OBE

Raspadores manuais x aparelhos ultrassônicos

Qual o melhor método e os prós e contras desses instrumentos no tratamento de doenças periodontais

Emerson Nakao
Rodolfo Francisco Haltenhoff Melani
Caroline Teggi Schwartzkopf

A periodontite é a principal causa de perda dentária na população adulta mundial e afeta a nutrição, a qualidade de vida e a autoestima das pessoas, além de acarretar grande impacto socioeconômico. O tratamento periodontal visa controlar a gengivite e a periodontite, evitar a progressão da doença, que leva à perda dentária, manter a dentição funcional por toda a vida, preservar a autoestima e melhorar a qualidade de vida.1 O biofilme é reconhecidamente o agente etiológico da doença periodontal, que é a sexta doença mais prevalente em humanos, atingindo cerca de metade da população mundial, participando também da sua progressão.2 Removê-lo junto com cálculos e obter uma superfície uniforme e lisa, a fim de eliminar o “cemento infectado”, tem sido uma etapa importante no tratamento da periodontite desde a década de 1970.3,4 Espera-se que, idealmente falando, esse método seja eficiente, rápido, seguro e de fácil aceitação, tanto pelo paciente como pelo profissional que o executa. Tecidos periodontais e dentários sadios não devem ser danificados ou removidos durante a raspagem. Atualmente, raspadores manuais e o aparelho de ultrassom são os instrumentos comumente utilizados no debridamento das superfícies radiculares. Entre as dificuldades associadas à remoção de cálculos a literatura cita os limites de sensibilidade tátil do operador, a incerteza sobre a precisão e a eficácia de instrumentos manuais, a quantidade de tempo necessária para atingir os objetivos terapêuticos e os danos não controlados à raiz (riscos e degraus que aumentam a rugosidade superficial).5 Irregularidades são conhecidas por favorecer a colonização bacteriana e o acúmulo do biofilme, além de contribuir para a retenção de cálculo,6 e, portanto, não são desejáveis. Entende-se, assim, que os resultados obtidos de uma raspagem realizada por raspadores (curetas) manuais dependem do operador. Pesam bastante a sua capacidade de avaliar a qualidade do instrumento manual e habilidade em mantê-lo adequadamente afiado. Esses fatores estão diretamente ligados ao grau de eficiência do debridamento e também influem no risco de causar danos à superfície radicular e aos tecidos periodontais adjacentes. Além dessas competências, a destreza manual, desenvolvida por treinamento específico e pela prática ao longo do tempo, contribui para que o profissional alcance eficiência e precisão na remoção de depósitos mineralizados sobre a superfície radicular sem causar danos indesejáveis. Já os aparelhos de ultrassom destinados ao debridamento são populares devido à sua praticidade e mínima exigência de esforço; todavia, vale lembrar que a utilização de pontas inapropriadas (fora das especificações técnicas do fabricante) podem tornar o método ineficaz, demorado e inseguro. Com o tempo de uso, as pontas sofrem desgaste em sua extremidade e devem ser substituídas conforme as instruções de cada fabricante. Além de garantir o conforto, eles não removem o cemento excessivamente e economizam tempo de trabalho em comparação aos instrumentos manuais. Há um número crescente de dentistas que preferem fazer a raspagem só com aparelhos ultrassônicos. No entanto, a necessidade de alisamento radicular permanece enfatizada nas visões convencionais da mecânica do tratamento periodontal.1 Confrontando a eficiência das diferentes abordagens para remoção de cálculo e seus efeitos sobre a superfície radicular, verifica-se que os estudos, in vitro e in vivo, apontam para as conclusões:

COMPARATIVO DAS ABORDAGENS

1 – Os métodos testados (raspagem manual x ultrassônica) são eficientes em remover cálculo.2,6,7,8 
2 – Curetas manuais:
a. Removem mais tecido dentário. 6,7
b. Exigem mais destreza do operador (treinamento) para:

i. Afiar

ii. Instrumentar a raiz (remover biofilme + cálculo, obtendo superfície lisa)

c. Causam menor rugosidade superficial após instrumentação 1,6 (menos danos).

