OBE

Halitose e doença periodontal

Saiba qual a relação entre elas e a melhor forma de tratamento para o mau odor oral

Emerson Nakao
Rodolfo Francisco Haltenhoff Melani
Caroline Teggi Schwartzkopf

A halitose é definida como um hálito repugnante para os outros e tem sua origem em uma variedade de razões, incluindo a doença periodontal, o revestimento bacteriano da língua, doenças sistêmicas e a ingestão de diferentes tipos de comida, sendo uma das queixas mais frequentes dos pacientes ao cirurgião-dentista.1

O aumento na quantidade de bactérias na boca e resíduos alimentares que não são devidamente removidos explicam melhora na causa,2 tornando possível considerar que de 80% a 90% dos fatores etiológicos da halitose encontram-se na cavidade bucal,1,3,4 na língua, nos tecidos gengivais ou em ambos.1,5 Ela se inicia em locais de maior acúmulo de bactérias, como o dorso posterior da língua,1,4 que também recebe gotejamento nasal, sítios periodontais (sulco gengival e bolsas periodontais), espaços interdentários, restaurações defeituosas (superfícies não lisas e retentivas), lesões cariosas profundas e próteses inadequadas (desadaptadas, ásperas, quebradas e sem manutenção periódica).4 E, como a maioria dos fatores causais encontra-se na boca, o cirurgião-dentista é o profissional mais indicado para prevenir e tratar a halitose,6 o que torna fundamental que entenda as relações que ela estabelece com outras doenças.

Embora a literatura sobre prevalência da halitose apresente muitas variações em diferentes populações no mundo (50% nos EUA, 23% na China, cerca de 28% na Índia,7 50% a 60% da população mundial,2 31,8% da população mundial com tendência de aumento na prevalência6), estima-se que afete um número significativo de brasileiros, uma vez que a doença periodontal atinge cerca de metade da população,8 sendo uma condição comum que chama a atenção de pacientes e profissionais (cirurgiões-dentistas e médicos). Mais do que causar desvantagens e estigmas psicológicos (perda de autoconfiança) e sociais a quem sofre do problema, afetando suas relações pessoais e profissionais,2,5 também é um indicador para doenças sistêmica se bucais.2,3

Para entender a relação entre a doença periodontal e a halitose é preciso saber que os compostos voláteis de enxofre (CVE), como o sulfeto de hidrogênio (H2S) e o metil mercaptano (CH3SH), são os principais componentes do mau odor oral e são produzidos como produtos finais dos processos proteolíticos dos microrganismos orais, principalmente bactérias anaeróbiasgram-negativas.5,9 Os microrganismos e produtos inflamatórios presentes na gengivite e periodontite são capazes de produzir substâncias odoríferas voláteis, conhecidas como compostos derivados do enxofre,5 e as bolsas periodontais são o ambiente ideal para a produção dos CVEs, substâncias que também estão relacionadas à aceleração da destruição dos tecidos periodontais segundo alguns estudos, sendo seus níveis proporcionais à quantidade e à profundidade de bolsas periodontais, o que sugere uma relação de retroalimentação entre a doença periodontal e a halitose.

Evidências apontam que há uma formação quatro vezes maior de saburra lingual em doentes periodontais quando comparados a indivíduos sadios e que o mau cheiro está principalmente relacionado a esse acúmulo, mais do que à doença periodontal, que pode ser vista nesse contexto como um fator que favorece a formação dos CVEs no ambiente intrabucal.5

Entendido o processo da origem da halitose e sua relação coma doença periodontal, a forma de abordar o problema começa a ficar mais clara. Basicamente, a estratégia consiste em eliminar e evitar continuamente qualquer acúmulo do biofilme intrabucal. Assim, uma correta higienização diária dos dentes e da língua são essenciais para o sucesso do tratamento. Tratar da doença periodontal, restaurar direta ou indiretamente cavidades dentárias e mantê-las polidas, orientar o paciente a fazer uma adequada higiene bucal, incluindo a da língua, é tratar da halitose. A classificação proposta pelo Consenso Internacional sobre Halitose1 e o fluxograma de gerenciamento da halitose proposto por Kapoor 2016 auxiliam bastante na escolha da estratégia (Fig. 1).

Árvore de decisões – Halitose

Recomendações para o tratamento da halitose sob as condições encontradas na prática da clínica geral

Tratamento necessário (TN)

TN1

Esclarecimentos sobre a halitose e orientações para higiene oral, incluindo limpeza da língua e utilização de meios complementares, como o colutório.

