Convulsão no consultório

Como se preparar para esse tipo de emergência?

Ninguém espera que emergências médicas aconteçam, mas preparar-se para elas é uma obrigação ética e legal dos cirurgiões-dentistas. É por esse motivo que o Conselho Federal de Odontologia (CFO) exige que todas as clínicas contem com equipamentos básicos de suporte à vida. Além disso, é preciso que os profissionais sejam treinados para saber como agir em situações de emergência, como no caso de paciente em convulsão. Segundo Carina Domaneschi, professora da disciplina de Clínica Integrada e Setor de Urgência Odontológica, da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP), a convulsão é uma manifestação clínica resultante de uma descarga elétrica excessiva e síncrona de grupos de neurônios. “Essa atividade anormal pode causar alterações motoras, como contrações musculares involuntárias, sensoriais e de consciência”, explica. Algumas crises, mais comuns em crianças e adolescentes (embora possam acontecer também em adultos), fazem com que a pessoa perca, transitoriamente, o contato com o mundo exterior, permanecendo quieta e com o olhar vago, sem apresentar as contrações musculares. “Estudos indicam que a prevalência de crises convulsivas em ambiente odontológico é baixa, mas é essencial que o cirurgião-dentista esteja preparado, especialmente ao atender pacientes sabidamente epilépticos”, diz. A seguir, a professora explica o que precisamos saber caso ocorram convulsões durante o atendimento odontológico:

Por que crises convulsivas podem acontecer durante o atendimento odontológico? Existem fatores de risco conhecidos?

As principais causas em ambiente odontológico incluem estresse físico ou emocional intenso, jejum prolongado, hipoglicemia induzida por ansiedade ou medicação, sono inadequado na véspera, interrupção no uso de medicação anticonvulsivante, estimulação sensorial, com luz intensa, ruído ou dor aguda — principalmente para pacientes com histórico de epilepsia.

Como um cirurgião-dentista pode identificar que o paciente está passando por um episódio de convulsão?

Durante o episódio de convulsão o paciente pode apresentar rigidez muscular (fase tônica), seguida por movimentos bruscos e repetitivos (fase clônica), além de salivação excessiva, perda de consciência, liberação esfincteriana, respiração irregular, cianose labial (em alguns casos) e, ao final, um estado de confusão ou sonolência (fase pós-ictal). No entanto, as crises não envolvem necessariamente todos os sinais. Elas costumam durar de 1 a 3 minutos.

Quais são os procedimentos adequados para socorrer um paciente em convulsão?

Ao primeiro sinal da crise convulsiva, o cirurgião-dentista deve interromper o atendimento imediatamente, remover eventuais objetos da cavidade oral, não colocar nada na boca do paciente e protegê-lo de eventuais quedas ou traumas. Para isso, é importante afastar o carrinho de apoio e o braço do equipo de atendimento. É fundamental ficar atento à presença de sangue, próteses removíveis ou secreções excessivas que aumentem o risco de aspiração. Se possível, posicione o paciente em decúbito lateral esquerdo para facilitar a drenagem oral.

É realmente necessário segurar a língua da pessoa?

Não, isso é um mito. A língua não enrola e o paciente não vai sufocar. Além disso, caso tente fazer esse procedimento, corre o risco de ser mordido e de se machucar seriamente. A principal medida a ser tomada é manter a via aérea permeável, sem tentar conter movimentos. Também é importante monitorar a duração da crise, porque, se ela ultrapassar cinco minutos ou se houver repetição de episódios, é preciso chamar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). O cirurgião-dentista nunca deve liberar o paciente desacompanhado e deve registrar o acontecimento no prontuário como “crise convulsiva”, sem diagnosticar como epilepsia, já que isso é importante para respaldo legal e continuidade do cuidado.

É possível prevenir crises convulsivas ou, ao menos, preparar-se de alguma forma para a possibilidade de elas acontecerem?

Sim, uma anamnese dirigida e cuidadosa é essencial. Algumas perguntas fundamentais a serem feitas são: “Você tem ou já teve diagnóstico de epilepsia ou convulsões?”; “Faz uso de medicamentos anticonvulsivantes?”; “Quando foi sua última crise?”; “Há algum fator (jejum, luz, estresse, medo, ansiedade ao tratamento etc.) capaz de desencadear essas crises?”; “Já teve crises durante procedimentos médicos ou odontológicos?”; e “Costuma apresentar sinais (aura) antes de uma crise?”. Essas perguntas permitem planejar o atendimento com segurança e evitar situações de risco.

O paciente pode apresentar sinais antes de uma convulsão acontecer?

Sim, algumas pessoas, previamente à crise convulsiva, podem gritar, e isso acaba ocorrendo porque a glote tem um espasmo. Logo em seguida, elas perdem a consciência. Outras pessoas relatam ter, antes da crise, sintomas premonitórios, chamados de aura, como alterações visuais, auditivas ou gustativas; olhar fixo, confusão súbita; movimentos involuntários ou espasmos musculares, queda da cabeça ou rigidez; alterações no padrão de respiração; ansiedade súbita ou alteração do humor; visão embaçada ou piscadas frequentes; formigamento em membros e percepção de odores estranhos. Identificar esses sinais permite interromper o atendimento a tempo e proteger o paciente. É importante também estar atento à ocorrência de mudança súbita no olhar, lentidão nas respostas ou desorientação.

Quais medidas preventivas podem ser tomadas ao atender pacientes que apresentam histórico de crises convulsivas?

A preferência deve ser por agendar consultas curtas e pela manhã, quando há menor risco de fadiga e estresse. É importante confirmar o uso correto da medicação anticonvulsivante, orientar o paciente a evitar fazer jejum prolongado e manter o ambiente calmo, com baixa luminosidade e ruído. Além disso, evite manejar instrumentos como agulhas de anestesia e bisturis na frente do paciente e controle a anestesia, evitando dor intensa. Em casos indicados, o cirurgião-dentista pode usar sedação leve, como óxido nitroso. O uso de benzodiazepínicos deve ser feito sob pleno domínio do cirurgião-dentista, em situações avaliadas individualmente. Na dúvida, o profissional pode solicitar parecer médico. Manter a cadeira em posição semi-reclinada também pode ajudar.

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