O impacto das RESINAS UNICROMÁTICAS na odontologia

Camaleões da restauração, esses compostos conseguem assumir a cor da estrutura ao seu redor. Mas, embora revolucionária, a tecnologia exige alguns cuidados

Quem é cirurgião-dentista conhece bem o amplo espectro de cores dos kits de resinas compostas e o estudo necessário para dominar a arte de fazer uma restauração da cor do dente de cada um de seus pacientes. Além da dedicação necessária para identificar e simular 50 tons de dentina, há a questão do estoque e da validade dos produtos: o desperdício se traduz em ônus para a clínica. Mas tudo começou a mudar em 2019, quando a marca japonesa Tokuyama lançou a Omnichroma, a primeira resina “universal”, de uma cor só. “Uma seringa única, com o apelo mercadológico de fazer qualquer restauração. Essa tecnologia trouxe muito benefício, porque reduz o estoque de resinas compostas, e isso é fantástico para o clínico”, resume Carlos Francci, professor do Departamento de Biomateriais e Biologia Oral da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP). Apesar de o termo “universais” ser usado pelas marcas dessas novas resinas em alguns sites especializados, principalmente em inglês, Francci explica que a palavra já foi usada corriqueiramente nos anos 1990 para se referir a resinas de uso em dentes posteriores e anteriores. Mas, de acordo com o rigor científico, o ideal é chamá-las de unicromáticas. Na entrevista a seguir, o professor conta quais são os diferenciais dessas resinas em relação às comuns, entre outras informações. Confira.

O que são resinas unicromáticas e como elas atuam?

No passado, a gente tinha kit de resina com 40 cores, por exemplo. Era comum ter uma aquarela de cores nas resinas compostas, sendo a Herculite XRV, da Kerr, a primeira a ter 38 cores. Ela oferece muitos recursos, mas acaba sendo um tanto burocrática. Isso porque, a princípio, o clínico tem de fazer uma curva de aprendizado com aquela marca, porque cada marca tem suas particularidades, até dominar bem os efeitos estéticos daquele kit. Nos últimos 10 anos, com a evolução dos tempos e dos materiais, especialmente as propriedades ópticas pelas cargas das resinas na parte inorgânica, passamos a ter uma diminuição do número de cores. Então, os kits mais recentes não tinham mais do que 20.

Já a resina unicromática é composta de uma cor só. Uma seringa única, com o apelo mercadológico de fazer qualquer restauração. Durante o lançamento, no International Dental Show, em Colônia, na Alemanha, a empresa japonesa mostrou que estava falando sério sobre o que chamamos de “efeito camaleão”, isto é, mimetizar a cor da estrutura ao redor, como o animal.

Quais são os diferenciais delas em relação às resinas compostas comuns?

Por meio de uma tecnologia das suas cargas, a resina unicromática “puxa” a cor da estrutura dental para si, o que traz uma grande vantagem. Em primeiro lugar, porque o clínico não precisa pensar na cor, é só pegar essa resina e aplicá-la diretamente na cavidade, com um efeito cromático muito bom. Essa tecnologia trouxe muito benefício, porque reduz o estoque de resinas compostas, e isso é fantástico para o clínico. Antes, havia bastante desperdício, porque muitas cores não eram utilizadas. Nesse contexto, a resina unicromática simplifica não só a técnica, como o estoque e os gastos da clínica em relação ao material da resina composta.

Em quais casos são indicadas?

As resinas unicromáticas podem ser utilizadas em qualquer situação, em dentes posteriores e dentes anteriores, porque apresentam boas propriedades em geral. São resinas micro-híbridas, ou nano-híbridas, ou submicro-híbridas, ou seja, têm boas propriedades mecânicas, resistindo ao corte do alimento em dentes anteriores e à mastigação em dentes posteriores. A Charisma One, fabricada pela Kulzer, por exemplo, tem uso recomendado apenas em dente posterior. A Vittra Unique, da FGM, e a Omnichroma, da Tokuyama, podem ser utilizadas sem problemas em dentes anteriores e posteriores, sempre respeitando a questão do substrato de restaurações mais profundas.

E quando não são indicadas?

Nem tudo são flores. O clínico, quando lança mão dessas resinas, precisa ter consciência da sua limitação. Se a gente tem uma estrutura que é (cor) A2, por exemplo, e quer uma restauração A2, excelente. Mas se a gente tem uma estrutura que é pigmentada por amálgama e coloca a resina, ela vai “puxar” essa cor para a superfície. Do mesmo modo, se a cavidade é classe 5 (de lesão cervical, que está no dente, bem junto da raiz e da gengiva) com (cor) A4 na estrutura dentinária, e o dente é A2, ele vai “puxar” a cor A4 para a superfície. Vai ficar ruim. As unicromáticas são resinas com maior translucidez. Por isso, se a cavidade é profunda, a cor tende a ficar mais acinzentada e com menor luminosidade. Então, nós temos de usar uma resina composta opaca, ou também cor de dentina, para depois aplicar a unicromática na superfície. Assim, a restauração fica um espetáculo. Por isso, é bom que a clínica também tenha resina composta na cor de dentina, com boa opacidade e uma variação que seja desde uma cor para dentes clareados até uma mais saturada, para a região cervical de pacientes de odontogeriatria.

Onde essas resinas estão sendo produzidas e quais marcas estão disponíveis no mercado?

Depois da primeira do mercado, da Tokuyama, tivemos o lançamento no Brasil da Vittra Unique, fabricada em Joinville pela FGM, e da Charisma One, fabricada pela Kulzer, na Alemanha. Há também a Atos Unichroma, fabricada pela Smart Dent, outra empresa nacional localizada em São Carlos (SP), que a gente teve a oportunidade de fazer caso clínico no momento do lançamento.

Elas são uma tendência de mercado?

As resinas unicromáticas são uma forte tendência de mercado, sim. Como professores, percebemos o clínico ainda muito inseguro, porque ele tem de manipular, trabalhar em manequins e aí, sim, aplicar. Então, os cursos de formação são importantes para se ter o domínio técnico desse material. No meu ponto de vista, especialmente nas clínicas de alto giro, são materiais que vieram para ficar. São o suprassumo da tecnologia bem desenvolvida.

Elas já estão acessíveis economicamente para a maioria dos cirurgiões-dentistas e pacientes?

Sim, elas não têm um valor muito diferenciado em relação às resinas comuns. É óbvio que se considerarmos uma que é fabricada no Japão, que tem todo um custo de transporte e importação, ela não terá o mesmo preço que aquela fabricada aqui no Brasil. Mas, quando a gente faz a comparação inteligente, comparando uma seringa do sistema de cores regular com uma da unicromática, em geral, os preços não são muito diferentes.

Qual será o impacto na indústria com a sua popularização?

Excelente! A indústria trabalha sempre no caminho de facilitar a vida do cirurgião-dentista, é uma parceira dele. E, a partir do momento que facilita o aprendizado, a escolha da cor e põe a tecnologia a favor do dentista, essa parceria só tem a trazer ganho para os dois lados. Então, a indústria simplifica e barateia a sua fabricação ao produzir muito mais a resina unicromática e menos as outas. Toda tecnologia inovadora tem um valor agregado mais alto, mas, com a sua popularização, se diluem os custos de investimento e ela se torna mais acessível ao consumidor final.

Rolar para cima