Medo de dentista

O medo do tratamento odontológico chega a acometer 1 em cada 5 pacientes e, nos casos mais graves, pode até impedir que a pessoa receba os cuidados necessários. A boa notícia é que as alternativas à disposição dos cirurgiões–dentistas para lidar com a odontofobia são cada vez mais numerosas

É absolutamente normal ficar apreensivo quando chega a data da visita ao cirurgião-dentista. Mesmo um adulto que já fez diversas consultas odontológicas pode sentir ansiedade nesse momento, desencadeada talvez pela possibilidade de descobrir que será necessário passar por um procedimento desagradável ou pela simples lembrança da agulha da anestesia.


Um pouco de ansiedade, que não impeça nem atrase a ida ao consultório, não preocupa tanto e pode ser aliviado com uma conversa do cirurgião-dentista para tranquilizar o paciente. Mas estudos mostram que entre 15% e 20% da população de fato têm medo do atendimento dentário e que de 3% a 5% têm um temor desproporcional do tratamento ou do próprio cirurgião-dentista. Essa parcela minoritária — mas ainda assim significativa — é a que sofre de fobia odontológica, também chamada de odontofobia. Em alguns casos, a odontofobia chega a inviabilizar o tratamento, motivo pelo qual o tema merece a atenção de cirurgiões-dentistas.


Com o avanço nas técnicas que permitem resolver problemas bucais sem procedimentos invasivos e que possibilitam aliviar incômodo e dor durante o tratamento odontológico, o medo exacerbado de cirurgiões-dentistas é considerado um fenômeno em queda.

A pandemia de Covid-19 acendeu um alerta para a possibilidade de haver um novo gatilho para a odontofobia, pelo medo de que o consultório pudesse ser um local propenso ao contágio. A experiência de muitos profissionais, porém, tem sido de que isso não ocorreu, graças aos cuidados redobrados com equipamentos de proteção individual (EPI) e higienização que foram incorporados à rotina dos consultórios.

Da ansiedade à fobia

Existem diferentes graus de ansiedade odontológica. Em suas manifestações extremas, ela pode ser classificada como odontofobia, que é considerada pela psiquiatria uma fobia específica. Tal como o medo exagerado de avião ou de água, a odontofobia é um medo desproporcional e persistente que impede a pessoa de enfrentar a situação da qual tem pavor. Na literatura acadêmica, existem alguns métodos para avaliar o grau de ansiedade odontológica. O mais conhecido é o questionário desenvolvido por Norman Corah em 1969 para ser submetido aos pacientes, que divide o diagnóstico em quatro graus de ansiedade, sendo que a maior faixa de pontuação pode ser classificada como fobia.


Há outras formas de identificar um paciente odontofóbico. “Ele costuma ter reações descontroladas ao iniciar o tratamento, que podem se manifestar, por exemplo, em uma crise de choro, na incapacidade de abrir a boca para que o profissional possa examiná-la ou simplesmente no impulso de se levantar da cadeira e fugir”, diz o cirurgião bucomaxilofacial Renato Aló da Fontoura, coordenador dos cursos de pós-graduação em implantologia e cirurgia do Certo Odontologia, no Rio de Janeiro, e autor do livro Terapêutica e Protocolos Medicamentosos em Odontologia.


Ao suspeitar de um caso de odontofobia, Fontoura diz que costuma conversar com o paciente e acalmá-lo, dizendo que naquele dia nenhum procedimento vai ser realizado. Ao final da consulta, ele pede para medir a pressão arterial. Na consulta seguinte, faz nova medição e, se a pressão estiver muito mais alta do que na vez anterior, conclui que se trata de um caso de odontofobia.

Múltiplas opções de tratamento

O primeiro passo para reduzir a ansiedade é criar um ambiente receptivo, que não se pareça com um hospital. Alguns cirurgiões-dentistas também têm evitado usar jalecos brancos, associados à atmosfera hospitalar, trocando-os por azuis ou de outra cor. 

A relação que se deve estabelecer com os pacientes é a de confiança, evitando o que Fontoura chama de “síndrome do ‘inho’”, ou seja, a propensão de muitos cirurgiões-dentistas de minimizar os procedimentos a serem realizados, descrevendo-os com palavras no diminutivo: “dorzinha”, “obturaçãozinha” etc.

“Quando o paciente tem medo ou fobia odontológica, devem-se sugerir a ele as opções disponíveis para lidar com o problema e viabilizar o tratamento. Essa é uma decisão conjunta entre cirurgião-dentista e paciente”, afirma a odontopediatra Amélia Mamede, de Salvador (BA), diretora de Promoção de Saúde da Associação Brasileira de Odontologia (ABO). E as opções para lidar com a odontofobia, felizmente, são cada vez mais numerosas e eficazes (veja no quadro que abre esta reportagem).

Quando a fobia é identificada antes da necessidade de realização de procedimentos odontológicos mais complexos, indica-se um acompanhamento com psicoterapeuta, para ir a fundo na causa do problema. O tempo desse tratamento, porém, varia muito, e pode ser necessário complementá-lo com a ajuda de um psiquiatra, que tem à disposição instrumentos de efeito mais imediato, receitando medicamentos específicos para reduzir a ansiedade.

