Pesquisa e Tendências

Periodontite e doenças sistêmicas

Pesquisas apontam relação entre inflamações bucais e doenças crônicas como diabetes, Alzheimer e câncer

Em outubro de 2021, a Federação Dentária Internacional (FDI World Dental Federation) publicou a nota “Por que e como integrar a saúde bucal em doenças não transmissíveis na cobertura universal de saúde”. Alinhada com o relatório “Visão 2030: Saúde Bucal para Todos”, que tem como meta a promoção de políticas universais para a saúde bucal, a nota apresenta evidências que associam a presença de doenças bucais em pacientes com doenças crônicas. As mais comuns, segundo artigo publicado na revista Biomedical Journal, são diabetes, alguns tipos de câncer, doenças cardiovasculares e Alzheimer.


Não se pode afirmar a existência de uma relação de causa e efeito entre doenças bucais e sistêmicas, mas ambas compartilham alguns determinantes sociais e fatores de riscos modificáveis (relacionados a maus hábitos alimentares, consumo de açúcar e álcool, tabagismo etc.). A associação também pode ser explicada pela presença da bactéria Porphyromonas gingivalis, encontrada em 85,75% das amostras de biofilme colhidas em pacientes com periodontite crônica, de acordo com a publicação Frontiers in Microbiology. Essas bactérias produzem endotoxinas, desequilibram o microbioma oral e espalham -se pela corrente sanguínea. Tal processo inflamatório pode exacerbar a condição de órgãos que já se encontram fragilizados e agravar as condições de saúde.

Recomendações e conscientização

A integração entre cuidados da saúde bucal e da saúde geral como política pública global é um dos pilares das metas propostas pela FDI para 2030. Alguns órgãos, já atentos às implicações de condições da saúde bucal em pacientes portadores de doenças sistêmicas, recomendam que o exame bucal faça parte do processo de avaliação de pacientes com insuficiência renal. A Fundação do Rim dos Estados Unidos sugere a adoção dessa medida a pacientes que estão na fila de transplante, levando em conta que estes podem ter o procedimento retardado e até mesmo cancelado quando apresentam outros quadros inflamatórios, entre os quais se inclui a periodontite.

No tratamento de pessoas com diabetes, doença que acomete 537 milhões de adultos no mundo, a cooperação entre médicos e dentistas é necessária para evitar um “efeito bumerangue” no que diz respeito à taxa glicêmica. Níveis descontrolados de açúcar no sangue podem predispor à doença periodontal, que, por sua vez, afeta negativamente os níveis de açúcar no sangue (inflamações subgengivais aparecem em muitas pesquisas associadas ao desenvolvimento da diabetes). Evidências científicas mostram que o tratamento de doenças periodontais pode baixar as taxas de hemoglobina glicada (HbA1C), que são importantes no controle da doença. Outros estudos em pacientes diabéticos mostram que a doença periodontal em estágio avançado se combina a doenças cardiovasculares, doenças renais e retinopatia.

Processos inflamatórios em câncer e Alzheimer

A periodontite é um fator de risco em doenças como o câncer, que aparece ligado a infecções crônicas e inflamações, e o Alzheimer, que possui uma forte relação com processos inflamatórios. A correlação entre periodontite e câncer aparece principalmente quando os órgãos afetados pela doença fazem parte dos sistemas digestivo e respiratório (as bactérias causadoras da periodontite podem migrar da boca para esses órgãos).

O Jornal do Instituto Nacional do Câncer, vinculado à Universidade de Oxford, publicou um estudo que compilou dados de 7.466 pessoas que passaram pelo programa de avaliação de risco de arteriosclerose em comunidades entre o final dos anos 90 e 2012. Foi constatado que pessoas com periodontite tinham um risco 24% maior de desenvolver câncer, principalmente de pulmão e colorretal. O risco aumentou para 28% em pacientes que não possuíam dentes.

