Células tronco obtidas dos tecidos dentais

Karla Mayra Rezende

José Carlos P. Imparato

Marcelo Bönecker

A engenharia tecidual é uma área interdisciplinar que oferece uma abordagem promissora pelo uso de células-tronco combinadas com biomaterais para criação de tecidos humanos novos e funcionais para reparar ou substituir tecidos ou órgãos que perderam suas funções devido à idade, doenças, acidentes ou defeitos genéticos. A multipotencialidade e a facilidade de isolamento e expansão celular em laboratórios das células-tronco obtidas da polpa dentária, tem gerado um grande interesse em sua utilização para terapia celular.

Introdução

 

É indiscutível que a Odontologia, e porque não dizer a área médica, vem passando por um momento único, onde se busca mais do que materiais de preenchimento. Com o advento da filosofia minimamente invasiva, almeja-se o uso de células adequadas para regenerar o tecido danificado. A revascularização da polpa dentária, a formação de uma nova dentina, reconstruções ósseas de áreas extensas e regeneração do periodonto de proteção e sustentação são os exemplos mais notórios de como as células-tronco podem ser utilizadas na Odontologia (Gronthos, et al. 2002; Miura, et al. 2003).

Isso é possível porque o que difere as células-tronco das demais células é seu poder de multipotencialidade, facilidade de isolamento, expansão celular em meio de cultura apropriada e a capacidade dessas células migrarem para locais onde há o tecido lesionado. Em essência, as células-tronco são capazes de fazer divisões assimétricas, ou seja, podem originar células que permanecem indiferenciadas e também se diferenciarem em células especializadas. Todas essas propriedades e características serão discutidas a seguir.

As células-tronco são encarregadas de manter a estrutura e função dos tecidos do corpo humano através da substituição de células defeituosas. Células-tronco adultas multipotentes, como as mesenquimais, estão presentes em todos os tecidos do corpo humano e residem em áreas especificas, mantendo seu estado quiescentes até serem ativadas por alguma lesão ou doença (Tirino, et al. 2011).

Com exceção dos ameloblastos, todas as células-tronco envolvidas na odontogênese são originadas do mesênquima. Até a terceira semana de desenvolvimento, o mesênquima da região da boca e da face são originados quase que exclusivamente do tecido mesodérmico. Na quarta semana, células da crista neural do ectoderma migram para arco hioide, passando então a chamar células de origem ectomesenquimal (Ulmer, et al. 2010).

O principal potencial de diferenciação das CTMs dentárias recai sobre a formação de dentina e dos tecidos derivados do periodonto, independentemente dessas células serem derivadas da polpa, do ligamento periodontal ou do folículo dentário. As células nesses tecidos ficam quiescentes e podem ser ativadas a qualquer momento. Um exemplo natural de um tipo de regeneração que acontece no corpo humano ocorre no órgão dentário, mais especificamente no complexo dentinopulpar, pois, sabe-se que quando há um dano a um desses tecidos, ocorre formação de dentina terciária (Ishikawa, et al. 2010; Sloan and Waddington 2009).

Na Odontologia, Gronthos et al. (2000) foram os precursores ao verificarem a existência de uma população de células-tronco na polpa dental humana (DPSCs). Os pesquisadores observaram que essas células tinham capacidade de regenerar o complexo dentinopulpar injuriado, dando origem a um tipo de matriz mineralizada com túbulos, odontoblastos e o tecido fibroso contendo vasos sanguíneos similar ao encontrado no dente humano.

Atualmente, a literatura relata que não só as células da polpa de dentes permanentes e decíduos possuem capacidade de autorrenovação e de diferenciação em linhagens variadas, semelhante ao que ocorre com as células da medula óssea, mas também as células derivadas da papila apical, ligamento periodontal e folículo dentário apresentam as mesmas propriedades caracterizando outras populações de células-tronco dentais assim como dentes natais (Gronthos, et al. 2002; Gronthos, et al. 2000; Klionsky, et al. 2012; Miura, et al. 2003; Morsczeck, et al. 2010; Rezende et al., 2018; Seo, et al. 2004).

Com os avanços no conhecimento da biologia das células tronco e dos conceitos da engenharia tecidual, diversos pesquisadores têm focado em pesquisas que visam a formação desde reparação do tecido dental quanto formação de novo dente.

 

Aplicação clinica

 

Todos esses progressos na área da pesquisa pré-clínica e translacional permitiram o avanço de pesquisas clínicas aplicadas, inclusive na área odontológica. Basicamente, hoje, as 3 áreas de aplicação de célula tronco estão baseadas em: formar tecidos dentais – por exemplo: reconstituir a polpa com células-tronco ao invés de tratar o canal com material artificial como fazemos hoje; para formar um dente inteiro (terceira dentição) – por exemplo: fazer o dente no laboratório e depois transplantá-lo na boca ao invés de usar implante de titânio como fazemos hoje–; Para formar tecidos não dentais – por exemplo: retina, musculatura cardíaca, ossos, etc.