A acupuntura e a homeopatia são duas especialidades odontológicas reconhecidas pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO) que podem auxiliar na redução de ansiedade e medo do tratamento odontológico, justamente por serem indicadas no tratamento de problemas crônicos.

Assim como na psicoterapia, na homeopatia procura-se compreender o paciente como um todo e ir na raiz do problema. É cada vez mais comum encontrar no Brasil cirurgiões-dentistas que se especializaram em acupuntura ou homeopatia, ou ambas, para oferecer essas técnicas como complemento em seus consultórios.

A odontofobia é um medo desproporcional e persistente que impede a pessoa de enfrentar a situação da qual tem pavor: o tratamento odontológico

Tipos de sedação

Para muitos pacientes com medo ou fobia, a única maneira de conseguir se submeter ao tratamento odontológico é por meio da sedação, que pode ser consciente (quando o paciente mantém a capacidade de se comunicar e de reagir a estímulos físicos) ou inconsciente (a anesteria geral).

Amélia Mamede considera a hipnose uma forma de sedação consciente. “É uma técnica reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e indicada para doenças crônicas e emocionais. Pode ser feita dentro do consultório odontológico pelo próprio cirurgião-dentista capacitado, para a diminuição do medo e a aceitação do tratamento”, diz Mamede. A ABO oferece cursos de capacitação em hipnose para aplicação em Odontologia. Alternativamente, o cirurgião-dentista pode buscar um profissional especializado para realizar o procedimento em seu consultório.


Renato Aló da Fontoura já testemunhou a eficácia da hipnose, útil, por exemplo, para pacientes que têm fobia de anestesia, mas destaca que se trata de um tipo de sedação fraca, tal como a sedação oral com benzodiazepínicos e a sedação inalatória com óxido nitroso — também muito usados para possibilitar o tratamento de pacientes com odontofobia, além de reduzir a sensibilidade à dor.


Um efeito mais profundo pode ser obtido com sedação venosa, que exige a ida de um médico anestesista ao consultório.
Em último caso, quando a odontofobia se revela tão grave que nenhuma dessas intervenções mencionadas se mostra capaz de viabilizar o tratamento, pode ser necessário levar o paciente a um centro cirúrgico em um hospital para que receba anestesia geral. É a sedação inconsciente.


No Brasil, a sedação ainda não é uma realidade tão disseminada nos tratamentos odontológicos como ocorre nos consultórios americanos. Segundo Fontoura, nos Estados Unidos, mais de 95% dos procedimentos são feitos com pacientes sedados. No Brasil, a porcentagem não chega a 1%. Ele considera que, mais do que a busca pelo conforto do paciente, a sedação é necessária como uma medida de segurança, principalmente para quem tem problemas de saúde, como diabetes e hipertensão.

O cirurgião-dentista como ameaça

A odontofobia pode estar relacionada a aspectos específicos do tratamento odontológico, como o medo de sentir dor, medo de agulha, medo dos instrumentos ou de seus ruídos, medo do consultório, medo de ficar com a boca aberta durante muito tempo ou de esgasgar e medo da própria figura do cirurgião-dentista. Em qualquer caso, é importante compreender a origem da fobia. De maneira geral, ela pode ter sido causada por uma ou mais experiências negativas durante tratamentos dentários ou por experiências indiretas, ou seja, pelo relato de outras pessoas.


Uma criança que demonstra ansiedade exacerbada em ir ao cirurgião-dentista, por exemplo, pode ter absorvido as experiências ruins relatadas por parentes ou está reagindo a uma estratégia dos pais de usar o tratamento como ameaça: “Escove os dentes, senão você vai ficar com os dentes podres e serei obrigado a te levar ao dentista para arrancar as cáries com uma broca!”.


A experiência dos irmãos também pode ter uma influência na atitude de uma criança em relação ao tratamento. Um estudo realizado na Universidade de Hong Kong e publicado em 2018 identificou uma incidência de ansiedade odontológica maior entre crianças que possuíam irmãos do que entre filhos únicos.


Geralmente, é possível identificar dois tipos de jovens adultos com odontofobia: aquele que tem tanto medo de ir ao cirurgião-dentista que se torna um obcecado por higiene bucal, na esperança de nunca precisar ir a um consultório, e aquele que, apesar da boa condição financeira, só busca tratamento quando os problemas se acumularam a ponto de não ser possível mais evitá-lo. Essa é uma das graves consequências da odontofobia: a não realização de procedimentos preventivos que poderiam evitar problemas odontológicos maiores.


Acabar com a fobia odontológica, portanto, passa por uma mudança cultural profunda, relacionada à atitude da sociedade em relação aos cirurgiões-dentistas. Esse processo está em curso. Crianças, adolescentes e jovens adultos, que não viveram a época em que os procedimentos eram mais dolorosos ou traumáticos, já não têm a mesma percepção negativa dos consultórios.


Pais e mães podem ajudar não usando os cirurgiões-dentistas como ameaça e levando seus filhos o mais cedo possível às primeiras consultas, mesmo que apenas para ações preventivas. Isso permitirá a formação de pacientes mais confiantes e menos suscetíveis à fobia odontológica.

Fontes: Inbenta e Globalbot
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