Piercing e saúde bucal

Entrevista exclusiva com o professor pesquisador Clemens Walter, do Departamento de Periodontia da Universidade da Basileia, na Suíça, autor de um estudo que demonstra efeitos danosos do piercing na língua e nos lábios

As pesquisas e os estudos sobre a influência dos piercings na saúde bucal estão em constante desenvolvimento e já demonstraram que existem muitos riscos em usar essas joias e outros acessórios na boca. Os resultados mais recentes apontam que, além de ser um corpo estranho, o piercing interfere no comportamento bucal do paciente, aumentando e alterando movimentos tanto para ajustes de conforto como de interação da pessoa com o objeto.
“As pessoas que têm piercings na língua brincam com o objeto e acabam empurrando-o na direção dos dentes, especialmente os anteriores inferiores, o que pode causar algum tipo de trauma mecânico”, declarou o professor doutor Clemens Walter, coordenador de um estudo realizado na Universidade da Basileia na Suíça, que relacionou os riscos do uso do piercings na língua, à época de sua divulgação, em junho de 2018. Walter é cirurgião-dentista especializado em Periodontia e membro das sociedades suíça e alemã de Periodontia, além de diretor do programa de pós-graduação em Periodontia da Universidade da Basileia. Ele conversou com a Conexão Unna sobre suas pesquisas e conclusões.

Como foi realizado o estudo e quais foram seus principais achados e conclusões?
Para esse estudo específico, foram analisados 18 pacientes, 14 deles mulheres, com piercings na língua e/ou nos lábios. Eles foram recrutados entre uma base de dados de 1.400 pacientes que são atendidos nos serviços do nosso centro. A idade dessa amostra estava entre 28,3 anos e 36 anos. Três pessoas tinham os dois tipos de piercing, totalizando para o estudo 14 acessórios na língua e 7 nos lábios.

Os históricos de parâmetros clínicos de inflamação nas gengivas (achados periodontais) e o tempo máximo de uso das joias, tanto na língua quanto nos lábios, também foram levados em consideração. Os achados periodontais nos dentes que ficam mais perto dos piercings foram comparados aos dos dentes que não eram afetados pelo acessório e pudemos notar uma associação entre os piercings na boca e um aumento nas inflamações periodontais. Foram pontos tão evidentes como o aumento de sangramentos nas sondagens e o aumento da profundidade das sondagens combinados ou não com a perda de inserção. Quanto mais perto das joias estava o dente, mais afetado ele era pelos acessórios.

Foi possível identificar a quais fatores ou condições os problemas estavam associados?
De acordo com o meu conhecimento e experiência, o piercing por si só causa um efeito muito impactante em complicações periodontais, independentemente de outras variáveis. De toda forma, como aconteceria teoricamente com qualquer problema de ordem dental, os riscos aumentam à medida que outros fatores se mostram presentes, como por exemplo o tabagismo ou o fumo em geral e hábitos de higiene bucal insuficientes.

Então, não há modo “seguro” de usar o acessório?
Levando em conta esses pontos que coloquei, eu não acredito que exista a possibilidade de uso de piercings na boca sem riscos e, portanto, não recomendo que se coloque ou se mantenha o acessório na língua, nas bochechas ou nos lábios.

   Não acredito que exista a possibilidade de uso de piercings na boca sem riscos e, portanto, não recomendo que se coloque ou se mantenha o acessório em língua, bochechas ou lábios

Em outros estudos, parece haver um consenso de que os piercings de língua são mais prejudiciais que os de lábio ou de bochechas. O que levou a essa conclusão?
É isso mesmo. Aparentemente, há mais evidências que demonstram que as complicações mais severas são causadas pelos piercings e acessórios usados na língua. Entretanto, vale apontar que os problemas causados pelos piercings de língua são na maior parte das vezes localizados na própria língua. Já as complicações que são causadas pelos piercings localizados nos lábios, incluindo retração da gengiva, acabam tendo abrangência por toda a boca.  

O que os profissionais da Odontologia precisam observar para um bom atendimento de pessoas que usam piercings e, mesmo depois de saber dos riscos, optam por permanecer com o acessório?
É grande e vem crescendo o número de estudos referentes ao uso de acessórios na boca. Levando em conta os resultados e achados que esses estudos nos trazem, nós por aqui recomendamos a todos os pacientes atendidos pelo nosso centro de Odontologia que removam os seus piercings em prol de diminuir os riscos de problemas e complicações dentais e periondontais. No caso de o paciente continuar usando o piercing, o que eu sugiro, baseado na minha experiência clínica, é fazer uma consulta periódica e regular para checagem dos dentes e das gengivas, das bochechas e da língua, todos afetados pelo piercing, e lançar mão de avaliações clínicas e radiografias para controle.

O senhor e sua equipe deram prosseguimento aos estudos sobre os efeitos do piercing na saúde bucal? Quais são as novidades desde a publicação do estudo, em 2018?
Sim, estamos trabalhando continuamente nesse tópico de estudos. Neste momento, trabalhamos na criação de mais consciência sobre o uso de piercings e saúde oral. Recentemente, conduzimos uma revisão sistemática analisando as evidências que já foram publicadas sobre piercings e complicações periodontais. Praticamente todos os estudos demonstram que esses acessórios são perigosos para as gengivas e, aparentemente, há um impacto maior à medida que aumenta o tempo de uso dos piercings.

Dr. Clemens Walter
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