Perícia odontológica

Como se tornar perito ou assistente técnico

Dr. Rogério Nogueira de Oliveira

Professor Associado da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo FOUSP

Por que um cirurgião-dentista com atuação clínica se interessaria por essa área?

A resposta pode ter duas abordagens, a primeira é que essa pode se tornar uma atividade complementar ao consultório, uma vez que todo cirurgião-dentista pode atuar em perícias na área cível, seja como perito ou assistente técnico, tendo como pré-requisito para a atuação a graduação em Odontologia (Lei nº 5.081, de 24/08/1966, art. 6º, inciso IV). Exploraremos a seguir esta primeira abordagem.

A assistência técnica é de livre contratação das partes. Já as perícias, no âmbito do Poder Judiciário paulista, são indicadas caso a caso a partir do cadastramento no banco de dados do Portal de Auxiliares da Justiça (http://www.tjsp.jus.br/AuxiliaresdaJustica).

Para atuar como perito em âmbito penal há a necessidade de prestar concurso, estabelecendo uma carreira, normalmente junto ao Instituto Médico Legal (IML), podendo compatibilizar as atividades do consultório com as de perito criminal, a exemplo dos colegas que conciliam o consultório com as atividades no Sistema Único de Saúde (SUS). Quanto à assistência técnica, aqui também se dá por livre contratação.

Exemplificando: o paciente pode reclamar dos serviços prestados no âmbito criminal (lesão corporal), ético (afronta a alguma norma do Código de Ética Odontológica) e cível (pedido de indenização por falha na prestação do serviço). Apesar da possibilidade de múltipla atuação pericial, por ora, ficaremos com as perícias odontológicas em âmbito cível por sua alta prevalência.

Essa reclamação geralmente é meio difusa e, às vezes não verbalizada, uma vez que o paciente não tem os conhecimentos técnicos para avaliar a complexidade e nuances dos procedimentos odontológicos. Mas o cirurgião-dentista, sendo questionado e/ou percebendo um desgaste na relação com o paciente, deve tentar realinhar os tratamentos e expectativas, repactuando o plano de tratamento. Caso contrário, o impasse poderá evoluir para um processo formal, em que o paciente contratará um advogado para ingressar com algum tipo de medida contra o profissional.

O cirurgião-dentista citado no processo cível deverá também constituir seu advogado de defesa. Simultaneamente, recomenda-se que o profissional que está sendo processado contrate um cirurgião-dentista para atuar como seu assistente técnico.

Para muitos pode parecer contraditório ou desnecessário um cirurgião-dentista contratar outro cirurgião-dentista (assistente técnico) para trabalhar em conjunto com seu advogado de defesa. Mas, a prática tem demonstrado que a autodefesa não traz os melhores resultados, uma vez que pode levar a posicionamentos passionais ou de um tecnicismo extremo que pouco ajudarão o juiz na mediação do conflito e no seu entendimento das versões apresentadas e, consequentemente, na elaboração de sua convicção e no julgamento dos fatos.

Na verdade, seria interessante que o próprio paciente, antes de iniciar o processo contra o profissional, procurasse outro cirurgião-dentista, a fim de evitar a existência de processo judicial sem a menor possibilidade de êxito (Fig.1).

Nessa hipótese, esse outro cirurgião-dentista precisa ter clareza do motivo pelo qual está sendo contratado: se como o novo clínico para realizar os tratamentos requeridos ou se para desempenhar o papel de assistente técnico. Pois, apesar de não haver impedimento legal para essa dupla função, pode transparecer um conflito de interesse a constatação de inadequação dos tratamentos pretéritos e o ganho com a realização destes.

O assistente técnico, seja do paciente ou do profissional, fará a interface com o campo jurídico. Como destacamos a atuação pericial apesar de poder ser feita por qualquer cirurgião-dentista, se realizada por profissional com qualificação em Odontologia Legal, oferecerá mais chances de trazer maior segurança e qualidade aos trabalhos.

A participação do assistente técnico é importante desde o início do processo, na petição inicial do autor/paciente ou na contestação do requerido/cirurgião-dentista e, obviamente, na elaboração da prova pericial, em que serão apresentados os quesitos, cabendo também ao assistente técnico acompanhar in loco todo o ato pericial, colaborando nas alegações, tecnicamente fundamentadas, de manifestação sobre o laudo pericial.

Em relação à segunda abordagem, o papel do cirurgião-dentista não seria o de atuar diretamente como perito ou assistente técnico, mascom base em uma formação e/ou atualização na área, compreendendo as motivações que levam os pacientes a nos processar e como podemos minimizar os riscos nesse sentido e melhorar nossas práticas na atuação clínica.

Atuação clínica pode ser entendida e embasada de forma tríplice: (i) qualificação técnica, condição esperada e indispensável; (ii) comunicação eficaz, relacionada ao entendimento das mensagens entre profissional e paciente, bem como às campanhas de marketing empregadas e (iii) documentação, relacionada à adequação jurídica na elaboração e registro do prontuário.

É importante também mencionar que existem diversas causas que podem fundamentar a reclamação do paciente além do erro técnico, como por exemplo, o paciente pode alegar defeito de informação. Nessa hipótese, a obtenção do consentimento livre e esclarecido e o respeito às normas éticas da publicidade odontológica devem ser analisados.

Somando-se a isso, na atualidade temos a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, Lei nº 13.709/2018 (LGPD), que possui afinidade com os itens ii e iii da tríade descrita acima, em relação ao tratamento e proteção dos dados sensíveis,  compartilhamento de dados entre profissionais e estabelecimentos de saúde em geral e/ou na saúde suplementar em particular, segurança da informação com o uso da teleodontologia, entre outros.

Referências bibliográficas

  1. Coltri MV. Responsabilidade civil em odontologia: a perícia é a rainha das provas. 2020. Online (77p.). Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, SP.
  2. Daruge E, Daruge Júnior E, Francesquini Júnior L. Tratado de Odontologia Legal e Deontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.
  3. Dallari AB, Monaco GFC. LGPD na Saúde. São Paulo: Thomson Reuters / Revista dos Tribunais, 2021.
  4. Lima KF, Costa PB, Silva RF, Silva RHA. Regulamentação legal da perícia oficial odontolegal nos estados brasileiros. Rev Bras Odontol Leg RBOL 2017; 4(1):34-45. Disponível em: http://dx.doi.org/10.21117/rbol.v4i1.85.
Organograma

Fig 1. Organograma dos profissionais envolvidos num processo civil envolvendo cirurgião-dentista, advogados e juiz (formação jurídica), assistentes técnicos e peritos (formação em Odontologia).

 

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