Síndrome do dente trincado

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A síndrome do dente trincado (Cracked Tooth Syndrome, ou CTS) é uma condição frequentemente subdiagnosticada, mas com impacto direto sobre o prognóstico funcional de dentes naturais, principalmente molares e pré-molares. Considerada uma das causas mais desafiadoras de dor dentária de origem endodôntica, a CTS tem etiologia multifatorial e uma evolução clínica insidiosa, que pode levar à perda dentária se não for identificada e tratada precocemente.

De maneira geral, são considerados dentes trincados aqueles que apresentam fraturas horizontais ou verticais limitadas à coroa e/ou que se estendem à raiz.1 Essas trincas podem envolver uma ou ambas as cristas marginais, atingir níveis subgengivais de profundidade indeterminada e, em alguns casos, comunicar-se com a câmara pulpar ou o periodonto.2 O resultado clínico mais temido é a necrose pulpar, decorrente da infiltração bacteriana via linha de fratura.3

FATORES DE RISCO

A etiologia envolve desde fatores parafuncionais – como bruxismo e apertamento – até desgastes estruturais (atribuídos a atrição, abrasão e alterações térmicas repetitivas), além de hábitos alimentares nocivos. Fatores decorrentes de intervenções clínicas também são relevantes: cavidades mal desenhadas, cúspides acentuadas, escolha inadequada de material restaurador e uso impróprio de instrumentos endodônticos.2,4

INCIDÊNCIA E EPIDEMIOLOGIA

A síndrome do dente trincado é mais frequente em pessoas entre 40 e 50 anos5,6 e acomete principalmente os segundos molares inferiores, seguidos pelos primeiros molares inferiores, pré-molares e molares superiores.2,7 Também é comum em incisivos após descolagem ortodôntica e em pacientes com bruxismo. As fraturas seguem predominantemente um trajeto vertical mesiodistal; embora trincas horizontais ou mistas são possíveis, porém raras.2,8

DIAGNÓSTICO: UM DESAFIO CLÍNICO

A detecção precoce é o principal desafio clínico. Radiografias tradicionais frequentemente não revelam as trincas, e muitas vezes a inspeção visual direta também falha. Ferramentas como magnificação (lupas ou microscópio operatório), transiluminação e uso de corantes após remoção de restaurações são essenciais para uma identificação acurada.2,4,9

Sinais clínicos importantes incluem sensibilidade à pressão oclusal ou ao frio, embora nem todos os pacientes relatem dor. A ausência de dor, contudo, não descarta a presença de fratura – outro fator que dificulta o diagnóstico diferencial.9,10

A IMPORTÂNCIA DA CLASSIFICAÇÃO

Uma correta classificação das trincas permite estabelecer um protocolo restaurador apropriado. A American Association of Endodontists (AAE) propôs uma classificação objetiva para a CTS, baseada no grau de envolvimento estrutural, com cinco tipos de trinca.10 Outras fontes da literatura acrescentam subsídios para a identificação e possíveis implicações clínicas.3,9,11,12,13

CLASSIFICAÇÃO PARA DENTES TRINCADOS

O sucesso do tratamento da CTS está diretamente relacionado à acurácia diagnóstica, à compreensão da classificação e à intervenção restauradora imediata. O uso de materiais adesivos, técnicas de cobertura cuspídea e o acompanhamento clínico rigoroso são estratégias indispensáveis.

REFERÊNCIAS:

1. Cameron CE. Cracked-tooth syndrome. J Am Dent Assoc. 1964;68(3):405-11.

2. Korkut B, Bayraktar ET, Tagtekin D, et al. Cracked tooth syndrome and strategies for restoring. Curr Oral Health Rep. 2023;10:212–222.

3. American Association of Endodontists. Cracked teeth and vertical root fractures: a new look at a growing problem [Internet]. Chicago: AAE; 2022 [citado 2025 abr. 7]. Disponível em: https://www.aae.org/specialty/wp- -content/uploads/sites/2/2022/12/ecfe-2022-edition-FINAL.pdf.

4. Yu M, Li J, Liu S, Xie Z, Liu J, Liu Y. Diagnosis of cracked tooth: Clinical status and research progress. Jpn Dent Sci Rev. 2022;58:357–364.

5. Udoye CI, Jafarzadeh H. Cracked tooth syndrome: characteristics and distribution among adults in a Nigerian teaching hospital. J Endod. 2009;35(3):334-6.

6. Roh BD, Lee YE. Analysis of 154 cases of teeth with cracks. Dent Traumatol. 2006;22:118–223.

7. Hiatt WH. Incomplete crown-root fracture in pulpal-periodontal disease. J Periodontol. 1973;44(6):369-79.

8. Liao WC, Tsai YL, Chen KL, Blicher B, Chang SH, Yeung SY, Jeng JH. Cracked teeth: Distribution and survival at 6 months, 1 year and 2 years after treatment. J Formos Med Assoc. 2022;121(1):247–57.

9. Zidane B. Recent advances in the diagnosis of enamel cracks: a narrative review. Diagnostics. 2022; 12(8):2027.

10. Kahler W. The cracked tooth conundrum: terminology, classification, diagnosis and management. Am J Dent. 2008;21(5):275–282.

11. Rivera RM, Walton RE. Cracking the cracked tooth code: detection and treatment of various longitudinal tooth fractures. In: Colleagues for excellence. Chicago: American Association of Endodontists; 2008.

12. Rivera EM, Walton RE. Longitudinal tooth fractures. In: Torabinejad M, Walton RE, Fouad AF (ed). Endodontics: principles and practice. 5. ed. Saint Louis: Elsevier; 2015. p. 121-41.

13. Patel S, Teng PH, Liao WC, et al. Position statement on longitudinal cracks and fractures of teeth. Int Endod J. 2025 Mar;58(3):379

Prof. Dra Mariana Aparecida Brozoski

Professora doutora de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo. Vice coordenadora do Programa de Residência em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Universitário HU – USP

Prof. Dr Daniel Falbo Martins de Souza

Coordenador do Núcleo de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Samaritano Paulista. Diretor do Centro de Treinamento Internacional IBRA no Hospital Samaritano Higienópolis

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