COMO FUGIR DAS
FAKE NEWS
Defensor da divulgação científica em eventos e nas redes sociais,
o pesquisador Claudio Pannuti, da Universidade de São Paulo, explica como identificar informações falsas
Em terra de fake news, quem tem informação de confiança é rei. Ou deveria ser, pelo menos. Mas, infelizmente, notícias falsas se espalham 70% mais rápido que as verdadeiras, de acordo com uma pesquisa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) publicada na revista Science. Ao longo da pandemia da Covid-19, pudemos observar esse fenômeno de perto com frequência, uma vez que a correria por soluções fez com que os artigos científicos ganhassem mais destaque nos noticiários. O maior problema é que as pessoas não checam as informações, segundo o pesquisador Claudio Pannuti, doutor em Odontologia, professor associado da disciplina de Periodontia da Universidade de São Paulo (USP) e docente permanente e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas da Faculdade de Odontologia da USP. O especialista ressalta que não basta apenas conferir a fonte da informação. “Mesmo fatos científicos verdadeiros podem ser mal interpretados ou tirados de contexto”, afirma. E até mesmo os profissionais de saúde estão suscetíveis a tal erro, muitas vezes colocando em risco a vida dos pacientes. Como diferenciar informações reais das falsas e aplicá-las de maneira correta no dia a dia do consultório? É o que ele responde a seguir.
Como identificar as fake news científicas?
Existem vários aspectos a ser observados, e todos são igualmente importantes, como checar a fonte, o autor, o conteúdo, a estrutura do texto e até mesmo a data de publicação (veja no quadro um passo a passo detalhado). Em janeiro, por exemplo, o médico Drauzio Varella falou publicamente em um vídeo que a Covid-19 se dissiparia com o tempo, como qualquer outra gripe. Essa opinião era baseada na evidência científica que se tinha na época. Mas o vídeo começou a ser disseminado por alguns grupos meses depois, tirado de contexto propositalmente, para minimizar a pandemia. Outra dica são os sites de checagem de fatos, como a Agência Lupa, Boatos.org, FakeCheck, Saúde Sem Fake News (do Ministério da Saúde), Projeto Comprova, entre outros.
Nem sempre. É preciso tomar cuidado com os chamados periódicos predatórios, que em resumo são revistas de acesso aberto com critérios de aceitação questionáveis. Os estudos não são submetidos, por exemplo, a uma revisão por pares. Além disso, devemos prestar atenção aos preprints (publicação prévia, em livre tradução). São sites que funcionam como repositórios de pesquisas, nos quais os cientistas divulgam artigos ainda não submetidos a periódicos científicos com o objetivo de debatê-los com outros pesquisadores e fazer possíveis correções. Pois como sabemos, a ciência é dinâmica, característica que ficou ainda mais evidente ao longo da pandemia. No entanto, mesmo que não seja uma notícia falsa, pode ser que o estudo que você leu ali não seja de qualidade, porque ainda não foi revisado. Existem ainda algumas métricas que ajudam nesse julgamento, como o Fator de Impacto (FI) e o brasileiro Qualis Periódicos. Ambos levam em conta o número e os periódicos nos quais o estudo foi publicado, entre outros fatores. Mas todos tem suas limitações. Por isso, o mais relevante, a meu ver, é que o profissional aprenda a interpretar um artigo científico, um treinamento que deveria fazer parte dos cursos de graduação, aliás.
Por que as notícias falsas se espalham com tanta rapidez?
De acordo com alguns estudos, existe uma espécie de contágio emocional, pois geralmente o conteúdo das notícias falsas mexe com nossas emoções, como a raiva e a ansiedade. Não é à toa que elas se disseminam com maior facilidade nos grupos de família, como mostrou outra pesquisa. Acredito ainda que o anticientificismo atual, que geralmente é associado a um descrédito à imprensa, também está por trás disso. Mas as pessoas precisam entender que, independentemente da sua área de atuação, todos nós somos responsáveis pelo que compartilhamos. Sendo assim, além de checar os fatos, é importante respirar fundo e perguntarmos a nós mesmos “isso faz sentido?” antes de passá-los adiante por impulso.
