Biossegurança no consultório odontológico: o que muda em tempos de Covid-19? 

Autoras: Karem López Ortega e Janaina Braga Medina 

Os Coronavírus foram responsáveis por três importantes doenças respiratórias nas últimas décadas. A terceira, que teve início em dezembro de 2019 em Wuhan (China), originou uma pandemia e foi denominada de coronavirus disease (COVID-19), causada por um novo vírus chamado de Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2). 

Ainda que seja um vírus com capacidade de permanecer vivo em diversas superfícies por várias horas (ou dias), o SARS-CoV-2, por ser envelopado com uma camada lipídica externa frágil, é mais suscetível a desinfetantes do que os vírus não envelopados. Portanto, processos habituais de esterilização e desinfecção são suficientes para destruir o vírus. Isso significa que todo e qualquer material que seja crítico ou semicrítico deve ser esterilizado em autoclave a uma temperatura de 121° C a 127° C (1 atm pressão) por 15 a 30 minutos e 132° C a 134° C (2 atm pressão) por quatro a sete minutos de esterilização. A desinfecção de superfícies pode ser feita, por exemplo, com álcool 70%, hipoclorito de sódio a 1% ou quaternários de amônio com biguanida de 5ª geração, sendo que, para os dois primeiros, em caso de sujieira aparente, é necessária uma etapa prévia de limpeza com água e sabão ou detergente. 

O maior desafio, quanto a esta doença, é sua via de disseminação. O SARS-CoV-2 é transmitido, principalmente, pelo contato direto com pessoas infectadas, através de gotículas respiratórias ou de saliva, e em menor escala, indiretamente pelo contato com superfícies contaminadas por gotículas/ secreções, que podem ser levadas a boca, nariz ou olhos. Como também existe a possibilidade de transmissão através da inalação de aerossóis, aumentam os cuidados que devem ser tomados no consultório. 

Gotículas e aerossóis são pequenas gotas de saliva e secreção respiratória que podem ficar em suspensão no ar após serem disseminadas por atitudes simples, como a fala. A diferença entre essas partículas é o diâmetro que apresentam, sendo as primeiras maiores do que 5 μm.   Quanto maior a pressão de expulsão do trato aéreo superior (falar, tossir, espirrar) maior a quantidade de partículas exaladas, a geração de partículas pequenas e a distância que essas partículas podem atingir. As gotículas, por serem maiores e mais pesadas, se precipitam rapidamente no ambiente e dificilmente atingem distâncias maiores do que um ou, no máximo, dois metros. Já os aerossóis possuem diâmetros menores e são mais leves, o que faz com que tenham a capacidade de ficar mais tempo em suspensão e percorrer maiores distâncias, impulsionados por correntes de ar.

Figura 1 – Demonstração esquemática do alcance das gotículas e aerossóis segundo a ação da pessoa.

A possibilidade da presença do vírus na saliva e a dispersão desta no ambiente, através da formação de gotículas e aerossóis durante procedimentos odontológicos, tem sido a grande preocupação dos dentistas em tempos de COVID-19. 

O foco é minimizar a geração de aerossóis e manejar os que estão em suspensão para impedir a infecção cruzada no consultório odontológico (para profissionais e para o paciente).  

O ideal é evitar o uso de equipamentos que produzam gotículas e aerossóis. Para isso, recomenda-se não utilizar a cuspideira (usando somente o sugador de alta potência para remover saliva e líquidos), a seringa tríplice, a caneta de alta rotação, ultrassom ou jato de bicarbonato. Os equipamentos podem ser substituídos por instrumentos manuais (curetas, caneta de baixa rotação, etc.). Quando for imprescindível utilizar qualquer um desses equipamentos, é preferível que seja sob isolamento absoluto e sob a ação de sugador de alta potência. É importante lembrar que o trabalho a 4 mãos facilita a implementação de medidas que diminuem a produção de aerossóis no ambiente odontológico.    