TN2

Profilaxia profissional e tratamento de condições patológicas orais, se presentes (periodontite).

TN3

Encaminhamento para um médico, especialista ou grupo multidisciplinar.

TN4

Esclarecimento dos dados do exame, orientação profissional, educação e reforço.

TN5

Encaminhamento ao psicólogo, psiquiatra ou outro especialista da psicologia.

Tratamento


DIAGNÓSTICO

TN1

TN2

TN3

TN4

TN5

Halitose intraoral

Halitose extraoral


Pseudo-halitose


Halitofobia


Fonte: Consenso Internacional sobre Halitose1

Uma revisão sistemática Cochrane2 sobre halitose foi atualizada em 2019, incluiu 44 estudos comparando um total de 8 intervenções para controle e tratamento da halitose em 1.809 pacientes entre 17 e 77 anos de idade. Limpeza mecânica (limpadores de língua e escovas), goma de mascar, agentes de uso sistêmico, agentes de uso tópico, cremes dentais, colutórios e a combinação de diferentes tratamentos foram comparados. O nível de certeza encontrado nesses achados foi baixo, o que leva à conclusão de que nenhuma das formas estudadas pode ser considerada melhor que a outra no controle da halitose.

Prof. Dr. Emerson Nakao 

Mestre e Especialista em Prótese Dentária e professor da FFO-Fundecto, fundação conveniada à Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Fousp)

Prof. Dr. Rodolfo Francisco
Haltenhoff Melani

Professor associado do Departamento de Odontologia Social e responsável pela área de Odontologia Legal do Programa de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas, ambos na Fousp

Prof. Dra. Caroline Teggi Schwartzkopf

Especialista em Periodontia e Prótese e mestranda em Periodontia pela Universidade Paris VII

REFERÊNCIAS

  1.  Seemann R, Conceicao MD, Filippi A, Greenman J, et al. Halitosis management by the general dental practitioner – results of an international consensus workshop.
    J Breath Res. 2014;8(1):017101. doi: 10.1088/1752-7155/8/1/017101.
  2. Nagraj SK, Eachempati P, Uma E, Pal Singh V, Ismail NM, Varghese E. Interventions for managing halitosis. Cochrane Database of Syst Rev [Internet]. 2019 [acesso em 2020 Dez 20];12:CD012213. doi: 10.1002/14651858.CD012213.pub2. Disponível em: https://dx.doi.org/10.1002%2F14651858.CD012213.pub2.
  3.  Abdullah MA, Alasqah M, Sanaa MS, Gufran K. The relationship between volatile sulfur compounds and the severity of chronic periodontitis: a cross-sectional study. J Pharm Bioallied Sci. 2020 Aug;12(Suppl 1):S268-73. Epub 2020 Aug 28. doi: 10.4103/jpbs.JPBS_81_20.
  4.  De Geest S, Laleman I, Teughels W, Dekeyser C, Quirynen M. Periodontal diseases as a source of halitosis: a review of the evidence and treatment approaches for dentists and dental hygienists. Periodontol 2000. 2016;71(1):213-27. doi: 10.1111/prd.12111.
  5.  Morita M, Wang HL. Association between oral malodor and adult periodontitis: a review. J Clin Periodontol. 2001;28:813-9. doi: 10.1034/j1600-051x.2001.028009813.x.
  6.  Silva MF, Leite FRM, Ferreira LB, Pola NM, Scannapieco FA, Demarco FF, Nascimento GG. Estimated prevalence of halitosis: a systematic review and meta-regression analysis. Clin Oral Invest. 2018;22:47-55.
    doi:  10.1007/s00784-017-2164-5.
  7. Kapoor U, Sharma G, Juneja M, Nagpal A. Halitosis: current concepts ono etiology, diagnosis and management. Eur J Dent 2016;10(2):292-300. doi: 10.4103/1305-7456.178294.
  8. Ministério da Saúde (Brasil). SB Brasil 2010: Pesquisa Nacional de Saúde Bucal – resultados principais. Brasília: Secretaria de Atenção à Saúde (Brasil); 2012. 116p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pesquisa_nacional_saude_bucal.pdf.
  9. Suzuki N, Yoneda M, Takeshita T, Hirofuji T, Hanioka T. Induction and inhibition of oral malodor. Mol Oral Microbiol [Internet]. 2019 [acesso em 2020 Dez 20];34:85-96. doi: 10.1111/omi.12259. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/omi.12259.
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