Condutas frente a uma imagem radiolúcida periapical

O endodontista Manoel Eduardo de Lima Machado defende
maior rigor na interpretação destas radiografias para melhorar os prognósticos de doenças periodontais

A radiografia periapical é bastante utilizada no diagnóstico e no tratamento de cárie e doenças periapicais e periodontais. No entanto, sua utilização exige uma interpretação detalhada, para evitar confusões e aprimorar o prognóstico. Tal questão é tema de estudo do endodontista Manoel Eduardo de Lima Machado, professor associado da Universidade de São Paulo e fundador da Sociedade Brasileira de Endodontia e da Sociedade de Endodontia Latino-Americana. Em artigo publicado em 2016, o profissional e sua equipe analisaram diagnósticos radiográficos periapicais sugestivos de lesões refratárias e concluíram que “a radiografia convencional não constitui ponto conclusivo no diagnóstico de lesões periapicais”. O trabalho confrontou o diagnóstico radiográfico e histopatológico de dentes de 10 pacientes que receberam tratamento endodôntico, apresentaram “lesões periapicais” detectadas radiograficamente 18 meses após o tratamento e tiveram indicação de cirurgia. Porém, na análise histopatológica, apenas um caso teve o diagnóstico de cisto confirmado e um caso foi identificado como granuloma. Os outros oito se tratavam de cicatriz fibrosa. O trabalho evoluiu para um estudo epidemiológico realizado com mais de 2 mil casos observados durante 4 a 5 anos, que deve ser publicado em breve.

Qual é a importância da radiografia periapical para o diagnóstico e o tratamento de doenças periodontais?

A radiografia periapical é um meio complementar fundamental para o diagnóstico, mas ela não fala por si. Em primeiro lugar, existe uma necessidade muito grande de interpretação das matérias básicas, do funcionamento da polpa, do periápice, da histofisiologia, da histopatologia. É preciso compreender ainda os mecanismos evolutivos dessas patologias e os fatores interdecorrentes.

Dentro do conjunto dos testes que compõem o arsenal do endodontista para fazer o diagnóstico, a radiografia periapical é muito importante, bem como a tomografia. A questão é que muitas vezes esses exames não são utilizados de maneira adequada. Isso porque qualquer variação que envolve tecido duro, ou seja, dentina, esmalte, osso, cemento dental, pode ser detectada por meio de uma radiografia, mas não necessariamente assim o será.

Isso nos leva ao estudo realizado pelo senhor e por seus colegas. Como foi esse processo?

Veja, em poucos locais do organismo ocorrem processos de regeneração, a maioria são processos de cicatrização. A diferença entre um e outro é que, quando existe uma regeneração, há a reposição do mesmo tipo de célula na mesma arquitetura biológica. Na cicatrização isso não necessariamente acontece. Em casos de reabsorção óssea, por exemplo, pode se formar um buraco no osso provocado pelo próprio organismo no intuito de impedir a penetração de bactérias. Dependendo do tamanho desse buraco, quando o estímulo é retirado e o osso passa a ser formado novamente, nem sempre ele vai se distribuir com o mesmo número de células no mesmo local. E isso será uma variante na interpretação da imagem radiográfica, que não necessariamente será de uma lesão apical.

Nesse trabalho, nós analisamos casos de lesões apicais que foram tratados. As lesões diminuíram, mas um grupo de profissionais identificou como patologia, então foi feita a cirurgia periapical. Mas, na realidade, de 10 casos, 9 eram cicatrizes. Isso salienta não só a importância da radiografia, mas a importância da interpretação, que também é uma ferramenta de diagnóstico.

O que o levou a pesquisar esse assunto? Já era clara a confusão entre lesões e cicatrizes?

O trabalho que envolve processos reparacionais e cicatriciais já estava muito bem definido nos livros e nos trabalhos anteriores. O que nós observamos foi o conceito de utilizar determinadas medicações fora do canal radicular, como o iodofórmio, cuja função é ativar a ação de macrófagos para limpar a área e ter uma deposição de osso mais efetiva.

