O Registro Periodontal
Simplificado
A importância do RPS e a maneira correta de realizá-lo
Emerson Nakao
Rodolfo F. Haltenhoff Melani
A doença periodontal tem alta prevalência na população mundial, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), e é considerada como um dos principais agravos à saúde bucal no Brasil,1 reconhecidamente o maior motivo de perda dentária da população, sobretudo devido à falta de diagnóstico precoce.2
Pacientes que apresentam dentes sem acúmulo de placa bacteriana ou sem sangramento à sondagem são exceções nos consultórios. A abordagem dessa doença pelos profissionais se dá fundamentalmente por dois métodos: a prevenção e o tratamento. A prevenção é aquela que diz respeito à causa do problema e consiste em ensinar o paciente a limpar seus dentes de maneira correta e a manter essa prática em sua casa. O tratamento, por sua vez, consiste em intervir nas consequências advindas da má higienização, como, por exemplo, o sangramento gengival, o mau hálito, a perda de inserção, a mobilidade aumentada dos dentes, a formação e o acúmulo de cálculo supra e subgengival, e a perda dentária. É importante ressaltar que a estratégia só tem resultados eficazes e duradouros quando ambos os métodos são empregados. Isso é saber diferenciar causa de consequência.
Quando realizamos um tratamento, precisamos de parâmetros indicativos de que sinais e sintomas de uma doença estão sendo gerenciados adequadamente. Além do conhecimento sobre a história natural da doença, ou seja, como ela se desenvolve e suas consequências, e como ela reage a determinadas intervenções, é necessário um meio de identificar e registrar esses dados, para que, de forma comparativa, seja possível o acompanhamento dos desdobramentos de nossas ações. Medir, torna-se essencial para que um resultado sólido seja atingido.
Lorde Kelvin, um dos cientistas britânicos que mais contribuiu para o desenvolvimento da ciência, baseou-se nos estudos de James Prescott Joule para criar uma escala termodinâmica absoluta batizada com o seu nome e utilizada até os dias de hoje. A Kelvin é atribuída a frase “Se você não pode medir, pesar ou expressar de forma quantitativa um problema, então você mal começou a pensar sobre ele de forma científica”. Mais tarde, essa frase foi adaptada para o meio corporativo, para algo como “Não se pode gerenciar algo que não se pode medir”, pelo austríaco Peter Drucker (1909–2005), considerado um dos expoentes da administração moderna.
Dessa forma, conhecer as consequências ou as manifestações clínicas da doença instalada passa a ser útil no gerenciamento de uma patologia.3 Torna-se um importante indicador de como o paciente está respondendo à terapia, ou ao modo como ela está sendo aplicada. Um periograma completo é extremamente útil e necessário ao abordar casos de periodontite, ao mesmo tempo que exige tempo e habilidade específica do profissional para preenchê-lo corretamente, possibilitando a extração de informações cruciais para o tratamento. Normalmente, ele é mais utilizado por especialistas em periodontia, nos casos mais avançados da doença. Entretanto, como mencionado anteriormente, prevenir o aparecimento da doença, assim como evitar sua evolução para casos mais graves, é essencial. Dessa forma, faz sentido nessa estratégia que clínicos gerais, e até mesmo especialistas de outras áreas, estejam capacitados a triar, saber o que fazer e, em casos mais complexos, encaminhar o paciente para um especialista.
Nesse contexto, utilizar índices é vantajoso, uma vez que eles são importantes ferramentas para medir, quantificar e, nesse caso, tratar a periodontite, sendo muito úteis tanto em estudos epidemiológicos (que têm como objetivo descrever o estado de saúde das populações, elucidar a etiologia das doenças, identificar fatores de risco, prever a ocorrência de doenças e auxiliar na prevenção e no controle delas) quanto em situações clínicas cotidianas.4 Um índice é a expressão numérica de uma condição que permite certo grau de entendimento das consequências da ação de uma doença em uma população, assim como a comparação com outras populações, gerando mais dados. Assim, utilizar índices é abordar a doença de forma científica, pois possibilita melhor gerenciamento.
Métodos clínicos eficientes e ágeis, com validade legal, que sejam simples de aplicar, que não exijam grandes investimentos em material e treinamento específico, e que ao mesmo tempo sejam eficientes são sempre bem-vindos, ainda mais em um cenário em que um cirurgião-dentista pode ser responsabilizado por não diagnosticar ou não conduzir adequadamente uma doença tão prevalente na população.
