Bruxismo do sono em crianças
Uma boa anamnese é o requisito básico para identificar a origem do comportamento infantil, que pode necessitar de abordagem de ordem sistêmica
O bruxismo do sono diferencia-se do bruxismo de vigília, aquele que ocorre enquanto se está acordado e que apresenta fisiopatologia bem distinta. O bruxismo de sono em crianças motiva relatos frequentes em consultórios odontológicos. É o que revela Cristina Giovannetti Del Conte, doutora em Odontopediatria pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP) e presidente do Núcleo de Estudos de Saúde Oral da Sociedade de Pediatria de São Paulo.
“Até algum tempo atrás, considerava-se bruxismo do sono exclusivamente o movimento de apertar e ranger os dentes, que provoca barulho durante o sono. Atualmente, essa análise é mais ampla, envolvendo o conceito de tensão da musculatura da face, principalmente dos músculos elevadores da mandíbula, que pode causar dor em toda a região e não estar, necessariamente, associada ao ranger dos dentes”, diz.
Cristina é professora convidada do curso de especialização em Odontopediatria na Fundação da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Fundecto-USP) e na FAPES e do Curso de Especialização em Pacientes com Necessidade Especial e Odontologia Hospitalar no Hospital Albert Einstein; além de atender na Clínica Kiyan. Ela conversou com Conexão Odontoprev sobre o diagnóstico, prevenção e formas de atuar nos casos de bruxismo do sono em crianças.
Quais são as principais causas do bruxismo infantil?
As principais são respiração oral; distúrbios e infecções das vias aéreas superiores, como rinite, sinusite e otite; déficit de atenção e hiperatividade; refluxo gastroesofágico; e distúrbios do sono, como a parassonia e a apneia obstrutiva do sono.
Ansiedade e estresse podem influenciar o desenvolvimento do bruxismo infantil?
Sim, fatores psicoemocionais devem ser considerados tanto na infância quanto na adolescência. Crianças com alto nível de estresse, com traços de responsabilidade severos e neuroticismo (hipersensibilidade emotiva ou maior suscetibilidade à tristeza e à raiva), têm um perfil com risco maior para bruxismo. Situações de ansiedade, frustração, insegurança e medo, por exemplo, podem estar associadas a essa condição.
A odontopediatria tem evoluído no diagnóstico do bruxismo do sono em crianças?
Em termos de tecnologias para detectar o bruxismo, hoje em dia é bem comum o uso de escaneamento, que ajuda a verificar com maior precisão as facetas de desgaste associadas ao atrito — que são diferentes do desgaste fisiológico dos dentes de leite. Isso também pode ser observado clinicamente, associando-se à anamnese com os pacientes e os pais. Geralmente eles procuram o cirurgião-dentista com relatos do ranger de dentes dos filhos, um barulho alto que causa grande incômodo e preocupações, como a possibilidade de haver fratura dentária, por exemplo. Na anamnese, devem-se considerar queixas de dores na musculatura de masseter e do temporal, associadas ao bruxismo pela tensão muscular, pelo apertamento (mesmo sem haver desgaste de dente ou barulho do ranger). Se há suspeita de bruxismo relacionado a distúrbios do sono, é importante questionar se a criança tem sono muito agitado, apresenta sudorese, fala enquanto dorme, acorda durante a noite ou relata pesadelos. Às vezes, é necessário encaminhar o paciente para o médico especialista em distúrbio do sono, que avalia a recomendação de uma polissonografia.
Além de analisar os hábitos da criança na hora de dormir, possíveis fatores psicossociais podem ser identificados com questionamentos sobre a vida escolar e situações que desencadeiam alguma questão sentimental, como um período de maior ansiedade, a perda de algum familiar ou grandes mudanças na rotina, para entendermos melhor a complexidade emocional da criança. Em relação à saúde geral, convém investigar sobre infecções das vias aéreas superiores. Dependendo das respostas da anamnese, é recomendado encaminhar o paciente para especialistas de outras áreas, como pediatra, otorrinolaringologista, gastropediatra, psicólogo ou fisioterapeuta, para uma abordagem de ordem sistêmica
Quais são os possíveis efeitos do bruxismo no desenvolvimento da dentição?
O bruxismo leva a uma ação repetitiva e muito intensa da parte dos músculos mastigatórios. Quando não é feita uma intervenção, ele pode levar a consequências como hipertrofia dos músculos mastigatórios; desgaste do dente pela atrição; falhas em restaurações nos adolescentes; hipersensibilidade; alteração no sistema periodontal; fadiga e dor muscular; dores na ATM e até no pescoço. Já em um patamar mais severo, é capaz de limitar a movimentação da mandíbula durante a alimentação ou movimentos fisiológicos. Outro fator importante a ser relatado é o que afeta a qualidade de vida não só de quem tem bruxismo, mas de outras crianças e adolescentes que compartilham o quarto e podem acordar durante a noite em função do barulho do ranger de dentes da criança com bruxismo.
O uso de placas é recomendado, assim como é para adultos?
O uso de placa em crianças é raro, apenas nos casos com desgastes significativos e por um curto período de tempo. Há a alternativa de adotar um tratamento de ortopedia funcional dos maxilares ou ortodontia, com aparelhos próprios, que ajudam a melhorar a relação maxilomandibular e, consequentemente, a respiração.
Quais são os principais desafios na intervenção infantil?
Um dos maiores desafios é quando o bruxismo não está associado ao distúrbio do sono ligado à parte orgânica da respiração, mas, sim, a questões comportamentais que afetam a rotina do sono da criança, como o uso excessivo de telas (celular, tablets e videogames) ou uma agenda muito cheia de atividades. Isso pode ser mais desafiador porque é preciso mudar a rotina e exige que a família também esteja integrada ao tratamento.
Há maneiras de prevenir o bruxismo em crianças?
A prevenção é ter uma boa saúde como um todo e excelente qualidade de sono, além da saúde emocional equilibrada. A boa higiene do sono pode ser considerada preventiva. Entre as orientações aos pais recomenda-se: pelo menos uma hora antes de a criança dormir, cortar todo tipo de telas (celulares, tablets e videogames), não ingerir chocolate ou alimentos extremamente açucarados, não fazer atividades muito ativas, manter mais baixos a iluminação e os sons da casa e, durante o dia, não deixá-las consumir muitos chás ou café, pois a cafeína também torna o sono mais agitado.