Prevenção em Odontologia para os agravos da COVID-19

A aplicação de métodos, materiais e correlatos para a correta higiene bucal, essencial para prevenir agravantes relacionados ao novo vírus

Vinicius Pedrazzi
Millena Mangueira Rocha
Fellipe Augusto Tocchini de Figueiredo

Convencionou-se, no decorrer desta pandemia de Covid-19, falar-se em um propalado “novo normal”. Isso, apesar de convencionado, soa-nos um tanto estranho, uma vez que, estaremos aplicando alguns hábitos que sempre deveríamos ter empregado, como lavar as mãos antes das refeições e antes de usar o sanitário, cobrir o rosto com as axilas ao tossir ou espirrar (e não com a dobra do antebraço e o braço) e utilizar máscaras quando estamos com alguma enfermidade que provoca disseminação de microrganismos por meio de gotículas oriundas do nariz ou da cavidade bucal.
É já de nosso amplo conhecimento que lavar as mãos com água e sabão1 remove a capa de gordura que envolve o vírus SARS-CoV-2, e, na ausência de local apropriado para a higienização das mãos (que deve ser realizada por 40 segundos), devemos fazer uso do álcool em gel a 70% — concentração que favorece a hidrólise das estruturas de microrganismos e é menos volátil que o álcool absoluto.2 Sabemos também que não se deve levar as mãos sujas às mucosas do rosto (oftálmicas, nasais e bucais).³
Porém, pouca (ou nenhuma) orientação recebemos sobre como mantermos adequadamente a nossa higiene bucal, uma vez que a porta de entrada da infecção é o trato respiratório superior: boca (dentes, gengivas, periodonto, língua), faringe (garganta) e pulmões, onde ocorrem os agravos.4
 
Se considerarmos ainda o pior dos cenários, em que pessoas contaminadas desenvolvam a síndrome respiratória aguda grave (SARS),5 a ventilação mecânica, o tempo de internação (CTIs, UTIs) e as seguidas inflamações e infecções pulmonares (pois o vírus inicia o processo, mas abre caminho para infecções bacterianas oportunistas, e muitas dessas bactérias estão presentes no ambiente da cavidade bucal — em especial nos biofilmes do dorso da língua [saburra lingual] e do periodonto) podem levar a agravos ainda piores e com desfechos clínicos sombrios.
Há fortes evidências científicas de que as pneumonias por aspiração6-15 têm sua etiologia nos biofilmes bucais que colonizam ecossistemas do dorso da língua e também dos tecidos periodontais dos dentes mais posteriores da cavidade bucal, pois muitas pneumonias bacterianas são o resultado da aspiração da microbiota da orofaringe para o trato respiratório inferior quando da má higiene ou em casos de baixa resistência imunológica — pacientes com comorbidades tendem a sofrer mais agravos. Essas pneumonias podem ser ainda mais graves quando adquiridas de forma nosocomial — “infecção hospitalar”.9;15
 
As pneumonias secundárias à infecção pela Covid-19 são um agravante aos quadros severos e críticos dessa doença (SARS). Essas pneumonias vêm geralmente acompanhadas por infecções secundárias bacterianas e fúngicas,16 em mais de 20% dos pacientes acometidos.17 Entre os fungos, um dos mais comumente encontrados é a espécie Candida albicans, além de bactérias como cocos Gram-positivos (por exemplo, Streptococcus pneumoniae) e bacilos Gram-negativos, como o Klebsiella pneumoniae.9
Portanto, para além de todos os cuidados que órgãos como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Anvisa nos têm orientado, torna-se ainda mais premente a orientação e a difusão do conhecimento sobre a correta e efetiva higiene bucal com o emprego do arsenal de que dispomos em termos de materiais dentários preventivos — higienizador do dorso da língua; fio/fita dental; escovas interdentais; escovas dentais; e dentifrícios e correlatos (enxaguantes bucais ou colutórios). Por óbvio, é imprescindível que essa higienização se inicie pela limpeza correta das mãos, pois elas vão conduzir essas matérias e correlatos para um contato muito íntimo com o sistema estomatognático.4;20-22 Assim, após higienizar as mãos:
 
  1. Higienizar o dorso da língua. Com higienizador específico ou mesmo escova de cerdas macias, tracionar o dispositivo a partir do “V” lingual (papilas valadas) para o ápice da língua, em três ações de “varredura”: 1/3 esquerdo; 1/3 central e 1/3 lado direito da língua (Figura 1).