d. Levam mais tempo.¹

e. Exigem mais esforço por parte do operador.¹

f. Têm maior eficiência na remoção de cálculo em bolsas profundas (acima de 5 mm).⁴

g. Têm menor aceitação por parte do paciente⁸ (em relação ao ultrassom).

h. Eficiência na redução de patógenos periodontais. 2,8
3 – Ultrassom:

a. Piezoelétrico:

i. Exige esforço mínimo do operador.¹

ii. Remove cálculo de forma eficiente (até 5 mm).⁴

iii. Eficiência na redução de patógenos periodontais.⁸

iv. Têm menor tempo de execução.¹

v. Têm maior aceitação por parte do paciente.⁸

vi. Têm menor dano à superfície instrumentada.⁶

OUTROS TIPOS, NOVAS ANÁLISES

Um segundo tipo de aparelho de ultrassom foi estudado, in vitro, segundo resultados obtidos do debridamento radicular em dentes extraídos. A performance de raspadores manuais foi comparada com a de dois tipos de aparelho de ultrassom: o magnetostritivo e o piezoelétrico. Além de comparar os três métodos no que se refere à eficiência em remover cálculo, foi possível ranqueá-los quanto aos “efeitos indesejados” de cada tipo de instrumentação, utilizando como critérios a quantidade de tecido radicular removido e a formação de trincas e ondulações. Os resultados encontram-se na tabela da página anterior.6

Dentro das limitações desse estudo, pode-se concluir que o instrumento ultrassônico (piezoelétrico e magnetostritivo) produziu menos danos à superfície quando comparado ao instrumento manual, com menos riscos e ondulações e menor remoção de tecido radicular. O raspador manual produz uma lisura superficial maior, ao mesmo tempo que remove mais tecido radicular e tem maior risco de danificar essa superfície.

Um aspecto de interesse como resultado esperado de um debridamento radicular é a redução duradoura dos protagonistas principais da doença periodontal: as bactérias. Esse foi o objetivo de um estudo in vivo publicado em 2007,8 no qual foram comparados os efeitos de quatro modalidades de tratamento não cirúrgico: curetas (raspadores manuais), laser Er:YAG, instrumento sônico e instrumento ultrassônico de debridamento mecânico, sobre a redução de cinco patógenos periodontais [Aggregatibacter (Actinobacillus) actinomycetemcomitans (Aa), Porphyromonas gingivalis (Pg), Prevotella intermedia (Pi), Tannerella forsythensis (Tf) e Treponema denticola (Td)].

Dentro das limitações do estudo, pode-se concluir que todos os tratamentos resultaram em comparáveis reduções dos patógenos estudados, efeito que perdurou por seis meses, quando foi detectado novamente o crescimento bacteriano. O laser Er:YAG e o aparelho sônico não se mostraram eficientes na redução de Aa Tf. Houve uma preferência dos pacientes para o uso do aparelho de ultrassom em regiões subgengivais.

Um estudo clínico aleatório2 acompanhou 33 pacientes adultos com periodontite crônica divididos em dois grupos, um deles tratado com raspadores manuais e o outro com o aparelho ultrassônico. Os parâmetros clínicos foram profundidade de sondagem, nível clínico de inserção, índice de placa e sangramento à sondagem.

“Até o momento, não há evidências fortes o suficiente para comprovar que um método é melhor do que outro, apenas dados que ajudam os clínicos a entender melhor a questão. O assunto ainda carece de ensaios clínicos aleatórios de longa duração.”

O parâmetro laboratorial utilizado foi a redução de três patógenos periodontais após as intervenções: Aggregatibacter actinomycetemcomitans, Tannerella forsythia e Treponema denticola.

Os resultados clínicos das duas abordagens foram semelhantes, melhorando o resultado dos parâmetros clínicos analisados. O mesmo pode ser dito a respeito dos parâmetros microbiológicos, pelo menos até os seis meses após o tratamento, quando os resultados pareceram favorecer a raspagem manual.

