Os danos colaterais da pandemia

Na retomada dos atendimentos, cirurgiões-dentistas recebem mais casos de dores maxilares e de cabeça, bruxismo e fratura

Por três meses, a odontopediatra Selma Sano Suga manteve seu consultório fechado devido à pandemia de Covid-19. Durante esse intervalo, monitorou à distância os pacientes em tratamento, para poder prestar o melhor atendimento em caso de urgência. “Dei dispensa para minhas funcionárias e vinha eventualmente sozinha ao consultório, ligava para as famílias e, quando necessário, dava orientações por telefone”, diz ela, que é professora da Fundação Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Fundecto-USP).

Para retomar os atendimentos, em julho, ela intensificou os cuidados e se armou seguindo à risca os novos protocolos de segurança. Reduziu o número de consultas pela metade (antes eram cerca de dez ao dia), ampliou o intervalo entre uma e outra para trinta minutos, durante os quais o ambiente é higienizado com hipoclorito, desligou o ar-condicionado, abriu as janelas. Além disso, passou a trabalhar com apenas uma de suas duas funcionárias e adotou todos os EPIs necessários: duas máscaras (cirúrgica e N95), óculos de proteção, face shield, touca e capuz, pijama cirúrgico e avental de tecido por baixo de outro avental descartável. Ninguém coloca o pé para dentro da recepção sem passar pelo termômetro e, em seguida, cobrir os calçados com propé. As crianças ainda são paramentadas com avental e óculos de proteção e só tiram a máscara quando estão na cadeira.

Graças aos cuidados, ela não registrou contaminação alguma por coronavírus em seu consultório, nem recebeu casos que se agravaram durante a quarentena. Só não ficou livre de uma das tantas consequências da pandemia: o medo de ir ao dentista.

É o que mostra também um levantamento realizado por pesquisadores da Faculdade de Odontologia da Uningá, em Maringá (PR). Eles enviaram 595 questionários a pacientes. Desse total, 59,5% foram preenchidos. Entre os pacientes que estavam em tratamento, um quarto relatou ficar ansioso com o contexto da pandemia, um quinto disse ter medo e um em cada dez afirmou sentir pânico. Além disso, 40% afirmaram que só iriam ao consultório em caso de urgência e 20% não iriam em hipótese alguma. “Uma de minhas pacientes, de 9 anos, simplesmente se recusa a vir. Só de falar sobre o tema, ela tem crises de choro”, diz Selma.

O reflexo disso tudo pode ser visto nos tipos de atendimento que têm sido realizados recentemente, no período em que a maior parte das regiões do país viveu uma flexibilização da quarentena. “Temos recebido um número bem maior de pacientes com dores articulares, bruxismo e dentes fraturados”, diz o professor doutor Giulio Gavini, vice-diretor da Faculdade de Odontologia da USP (Fousp). “Na maior parte dos casos, fica claro que essas ocorrências são consequências dos sentimentos causados pela pandemia, principalmente estresse e ansiedade”.

Um problema global

 

Tal cenário não é exclusividade brasileira. Em artigo publicado em setembro no jornal americano The New York Times, a dentista Tammy Chen diz ter estado mais ocupada do que nunca. E os atendimentos que realiza têm uma característica particular. Em seis semanas, relata ter visto mais fraturas do que nos seis anos anteriores. Durante o período em que precisou fechar o consultório para atender somente emergências, recebeu uma porção de telefonemas em que as pessoas se queixavam de dor maxilar, nas bochechas e de cabeça e sensibilidade nos dentes.

Um artigo publicado no periódico científico The Lancet também dá conta do problema usando um caso específico que ficou público no Reino Unido. No auge do lockdown, em abril, um homem de 33 anos, vítima de uma “dor excruciante”, tirou o próprio dente à moda antiga: em casa, com a ajuda do filho de 11 anos. À BBC, ele afirmou ter procurado ajuda, mas ouviu que só deveria ir ao dentista se estivesse sem conseguir respirar.

“Na maior parte dos casos [de bruxismo, dentes fraturados etc.], fica claro que essas ocorrências são consequências dos sentimentos causados pela pandemia”

As perdas de dentes seriam uma das sequelas do vírus?