Mas, como é muito difícil evitar completamente a formação de gotículas e aerossóis, talvez o melhor seja aprender a lidar com eles.  O uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) que impeçam a inalação ou a contaminação de pele e roupas é uma dessas formas. Gorros, aventais, máscaras cirúrgicas e óculos de proteção já faziam parte da rotina odontológica, mas neste momento é necessário incrementar a capacidade de proteção de alguns desses itens. Os aventais, descartáveis de TNT, devem ser impermeáveis, de gramatura 50 ou superior. As máscaras cirúrgicas devem ser substituídas por respiradores N95 ou PFF2, que possuem a capacidade de filtrar mais de 95% das partículas do ar. Esses respiradores devem ficar bem ajustados ao rosto do CD e, para tanto, recomenda-se que sejam removidos quaisquer empecilhos ao ajuste na pele, como a presença de pelos faciais (barba). Os respiradores, de forma geral, foram projetados pelos fabricantes para serem utilizados uma vez, durante 4 horas, e descartados. Mas existem estudos mostrando a viabilidade do uso estendido por até 8 horas (sem remover o respirador) e a possibilidade de reutilização por até 5 vezes. A reutilização diz respeito à remoção e recolocação do respirador. É importante compreender que o respirador perde sua função se não estiver bem ajustado ao rosto, se apresentar dobras, umidade ou sujidades aparentes, devendo ser descartado imediatamente. Caso o respirador seja reutilizado é necessário providenciar um local para o acondicionamento e ter muita atenção para não tocar a parte interna ou externa do respirador durante a sua remoção ou recolocação (remover e recolocar através do elástico). Indica-se sempre a rigorosa higiene das mãos antes e após a colocação do respirador. 

Para prolongar a vida útil dos respiradores, é recomendável o uso de escudos faciais (face shields) de acetato. Eles protegem os respiradores de possíveis respingos de sangue e secreções. 

Tão importante quanto utilizar EPIs é aprender como coloca-los e como retira-los, e sempre lavar muito bem as mãos antes e depois desses processos. 

A equipe está protegida durante o uso dos EPIs, mas ao retirar o respirador N95, naturalmente deixa de ter a sua proteção. Nesse momento as características do ar ambiente devem ser levadas em consideração.  

No caso de serem inevitáveis ações que produzam aerossóis, é necessário que alguns cuidados sejam tomados, e é importante salientar que esses cuidados estão associados às características físicas de cada local.   

O ideal é que o local possa ter o ar renovado. Uma das possibilidades é abrir as janelas para que o ar circule de dentro para fora do ambiente odontológico, possibilitando a troca de ar. Mas, isso nem sempre é possível. Muitas vezes porque os consultórios não possuem janelas ou porque as janelas comunicam-se com outros ambientes internos.   

A grande preocupação é com a movimentação dos aerossóis que podem ser criados no consultório. Uma vez em suspensão, correntes de ar restritas ao ambiente odontológico, podem movimentar os aerossóis indefinidamente, caso não exista um sistema de exaustão ou uma saída para essa corrente de ar.  

Não havendo um sistema de ar condicionado com exaustão ou janelas que possam abrir-se para o meio externo, o profissional deve terminar o atendimento, sair do consultório e aguardar cerca de 30 minutos antes de retornar ao ambiente para remover as barreiras e proceder a subsequente desinfecção de superfícies (Figura 2). Essa recomendação tem o objetivo de permitir que as partículas aerossolizadas assentem nas superfícies e baseia-se no trabalho publicado por Veena e colaboradores em 2015.

Figura 2 – Tempo que a partícula demora para assentar no ambiente, no ar parado.

No caso do consultório odontológico possuir ar condicionado, o mesmo deve ter um sistema de exaustão e filtros do tipo HEPA (High Efficiency Particulate Arrestance). A instalação do aparelho deve ser planejada de modo que o ar expelido pelo aparelho saia de uma zona menos contaminada, atravesse a zona mais contaminada (a cadeira odontológica) e sequencialmente atinja a região de exaustão (CDC,2020) (Figura 3). A unidade de exaustão externa do aparelho deve ser colocada em local adequado, evitando contato com outros ambientes (janelas de outros consultórios, etc.) e proximidade com a unidade de entrada do ar. 

Figura 3 – Instalação do aparelho de ar condicionado e da exaustão, fazendo com que o ar seja conduzido de uma zona menos contaminada, passando pela área mais contaminada e chegando finalmente à exaustão.

Após o atendimento é necessário sair do ambiente e esperar até que a completa troca do ar seja executada pelo aparelho (com exaustão). Os aparelhos de ar condicionado devem ser instalados e dimensionados por engenheiros especializados levando em consideração as características de cada ambiente, as normas técnicas vigentes no país (ANVISA, 2020; ANVISA, 2006; NBR 7256) e lembrando que o CDC e a ANVISA recomendam 12 trocas de ar em 1 hora para ambientes potencialmente contaminados (CDC, 2020 d e ANVISA, 2020b).   

Também pensando em proteger o cirurgião dentista no atendimento de pacientes possivelmente infectados, apareceram opiniões sobre a utilização de bochechos para reduzir a carga viral do SARS-CoV-2 na saliva. Até o momento não existe nenhuma substância que cumpra esse papel (Ortega et al, 2020). 

REFERÊNCIAS

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Veena HR, Mahantesha S, Joseph PA, Patil SR, Patil SH. Dissemination of aerosol and splatter during ultrasonic scaling: a pilot study. J Infect Public Health. 2015;8(3):260-265. doi:10.1016/j.jiph.2014.11.004

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