Seguindo o mesmo raciocínio, pesquisadores da Escola de Saúde Pública T.H. Chan de Harvard detectaram um risco maior de desenvolver câncer de estômago e esôfago em pessoas com doenças gengivais. Segundo estudo realizado com cerca de 150 mil mulheres e homens publicado no jornal Gut em 2020, houve um aumento de 43% de risco de desenvolvimento de câncer no esôfago e de 53% de câncer no estômago quando comparado a pessoas que não possuem doenças bucais. Além dos fatores previamente citados, outra hipótese é que a falta de higiene oral e a periodontite interferem na transformação de nitritos em nitrosaminas, que são consideradas substâncias cancerígenas.

Os estudos que traçam relações entre a periodontite e o Alzheimer tiveram como alvo de pesquisas evidências diversas. O periódico Science Advances apresentou testes realizados em portadores de Alzheimer em que a bactéria Porphyromonas gingivalis foi
encontrada no cérebro e no líquido espinhal dos pacientes. Como a doença se caracteriza pela perda sináptica e pela morte neuronal em regiões do cérebro responsável por funções cognitivas e de memória, pessoas com esse diagnóstico podem ter a alimentação e a higiene bucal comprometidas. A inflamação na boca pode provocar e acentuar uma inflamação sistêmica e vice-versa.

Uma pesquisa realizada no Laboratório de Neuroimagem do Hospital de Clínicas da Unicamp também se concentrou na associação entre inflamação sistêmica e a diminuição da conectividade de redes neurais. Foi constatado que altas taxas de citocina (marcadores inflamatórios) no sangue propiciam a evolução de um comprometimento cognitivo leve para a doença de Alzheimer. Testes publicados pelo periódico Science Advances encontrou, no cérebro de pacientes com essa doença, gengivinas, enzimas essenciais para a bactéria Porphyromonas gingivalis e que prejudicam a formação de uma proteína necessária para o funcionamento neural normal.

Associação entre obesidade, Covid-19 e periodontite

Desde o surgimento da Covid-19, sabemos que a obesidade é um fator de risco de agravamento da doença. A associação entre obesidade e doenças periodontais em estágio avançado também é conhecida pelos profissionais de saúde. Em uma análise em retrospectiva de estudo realizado pelo UK Biobank com 59 mil participantes, dos quais 24,5% estavam diagnosticados com Covid-19, foi verificado que a doença periodontal em pacientes obesos e com Covid-19 aumentou o número de hospitalizações e taxas de mortalidade. As taxas de hospitalizações aumentaram 57% em obesos com doenças periodontais em comparação com pessoas que apresentavam apenas obesidade. A taxa de mortalidade mostrou-se mais alta de acordo com o índice de massa corporal e subiu ainda mais em casos de doença periodontal. Uma das razões que pode explicar essa correlação é que tanto a obesidade quanto a doença periodontal deixam o organismo mais propenso a inflamações.

Pesquisa da Universidade de Oxford constatou que pessoas com periodontite têm risco 24% maior de desenvolver câncer, principalmente de pulmão e colorretal

Saiba mais:

1. Glick M, Williams DM, Ben Yahya I, Bondioni E, Cheung WWM, Clark P, Jagait CK, Listl S, Mathur MR, Mossey P, Ogawa H, Seeberger GK, Sereny M, Séverin T. Vision 2030: Delivering optimal oral health for all. Geneva: FDI World Dental Federation; 2021.
2. who.int [Internet]. Genebra: World Health Organization. Oral Health; 2020 Mar 25 [acesso em 2022 Jan 05]. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/oral-health.
3. Lo CH, Kwon S, Wang L, Polychronidis G, Knudsen MD, Zhong R, Cao Y, Wu K, Ogino S, Giovannucci EL, Chan AT, Song M. Periodontal disease, tooth loss, and risk of oesophageal and gastric adenocarcinoma: a prospective study. Gut. 2021 Mar;70(3):620-21. doi: 10.1136/gutjnl-2020-321949. PMID: 32690603.
4. Dominy SS, Lynch C, Ermini F, Benedyk M, Marczyk A, Konradi A, et al. Porphyromonas gingivalis in Alzheimer’s disease brains: Evidence for disease causation and treatment with small-molecule inhibitors. Sci Adv. 2019 Jan 23;5(1):eaau3333. doi: 10.1126/sciadv.aau3333. PMID: 30746447; PMCID: PMC6357742.

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