“Acredito que o anticientificismo atual, geralmente associado a um descrédito à imprensa, também está por trás da rapidez com que as fake news se espalham.”
Exato. Porque, como ouvi recentemente na reunião da Sociedade Brasileira de Pesquisa Odontológica, quando você lê uma fake news pela primeira vez, talvez fique em dúvida. Mas, na terceira vez que ela “aparecer” na sua frente, você passa a acreditar nela. Imagine você que, em um grupo de WhatsaApp de colegas da área, alguém postou uma notícia questionando a eficácia do flúor no combate às cáries. Para piorar, ela alertava também que o flúor tinha sido criado na União Soviética e, sendo assim, tinha o poder de tornar as pessoas submissas. Acontece que há toneladas de artigos científicos que comprovam a ação do flúor. E, embora exista uma discussão séria sobre os efeitos neurotóxicos dessa substância, eles jamais foram demonstrados em animais ou humanos. Veja bem, não é um problema questionar a ciência. Pelo contrário. Só que muitas vezes é difícil “traduzi-la”. Quando for esse o caso, é melhor buscar a opinião de cientistas de verdade, e não de influencers ou personalidades públicas sem conhecimento científico.
De que forma a academia pode melhorar esse diálogo?
Em primeiro lugar, mantendo um canal aberto com a mídia, especialmente com os jornalistas que cobrem ciências, seja pelos meios tradicionais, seja pelas redes sociais. Quem é tímido ou simplesmente não gosta de dar entrevistas pode contar com a ajuda dos assessores de imprensa das instituições. Hoje em dia, todas as universidades oferecem esse apoio. Com o cuidado de lembrar que está falando com o público leigo, e não com outro cientista. Essa comunicação com a sociedade é tão importante para diminuir o anticientificismo que até mesmo a plataforma Lattes possui uma aba específica para o pesquisador divulgar seus textos ou entrevistas publicadas em jornais e revistas.
Um novo procedimento ou técnica pode levar anos para ser comprovado pela comunidade científica, antes de se transformar em uma diretriz recomendada pelos conselhos da categoria e ser absorvido pelos clínicos. No entanto, na nossa área há muitas inovações, principalmente de produtos. Nesse caso, não é preciso aguardar tanto tempo assim. Seja uma resina, um implante ou um simples enxaguante bucal, desde que sua eficácia seja comprovada por pesquisas e ele seja aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, você pode usá-lo.
5 PASSOS PARA IDENTIFICAR FAKE NEWS CIENTÍFICAS
1 – Cheque a fonte: desconfie de posts, áudios e vídeos que não citam a fonte. Não acredite em algo que foi publicado em apenas uma fonte: pesquise em outros sites e órgãos oficiais. Veja se há um link para o artigo.
2 – Cheque o autor (ou suposto autor) do conteúdo: se houver a citação a uma pessoa ou a um cargo, confirme se a pessoa existe, trabalha mesmo naquele local e se realmente divulgou aquilo.
3 – Avalie a estrutura do texto: textos de fake news geralmente possuem erros gramaticais, letras em caixa alta, muitos adjetivos e exclamações. Desconfie de títulos sensacionalistas.
4 – Avalie o conteúdo: reflita se o conteúdo faz sentido cientificamente falando e se possui ensaios clínicos a respeito. Desconfie de notícias que vão contra o senso comum de especialistas da área.
5 – Verifique a data de publicação: notícias e fotos antigas podem ser resgatadas e tiradas de contexto.
QUAL O PROCESSO DE UMA PESQUISA?
Tudo começa com uma questão a ser respondida
Ex.: Flúor faz bem à saúde bucal?
O pesquisador escolhe um método para encontrar a resposta
Ex.: Estudo de caso; levantamento de campo; pesquisa documental
O pesquisador testa a metodologia com experiências
Ex.: Aplicação de flúor em voluntários e observação do resultado
O processo e o resultado são descritos em um artigo, que será enviado para uma revista científica
O artigo será submetido à análise de especialistas da mesma área de conhecimento. Se houver dúvidas, ele pode retornar às fases anteriores
Depois da revisão e das possíveis correções, o artigo é publicado na revista científica