Pesquisa e Tendências

Entramos na era do "doutor IA"?

Pesquisa mostra que a Inteligência Artificial pode fazer diagnósticos de gengivite tão bem quanto humanos

A Inteligência Artificial (IA) vem sendo utilizada com frequência cada vez maior na Odontologia e na Medicina tanto como método auxiliar como para aumentar a precisão de diagnósticos e prevenir doenças, identificando condições que podem resultar em complicações de saúde. Para a Periodontia, um dos maiores desafios se encontra na conscientização da população de que o acúmulo prolongado (até 5 dias) de placa bacteriana nos dentes, causado pelo uso inadequado da escova e do fio dental, leva à inflamação do tecido gengival. Sem essa conscientização, as pessoas tendem a não pensar de forma preventiva, e só procuram assistência quando surge um problema grave, no caso, quando a gengivite evolui para a periodontite, comprometendo o suporte ósseo do dente.

A ironia é que, embora o diagnóstico da condição seja facilmente realizado em um exame clínico, a prevalência da doença periodontal (gengivite + periodontite) é alta em seres humanos, mostrando que somente a “limpeza periódica” não é eficaz no controle da doença sem as medidas preventivas de autocuidado, que envolvem bons hábitos de higiene oral e dieta adequada.

A Inteligência Artificial já vem sendo utilizada para analisar fotografias com o intuito de identificar infecções nas margens gengivais. Havia, no entanto, dúvidas quanto à acuidade desse método de diagnóstico. Seria a tecnologia capaz de obter um resultado equivalente ao de um exame clínico, substituindo o trabalho do cirurgião-dentista? Um estudo realizado na Universidade de Hong Kong, na China, e publicado em 2023 no International Dental Journal, concluiu que sim.

Os pesquisadores coletaram fotografias intraorais frontais de 567 pacientes adultos, das quais 80% foram usadas para treinar o modelo de IA. A tecnologia utilizada para desenvolver a IA foi a DeepLabv3+, uma arquitetura de rede neural que faz a segmentação semântica de imagens, ou seja, que atribui uma marca ou rótulo específico a cada pixel de uma imagem.

No estudo de Hong Kong, a IA foi alimentada com os dados das marcações de áreas saudáveis, doentes ou questionáveis feitas por um mesmo cirurgião-dentista em cada uma das imagens selecionadas para o processo de treinamento. Depois, na fase de validação, a IA valeu-se do “conhecimento” adquirido para analisar as fotografias dos pacientes restantes, 114 no total, identificando as margens gengivais segundo as mesmas classificações.

O resultado foi considerado excelente, considerando-se os critérios de sensibilidade e especificidade. A alta sensibilidade é a capacidade de registrar como doente qualquer área em que há gengivite, enquanto a alta especificidade é a capacidade de registrar como saudável qualquer área em que não há gengivite.

A IA previu corretamente os pixels de áreas doentes e saudáveis com sensibilidade de 0,92 e especificidade de 0,94, em uma escala de 0 a 1 — um desempenho muito próximo ao de um exame visual feito por um cirurgião-dentista humano. Um desempenho de 0,9 já seria considerado um diagnóstico de excelente acuidade.

A pesquisa comprovou, assim, que um sistema de IA desenvolvido com a tecnologia DeepLabv3+, depois de alimentada com uma quantidade adequada de imagens da parte interna da boca já com as avaliações das margens gengivais doentes e saudáveis, é capaz de fazer novos diagnósticos com um desempenho equivalente ao de um humano, com potencial para ser usada em um controle mais contínuo e frequente de doenças periodontais.

Considerando-se que as doenças periodontais, segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), afetam metade da população mundial, das quais um terço com gravidade, a popularização do uso da IA, também chamada de Odontologia Digital Automatizada ou Odontologia 4.0, caminha para se tornar uma aliada fundamental na melhoria da saúde bucal.

PARA SABER MAIS:

Chau RCW, Li GH, Tew IM, Thu KM, McGrath C, Lo WL, Ling WK, Hsung RT, Lam WYH. Accuracy of artificial intelligence-based photographic detection of gingivitis. Int Dent J. 2023;73(5):724-30.

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