O REGISTRO PERIODONTAL SIMPLIFICADO (RPS)
O conceito de rastreamento periodontal surgiu em 1988, quando a Academia Americana de Periodontia (AAP) aprovou o desenvolvimento do Dia de Detecção de Doença Periodontal, em colaboração com a Associação Dentária Americana (ADA). O comitê da AAP decidiu adaptar o Índice Periodontal Comunitário para Necessidade de Tratamento — em inglês, Community Periodontal Index for Treatment Needs (CPITN), de 1982 — para um sistema de triagem e registro periodontal. Posteriormente, em 1990, esse método, o RPS, foi revisado e modificado pelo comitê da ADA, que o reconheceu publicamente, em 1991, como uma ferramenta útil para avaliar o estado periodontal dos pacientes. No ano seguinte, a Procter & Gamble Company (P&G) tornou-se a patrocinadora oficial do sistema RPS e ajudou na distribuição ativa de kits do programa de treinamento RPS e na promoção do sistema RPS entre os dentistas nos Estados Unidos de 1992 a 1994.5 Posteriormente, o sistema RPS tornou-se altamente popular nos Estados Unidos e a Canadian Dental Association e a Canadian Periodontist Association também adotaram o índice em agosto de 1995.6
O índice RPS divide a boca em seis sextantes (Fig. 1), e a maior pontuação em cada sextante da boca é determinada e registrada usando uma sonda RPS de plástico que tem uma ponta de esfera de 0,5 mm de diâmetro e uma banda codificada por cores que se estende de 3,5 mm a 5,5 mm da ponta. Os escores variam de 0 a 4. Cada código pode ter um asterisco (*) colocado dependendo da presença de anormalidades periodontais, como envolvimento de furca, mobilidade, problemas mucogengivais ou retrações gengivais. O código X é dado para sextantes com menos de dois dentes.6 Um estudo constatou que o RPS é, em média, nove vezes mais rápido do que uma avaliação convencional.7 Além disso, o escore do RPS mostrou associações significativas com a profundidade de sondagem e os níveis de inserção em comparação às radiografias.8
Tanto o Índice Periodontal Comunitário (IPC) — em inglês, Community Periodontal Index (CPI), de 1997 — quanto o RPS utilizam três indicadores das condições periodontais: o sangramento à sondagem, a presença de cálculos e outros fatores retentivos de placa bacteriana, e a profundidade do sulco à sondagem. Contudo, o RPS possui vantagens adicionais por determinar a presença ou a ausência de outros parâmetros não registrados pelo IPC, como comprometimento de furca, problema mucogengival, mobilidade dentária e recessão gengival determinada pela presença de um asterisco (*).9
Os pacientes parecem compreender melhor os valores numéricos utilizados no sistema RPS, especialmente quando recebem o folheto colorido do RPS após o exame. Como não existe um índice perfeito, o RPS pode subestimar o grau de envolvimento periodontal, assim como o código do asterisco não especifica qual método deve ser usado para detecção das anormalidades periodontais.6 Mas isso está longe de invalidar o método.
Como dito anteriormente, em 1992, a ADA, em associação com a AAP, sob o patrocínio da Procter & Gamble, desenvolveram o Periodontal Screening and Recording (PSR) ou Registro Periodontal Simplificado (RPS), uma modificação do CPITN,9 um índice que permite a identificação precoce da condição periodontal e o direcionamento a um tratamento, se necessário, por meio de um código numérico, obtido por um instrumento de medição, a sonda do tipo OMS-621 (Fig. 2), que deve ser inserida no sulco ou na bolsa e percorrida ao redor da circunferência de cada dente. Este método é a mesma técnica usada em um exame periodontal abrangente. No entanto, o sistema RPS é único na forma como a sonda é lida. O clínico precisa apenas observar a posição da faixa codificada por cores em relação à margem gengival. A faixa codificada por cores é comumente conhecida como marca de referência, que se estende entre 3,5 mm e 5,5 mm. Entre 0 e 3,5 mm de profundidade de sondagem, temos os códigos 0, 1 e 2. Valores de sondagem maiores que 3,5 mm denotam cuidados mais específicos, que vão além dos procedimentos básicos periodontais de conhecimento dos clínicos gerais, e são representados pelos códigos 3 e 4.
CÓDIGOS E PROCEDIMENTOS DO REGISTRO PERIODONTAL SIMPLIFICADO
Para cada área sondada, o clínico verificará se a faixa colorida está totalmente visível, parcialmente visível ou não visível, o que corresponde a um código numérico (indicador de quadro clínico periodontal) e a um conjunto de medidas a serem observadas durante a conduta (Tab. 1). Associando os dados de sondagem a outros critérios clínicos relacionados ao comportamento do tecido gengival prolongadamente exposto ao produto do metabolismo bacteriano, torna-se possível uma melhor visualização tanto do status periodontal do paciente, quanto da providência a ser tomada.