 

Uma reportagem publicada também no The New York Times em novembro levanta uma hipótese que ainda não tem validação científica, mas merece ser observada. Um dos efeitos colaterais das infecções pelo novo coronavírus seria a queda de dentes em pacientes que têm queixas prévias de problemas odontológicos. O texto cita o caso específico de uma sobrevivente de Covid-19 cujo dente caiu sem causar dor ou sangramento e outros relatos colhidos em grupos de vítimas da doença em redes sociais.

Uma possível causa do problema seria a repercussão circulatória das infecções pelo vírus. Quanto a isso, William W. Li, presidente e diretor médico da Angiogenesis Foundation, uma organização sem fins lucrativos que estuda doenças nos vasos sanguíneos, afirma: “Nós estamos agora começando a examinar alguns sintomas desconcertantes e às vezes incapacitantes que os pacientes têm sofrido meses depois de se recuperar da Covid-19”, o que incluiria os problemas dentários e as perdas de dentes.

Informação: a alma da saúde

 

O papel dos profissionais nesse novo contexto de retomada das atividades durante a pandemia, é claro, é garantir a segurança dos atendimentos realizando com rigor o protocolo previsto pela Anvisa. O segundo passo, diz Giulio Gavini, “é informar os pacientes sobre o que está sendo feito para que percam o medo e deixem de atrasar ou não comparecer às consultas agendadas”.

Aos pais de seus pacientes, Selma Sano Suga, por exemplo, envia imagens por WhatsApp mostrando fotos em que aparece paramentada e legendas com a descrição de cada um dos EPIs. Outra ideia é espalhar cartazes pelo consultório com informações sobre os riscos de infecção e mostrando os cuidados que são tomados.

É sempre bom lembrar os cuidados

 

É imprescindível praticar as medidas de biossegurança recomendadas pelo Conselho Federal de Odontologia, cujos manuais atualizados estão disponíveis na internet (coronavirus.cfo.org.br). Veja aqui os destaques: 

Clínica
  • Ofereça máscaras cirúrgicas, álcool em gel 70% e lenços descartáveis.
  • Coloque cartazes informativos no ambiente. Você pode baixar e imprimir pôsteres em dentistaspelasaude.com.br/posters.
  • Faça sucção constante da saliva para diminuir aerossóis.
  • Evite usar seringa tríplice na forma de névoa/spray, acionando os dois botões
    simultaneamente.
  • Para limpeza de superfícies inanimadas, use: hipoclorito de sódio 1%; quaternário de amônio 7–9%; ácido peracético; ou álcool 70%.
  • Faça barreiras mecânicas com filmes de PVC ou sacos plásticos.
Cirurgião-dentista
  • Após cada atendimento, descarte o jaleco ou avental impermeável, a touca, a luva e a máscara cirúrgica.
  • Óculos protetores e face shields devem ser desinfetados a cada consulta e, depois, podem ser reutilizados.
  • Para higienizar roupas e pijamas cirúrgicos, deve-se imergi-los em solução de hipoclorito de sódio (roupas brancas) ou Lysoform® (coloridas). Lave-os separados de outras roupas.
  • Além da máscara cirúrgica, que deve ser usada em qualquer tipo de atendimento, utilize também uma máscara N95 ou PFF2 em procedimentos que geram aerossóis ou para atender pacientes confirmados ou com suspeita de Covid-19.
Equipe auxiliar*
  • Fazer higiene das mãos com água e sabonete líquido ou álcool em gel 70%.
  • Utilizar óculos de proteção ou face shield, máscara cirúrgica, avental, luvas e gorro.
Pacientes
  • Bolsas devem ser guardadas dentro de sacos plásticos.
  • Ofereça propé a todos os pacientes e acompanhantes.
  • Quem tem cabelos longos deve prendê-los.
  • Aconselhe que brincos, anéis e correntes devem ser evitados.
  • Oriente-os a lavar as mãos e o rosto por vinte segundos antes e após os atendimentos.
  • Aferir a temperatura dos pacientes e acompanhantes na entrada do consultório.
 

*Que prestem assistência a menos de 1 metro do paciente
Fonte: Conselho Federal de Odontologia

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