim como lesões herpéticas se coletadas no momento correto. Se realizada a raspagem nos primeiros dias do surgimento das lesões de herpes, geralmente é possível visualizar alterações citopáticas virais nas células coletadas.

Considerações cirúrgicas

A coleta de uma amostra de tecido adequada deve ser a prioridade do clínico durante o procedimento. Esta deve ser suficientemente grande para uma correta inclusão do material para a microscopia, sem causar uma morbidade significativa ao paciente, e também representativa da lesão, podendo ser coletadas várias áreas de lesões com diferentes aspectos em sua extensão. Geralmente, quanto maior a amostra, mais facilmente se chegará a um diagnóstico preciso.14;15

Para a grande maioria das biópsias intraorais, a utilização de anestesia local infiltrativa é suficiente e mais recomendada, sempre visando aplicar o anestésico na periferia da lesão, e não diretamente sobre ela.1 A velocidade com que o anestésico é injetado também merece atenção, uma vez que anestesias rápidas, além de causarem dor ao paciente, podem provocar a separação do tecido conjuntivo do epitélio, comprometendo a análise histológica.16

A utilização de material adequado para a aquisição da amostra de tecidos também pode influenciar na qualidade do material coletado. Com o objetivo de oferecer uma amostra com mínimas distorções, bisturi ou punch são preferíveis.11 Há também uma ressalva para a não utilização de pinças dentadas, pois estas podem perfurar a peça, causando um esmagamento do epitélio contra o tecido conjuntivo, o que pode levar à formação de pseudocistos.16

Figura 1
Lesões hiperplásicas reativas
A = Paciente do sexo feminino, 39 anos, apresentando nódulo normocrômico em borda de língua com tempo de evolução desconhecido. Indicação de biópsia excisional. B = Paciente do sexo masculino, 46 anos, apresentando nódulo normocrômico de consistência firme e fibrosa de aproximadamente 2 cm em seu maior diâmetro. Indicação de biópsia excisional.

Figura 2
Lesões que dispensam biópsia
A = Paciente do sexo feminino, 34 anos, apresentando duas ulcerações recobertas por membrana fibrinopurulenta, branco-amareladas, circundadas por halo eritematoso em borda de língua. A paciente afirmou apresentar lesões semelhantes de forma recorrente, conseguindo associar o surgimento destas com episódios de estresse. Diagnóstico de ulceração aftosa recorrente. Dispensa biópsia.
B = Paciente do sexo feminino, 59 anos, negra, sem queixas nem sintomas associados. Em exame radiográfico para fins protéticos foi observada lesão mista, ora radiolúcida, ora radiopaca, em mandíbula posterior bilateralmente, característica de displasia cemento-óssea florida. Dispensa biópsia.

Figura 3
Lesões que precisam de biópsias
A = Paciente do sexo masculino, 48 anos, fumante e etilista, apresentando lesão leucoplásica em borda de língua de diferentes aspectos em sua extensão. Indicação de múltiplas biópsias incisionais.
B = Paciente do sexo masculino, 59 anos, fumante e etilista, apresentando lesão exofítica em borda de língua com presença de ulceração, firme a palpação e com tempo de evolução de 3 meses. Indicação de biópsia incisional urgente devido a características que sugerem malignidade.

Armazenamento do tecido e envio ao laboratório

É necessária mais do que uma técnica cirúrgica adequada para facilitar o diagnóstico preciso de uma amostra de biópsia oral. O preparo do tecido para análise microscópica depende do correto acondicionamento das amostras pelo cirurgião-dentista.

As amostras, logo que removidas, devem ser alocadas em uma solução fixadora o mais rápido possível, uma vez que o processo de autólise e contaminação bacteriana se inicia logo após o tecido ser removido do corpo.17 A solução mais comumente utilizada é o formol tamponado neutro 10%, sendo recomendada uma quantidade de 10 a 20 vezes do volume da peça a ser fixada.11;16
É importante lembrar que todos os recipientes de biopsia devem ser corretamente identificados, contendo nome do paciente, sítio da biópsia e data da realização dela.1;11;14 Além disso, uma descrição minuciosa da lesão, acompanhada da história clínica, pode ser de grande valia para o patologista.16

Conclusão

O conhecimento e a experiência clínica são de suma importância e soberanos para o diagnóstico de lesões na boca. Entretanto, para entidades de etiologia incerta, a biópsia fornece o meio mais simples e rápido de obter um diagnóstico preciso, e tomar alguns cuidados durante esse procedimento pode ser de grande ajuda para o paciente, o patologista e o cirurgião-dentista.

REFERÊNCIAS

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2. Esmeili T, Lozada-Nur F, Epstein J. Common benign oral soft tissue masses. Dent Clin North Am. 2005;49(1):223-40. doi: 10.1016/j.cden.2004.07.001.

3. Dutra KL, Longo L, Grando LJ, Rivero ERC. Incidence of reactive hyperplastic lesions in the oral cavity: a 10 year retrospective study in Santa Catarina, Brazil. Braz J Otorhinolaryngol. 2019;85(4):399-407. doi: 10.1016/j.bjorl.2018.03.006.

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16. Jain N. Essentials before sending biopsy specimens: a surgeon’s prespective and pathologists concern. J Maxillofac Oral Surg. 2011;10(4):361-4. Epub 2011 May 6. doi: 10.1007/s12663-011-0234-9.

17. Culling CFA, Allison RT, Barr WT. Cellular Pathology Technique [e-book]. 4ª ed. Cambridge: Elsevier Science; 2014.

Fabio Abreu Alves

Diretor do Departamento de Estomatologia do A.C. Camargo Cancer Center. Professor da Disciplina de Estomatologia da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo

Osias Vieira de Oliveira Filho

Cirurgião-dentista, residente do Departamento de Estomatologia do A.C. Camargo Cancer Center

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