A presença de envolvimento de furca, mobilidade, problemas mucogengivais ou retrações também devem ser pontuados, assinalando o sextante com um asterisco (*). Após cada dente do sextante ter sido examinado, apenas o código mais alto obtido é registrado e apenas uma pontuação é registrada para cada sextante. Se um sextante apresentar menos de 2 dentes, um “X” é colocado. As medições são registradas por sextantes, conforme mostrado a seguir (Fig. 3):
Sextantes assinalados com código 0, 1 ou 2 podem apresentar anormalidades, como retração gengival ou mobilidade aumentada, mesmo sem depósitos de placa bacteriana, cálculo ou sangramento à sondagem. Nesses casos, deve-se marcar o sextante com um asterisco (*) para que essa condição seja pesquisada e acompanhada com mais atenção. Códigos 3 e 4 sinalizam maiores cuidados, pois a essa profundidade de sondagem a realização da higiene torna-se mais difícil de realizar e de se manter, e, a depender do conhecimento e das capacidades técnicas do cirurgião-dentista, esses casos podem ser encaminhados a especialistas.
Desde que a ADA e a AAP desenvolveram esse programa, o RPS foi considerado suficiente para monitorar as doenças periodontais. E esta é uma importante conclusão, pois falhas no diagnóstico dessas patologias podem resultar em comprometimento legal do profissional.10 Há uma grande vantagem do método do ponto de vista jurídico para adoção do RPS, visto que ele exercen papel de proteção ao cirurgião-dentista no caso de uma eventual desistência ou não aceitação do plano de tratamento periodontal por parte do paciente.9
Conclui-se que uma avaliação periodontal completa inclui a revisão completa das histórias médica e odontológica do paciente, bem como o registro dos achados gengivais, incluindo profundidades de sondagem, níveis clínicos de inserção, mobilidade e posição dentária, envolvimento de furca, sangramento à sondagem, relações oclusais e níveis ósseos, e é importante que todo paciente odontológico tenha seu estado de saúde periodontal avaliado regularmente por um cirurgião-dentista. A doença periodontal tem alta prevalência na população e vem sendo cada vez mais associada a condições sistêmicas importantes.
Destacam-se como vantagens desse método a simplicidade e a rapidez em sua realização, seu baixo custo e sua eficácia para a triagem da doença periodontal, além de seu valor jurídico.
REFERÊNCIAS
- Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Projeto SB Brasil 2010: Pesquisa Nacional de Saúde Bucal – Resultados principais. Brasília, DF, 2011.
- Löe H, Anerud A, Boysen H, Morrison E. Natural history of periodontal disease in man. Rapid, moderate and no loss of attachment in Sri Lankan laborers 14 to 46 years of age. J Clin Periodontol. 1986;13(5):431-45.
- Ainamo J, Barmes D, Beagrie G, Cutress T, Martin J, Sardo-Infirri J. Development of the World Health Organization (WHO) Community Periodontal Index of Treatment Needs (CPITN). Int Dent J. 1982;32(3):281-91.
- Albandar JM. Epidemiology and risk factors of periodontal diseases. Dent Clin N Am. 2005;49(3):517-32.
- Nasi JH. Background to, and implementation of, the Periodontal Screening and Recording (PSR) procedure in the USA. Int Dent J. 1994;44(5 Suppl 1):585-8. PMID: 7836014.
- Landry RG, Jean M. Periodontal Screening and Recording (PSR) Index: precursors, utility and limitations in a clinical setting. Int Dent J. 2002;52(1):35-40. doi: 10.1111/j.1875-595x.2002.tb00595.x. PMID: 11931220.
- Piazzini LF. Periodontal screening & recording (PSR) application in children and adolescent. J Clin Pediatr Dent. 1994;18(3):165-71. PMID: 8054300.
- Khocht A, Zohn H, Deasy M, Chang KM. Screening for periodontal disease: radiographs vs. PSR. J Am Dent Assoc. 1996 Jun;127(6):749-56. doi: 10.14219/jada.archive.1996.0310. PMID: 8708276.
- Tekavec MM, Tekavec CD. PSR provides new patient-management tool. Dent Econ. 1993;83(4):69-70, 72, 74. PMID: 8243753. 10. ADA and AAP introduce dentists to new time saving periodontal evaluation system. Va Dent J. 1992;69(4):16-7. PMID: 1308335.
- ADA and AAP introduce dentists to new time saving periodontal evaluation system. Va Dent J. 1992;69(4):16-7. PMID: 1308335.