Recente revisão sistemática traz uma diferenciação na utilização do desempenho de cada método em situações distintas. Quando a PCS (profundidade clínica de sondagem) inicial era de 4-6 mm, a redução da PCS mostrou que a raspagem subgengival manual foi superior, mas os resultados do NIC (nível de inserção clínica) não mostraram diferenças estatísticas entre as duas médias. Quando a PCS inicial era ≥6 mm, as reduções de PCS e NIC sugeriram que a raspagem subgengival manual foi superior. Os autores afirmam que nenhum dos métodos pode substituir o outro e recomendam que, em bolsas maiores que 4 mm de profundidade, ambos os métodos sejam utilizados.4

Os resultados de todos esses estudos devem ser interpretados com cuidado, como os próprios autores aconselham, pois devem-se levar em consideração os vieses, o que eles descrevem como “limitações deste trabalho”.

Até o momento, não há evidências fortes o suficiente para comprovar que um método é melhor do que outro,9 apenas dados que ajudam os clínicos a entender melhor a questão. O assunto ainda carece de realização de ensaios clínicos aleatórios de longa duração.

Prof. Emerson Nakao 

Mestre e Especialista em Prótese Dentária e professor da FFO-Fundecto, fundação conveniada à Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Fousp)

Prof. Dr. Rodolfo Francisco
Haltenhoff Melani

Professor associado do Departamento de Odontologia Social e responsável pela área de Odontologia Legal do Programa de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas, ambos na Fousp

Prof. Dra. Caroline Teggi Schwartzkopf

Especialista em Periodontia e Prótese e mestranda em Periodontia pela Universidade Paris VII

REFERÊNCIAS

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  1. Ioannou I, Dimitriadis N, Papadimitriou K, Sakellari D, Vouros I, Konstantinidis A. Hand instrumentation versus ultrasonic debridement in the treatment of chronic periodontitis: a randomized clinical and microbiological trial. J Clin Periodontol. 2009;36(2):132–41. doi: 10.1111/j.1600-051X.2008.01347.x.
  1. Yan Y, Zhan Y, Wang X, Hou J. Clinical evaluation of ultrasonic subgingival debridement versus ultrasonic subgingival scaling combined with manual root planing in the treatment of periodontitis: study protocol for a randomized controlled trial. Trials 21. 2020;113. doi: 10.1186/s13063-019-4031-y.
  1. Zhang X, Hu Z, Zhu X, Li W, Chen J. Treating periodontitis-a systematic review and meta-analysis comparing ultrasonic and manual subgingival scaling at different probing pocket depths. BMC oral Health 2020;20(1):176-82. doi: 10.1186/s12903-020-01117-3.
  1. Santos FA, Pochapski MT, Leal PC, Gimenes-Sakima PP, Marcantonio Jr E. Comparative study on the effect of ultrasonic instruments on the root surface in vivo. Clin Oral Invest. 2008;12:143–50. doi: 10.1007/s00784-007-0167-3.
  1. Mittal A, Nichani AS, Venugopal R, Rajani V. The effect of various ultrasonic and hand instruments on the root surfaces of human single rooted teeth: a planimetric and profilometric study. J Indian Soc Periodontol. 2014 Nov-Dec;18(6):710–17. doi: 10.4103/0972-124X.147405.
  1. Maritato M, Orazi L, Laurito D, Formisano G, Serra E, Lollobrigida M, Molinari A, De Biase A. Root surface alterations following manual and mechanical scaling: a comparative study. Int J Dent Hyg. 2018;16(4):553-8. doi: 10.1111/idh.12349.
  1. Derdilopoulou FV, Nonhoff J, Neumann K, Kielbassa AM. Microbiological findings after periodontal therapy using curettes, Er:YAG laser, sonic, and ultrasonic scalers. J Clin Periodontol. 2007;34(7):588-98. doi: 10.1111/j.1600-051X.2007.01093.x.
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