Importante: a fim de evitar náusea (gag reflex) durante a higienização da língua, apreender a ponta (ápice) da língua com uma gaze limpa e tracionar a língua para fora da boca. Não haverá náusea.

 

 

Higienizador bucal

Fazer uso correto e rotineiro do fio dental e/ou de escovas interdentais quando indicadas para portadores de próteses parciais fixas dento ou implantossuportadas (antes da escovação com dentifrício).

Realizar a escovação dental com escova de cerdas macias e brancas (para visualizar se ocorre sangramento – sinal clínico de doença periodontal) e em conjunto com um dentifrício contendo flúor ou outros agentes terapêuticos (exceto o triclosan) – lembrar que um dos diversos componentes dos dentifrícios é o agente surfactante (detergente, que atua na capa de gordura que envolve o material genético do SARS-CoV-2, removendo-a).

Usar enxaguantes bucais (antissépticos bucais), se necessário, com agentes como o cloreto de cetilpiridínio (CPC – quaternário de amônio). Importante: os enxaguantes bucais não substituem a remoção mecânica dos biofilmes (ecossistemas) bucais.

Adicionalmente, cuidar de nossas escovas dentais e dos nossos higienizadores de língua, mantendo-os imersos em solução desinfetante — em um copo descartável ou em um pote de plástico ou louça; indicamos o cloreto de cetilpiridínio diluído em 50% de água limpa para maior eficácia — em quantidade suficiente para cobrir a cabeça e o pescoço da escova e a ponta ativa do higienizador de língua. Trocar o líquido uma vez por semana para evitar a reinfecção após cada uso.

Importante: esse procedimento não é para o uso coletivo de escovas dentais e higienizadores de língua — são instrumentos de uso individual.21-24 (Figura 2)

  Para além de todos os cuidados que órgãos como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Anvisa nos têm orientado,torna-se ainda mais premente a orientação e a difusão do conhecimvento sobre a corretae efetiva higiene bucal

Vamos nos cuidar, com o uso de máscaras para protegermos a nós mesmos e aos nossos concidadãos, lembrando sempre que: “Enquanto a cura ou uma vacina são apenas projetos ainda intangíveis, a prevenção é a arma mais eficaz para evitar o pior cenário!”.4

REFERÊNCIAS

1. Smith ML, Gandolfi S, Coshall PM, Rahman PKSM. Biosurfactants: a Covid-19 perspective. Front Microbiol. 2020;11:1341. doi: 10.3389/fmicb.2020.01341.

2. Graziano UM, Graziano KU, Pinto FMG, Bruna CQM, Souza RQ, Lascala CA. Effectiveness of disinfection with alcohol 70% (w/v) of contaminated surfaces not previously cleaned. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2013 [acesso em 2020 Jul 03];21(2):618-23. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692013000200020.

3. Lammers MJW, Lea J, Westerberg BD. Guidance for otolaryngology health care workers performing aerosol generating medical procedures during the COVID-19 pandemic. J of Otolaryngol – Head Neck Surg. 2020;49(1):36.

4. Pedrazzi V. A odontologia e seu papel fundamental na prevenção da disseminação e agravos da epidemia do coronavírus [Internet]. São Paulo: Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto [acesso em 2020 Jul 03]. Disponível em: https://www.forp.usp.br/?p=6296.

5. Magleby R, Westblade LF, Trzebucki A, Simon MS, Rajan M, Park J, Goyal P, Safford MM, Satlin MJ. Impact of SARS-CoV-2 viral load on risk of intubation and mortality among hospitalized patients with coronavirus disease 2019 [published online ahead of print, 2020 Jun 30]. Clin Infect Dis. 2020;ciaa851. doi:10.1093/cid/ciaa851.

6. Scannapieco FA, Rethman MP. The relationship between periodontal diseases and respiratory diseases. Dent Today. 2003;22(8):79–83.

7. Scannapieco FA. Systemic effects of periodontal diseases. Dent Clin North Am. 2005;49(3):533-50. doi: 10.1016/j.cden.2005.03.002.

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Rev Bras Ter Intensiva. 2007;19(4):428-33.

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