Mesmo sabendo dos potenciais dessas células, mais pesquisas estão sendo realizadas como estudo de biomateriais, scaffolds (carreador para diferenciar células e transplantar no tecido lesado), localização dos diversos nichos celulares, ou seja, onde elas ficam até serem sinalizadas e entender o controle da diferenciação.

Para odontologia, o estudo da biologia das células-tronco é grande interesse porque está caminhando, em um futuro próximo, para uso na regeneração pulpar, formação de tecido mineralizado, tratamento de fissuras palatinas, regeneração óssea na área de implantodontia, regeneração do periodonto de sustentação e terceira dentição. Além disso, elas também têm sido usadas com sucesso na medicina regenerativa para tratamento de diabetes, doenças imunológicas, mal de Parkinson, esquizofrenia, tratamento de doenças musculares, regeneração nervosa, regeneração retina, o que tem demonstrados que elas são altamente promissoras na aplicação clínica. Pacientes com autismo também podem se beneficiar (Rezende et al. 2013).

A pandemia do SARS-CoV-2 resultou na mobilização de pesquisadores e do mundo todo para encontrar uma solução ou tratamento desse vírus. A Sociedade Internacional para Pesquisa em Células Tronco (ISSCR), anunciou que, hoje, não há abordagem aprovada baseadas em células tronco para prevenção e tratamento da infecção por Covid-19. Entretanto, existem países que possuem grupos de pesquisas de estudos clínicos de terapia celular em pacientes hospitalizados devido a infecção desse vírus. Sabendo que uma das propriedades das células tronco mesenquimais é o efeito imunomodular, este pode ajudar a proteger as células epiteliais alveolares recuperando o microambiente pulmonar prevenindo a fibrose pulmonar (Golchin et al, 2020; Shetty, 2020). Porém, estudos adicionais em um número maior de pacientes são fundamentais para validar ainda mais essa intervenção terapêutica.

Como vimos, o uso das células-tronco nos mais diversos campos da área da saúde é hoje uma realidade. Os benefícios trazidos pelas pesquisas com células-tronco são inegáveis e cada dia mais temos mais progressos. Sendo, então, de suma importância estar em dia com as informações nessa área.

REFERÊNCIAS

Golchin A, Seyedjafari E, Ardeshirylajimi A. Mesenchymal Stem Cell Therapy for COVID-19: Present or Future. Stem Cell Rev Rep. 2020;16(3):427-433. doi:10.1007/s12015-020-09973-w


Gronthos, S., et al. Postnatal human dental pulp stem cells (DPSCs) in vitro and in vivo. Proc Natl Acad Sci U S A 2000; 97(25):13625-30.


Gronthos, S., et al. Stem cell properties of human dental pulp stem cells. J Dent Res 2002; 81(8):531-5.
Ishikawa, Y., et al. Mapping of BrdU label-retaining dental pulp cells in growing teeth and their regenerative capacity after injuries. Histochem Cell Biol 2010; 134(3):227-41.

Klionsky, D. J., et al. Guidelines for the use and interpretation of assays for monitoring autophagy. Autophagy 2012; 8(4):445-544.


Miura, M., et al. SHED: stem cells from human exfoliated deciduous teeth. Proc Natl Acad Sci U S A 2003; 100(10):5807-12.

Morsczeck, C., et al. Comparison of human dental follicle cells (DFCs) and stem cells from human exfoliated deciduous teeth (SHED) after neural differentiation in vitro. Clin Oral Investig 2010; 14(4):433-40.


Rezende, K.M.; Bönecker, M. ; Salgado, M.A.C.; Mantesso, A. Biologia e Aplicação Células-tronco na Odontologia. In Anuário 01- Odontopediatria clínica- Integrada e Atual. Napoleão, ed. Pp. 182-196, Vol. 01. São Paulo. 2013

Rezende, K.M.; Imparato, J.C.P.; França, D.C.O.; Rocha, M.O.; Bönecker, M. Dental Pulp stem cells from natal teeth: isolation and morphological study. JCDR 2018; 12 (3): zc46-49

Shetty AK. Mesenchymal Stem Cell Infusion Shows Promise for Combating Coronavirus (COVID-19)- Induced Pneumonia. Aging Dis. 2020;11(2):462-464. Published 2020 Mar 9. doi:10.14336/AD.2020.0301

Seo, B. M., et al. Investigation of multipotent postnatal stem cells from human periodontal ligament. Lancet 2004; 364(9429):149-55.

Sloan, A. J., and R. J. Waddington. Dental pulp stem cells: what, where, how? Int J Paediatr Dent 2009; 19(1):61-70.

Tirino, V., et al. Methods for the identification, characterization and banking of human DPSCs: current strategies and perspectives. Stem Cell Rev 2011; 7(3):608-15.

Ulmer, F. L., et al. Stem cells–prospects in dentistry. Schweiz Monatsschr Zahnmed 2010; 120(10):860-83.

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