O que vimos nos nossos casos de cirurgia paraendodôntica, em que se realizava endodontia e a lesão se mantinha, então se fazia uma cirurgia naquela região para extrair a lesão, eles caíram 70%. Mas algumas imagens não deixavam claro se era persistência de lesão ou cicatriz. É claro que temos uma série de outros exames para decidir se aguardamos ou não para fazer a cirurgia, mas existe uma outra variável: segundo o Incor, 36% das mortes por problemas cardíacos são de origem dental. Então até que ponto eu posso permitir a infecção ou a manutenção dessa infecção?

Esse trabalho veio no sentido de colaborar na interpretação da indicação, do prognóstico. Eu não vou indicar uma cirurgia se eu não tiver outros fatores como crescimento da lesão, coloração, se dói, se tem mobilidade. Nesse sentido, a radiografia periapical não traz a solução nem com a tomografia, mas mostra a evolução de um processo. Hoje, se eu realizar a endodontia de um dente com lesão periapical, eu devo controlá-lo até 5 anos radiograficamente antes de considerá-lo um caso concluído.

“A radiografia periapical é muito importante, bem como a tomografia. A questão é que muitas vezes esses exames não são utilizados de maneira adequada”

E quais são os desafios para uma conduta ideal no tratamento das lesões periapicais?

Eu acredito que é a junção dos testes diagnósticos, dos exames radiográficos, com o bom senso, o desenvolvimento do paciente e a evolução da imagem. É importante entender que a Odontologia é uma profissão de meio, não de fim. Eu não tenho o poder de resolver todos os casos, o que eu posso fazer, eticamente, é aplicar os conhecimentos que tenho, com os requisitos mais atualizados. Mas eu não tenho condição de precisar com exatidão o resultado deste trabalho. Dentro desse contexto, o contrato, a conversa, a documentação e a radiografia se tornam mecanismos e ferramentas fundamentais. Ao mesmo tempo, cerca de 5% dos tratamentos endodônticos não dão certo, mesmo utilizando os protocolos adequados, sem que haja uma explicação para isso.

Então, se a lesão tem um tamanho e ao longo do tempo ela vai sumindo, isso demonstra uma tendência. Mesmo que, no final, ela não fique exatamente igual ao osso, eu já sei que pode ser uma cicatriz. Agora, se a lesão estacionou ou começou a crescer não tem acordo, é cirurgia paraendodôntica. E se ela não der certo será preciso fazer implante.

Por que ainda há erros e dúvidas nesse tipo de tratamento?

Falta rigor e conhecimento. Há um problema no currículo das escolas de Odontologia, porque muitas vezes o conteúdo básico se concentra nos anos iniciais do curso e nos últimos anos o foco é no protocolo técnico. Então, o aluno fixa a técnica como sendo a única ação a ser realizada e, portanto, todo e qualquer caso que não chegue ao resultado desejado é um insucesso pessoal. O profissional não pode aprender a aplicar protocolos, ele precisa aprender a tratar um ser humano. Você não está intervindo em um dente, e sim em um indivíduo, que tem reações locais e sistêmicas.

Às vezes existe uma ruptura de interligação desses conhecimentos, o que leva a uma série de problemas clínicos e à frustração profissional. A grande questão relacionada ao diagnóstico é o conhecimento das matérias básicas, de como o corpo humano funciona e de como a patologia se desenvolve.

É preciso desenvolver fatores comportamentais para poder entender e interpretar as respostas do paciente ao estímulo do teste que eu faço. Do ponto de vista radiológico, é necessário ter imagens fidedignas e fazer a interpretação de ocorrências patológicas que modifiquem a imagem.

Há avanços tecnológicos na área de radiologia periapical?

Um grande avanço é o sensor digital, que substitui o filme e permite jogar a radiografia para o computador, onde você pode dar zoom, melhorar o contraste e até repetir a imagem até ter um resultado adequado.

Isso é importante, porque o processo convencional da radiografia envolve desde a tomada radiográfica até uma adequada revelação, limpeza e fixação dessa imagem, então é um processo prolongado e passível de erros.

Vale o alerta: o uso de uma radiografia mal processada é muito pior do que não ter radiografia alguma. Se a imagem não ficar boa, é preciso repeti-la até que fique clara. Nesse ponto, a questão dos sensores e dos emissores digitais tem uma contribuição muito grande. É claro que ainda não é possível que todos tenham acesso a essa tecnologia, pelo seu alto valor, mas seu custo-benefício é fantástico.

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