OBE

Recuperar ou extrair?

A Odontologia está cada vez mais conservadora em relação à
exodontia. Condições pulpares, perda óssea e adesão do paciente
estão entre os fatores que devem ser considerados na decisão

Emerson Nakao
Rodolfo Francisco Haltenhoff Melani

Todo processo de tomada de decisão depende da capacidade individual de fazer uma leitura de determinada situação, assim como de medir as consequências — o que, por sua vez, está atrelado ao conhecimento e às experiências acumulados até então. Quando se trata de decidir entre extrair ou não um dente, não poderia ser diferente. O cirurgião-dentista precisa ter desenvolvida sua capacidade de diagnosticar doenças por meio de suas manifestações e relatos, de inferir prognósticos sobre determinada situação e, assim, escolher a abordagem mais adequada para o paciente, baseando-se nos princípios da indicação, oportunidade e viabilidade. De preferência, deve optar por aquela que resultará na preservação do órgão dental funcional pelo maior tempo possível, restabelecendo seu estado de saúde. Ao atingir um alto nível de leitura, o profissional não só identifica problemas, mas também consegue antevê-los e atuar na sua prevenção.

O conhecimento básico, aquele adquirido, entendido e praticado, é um dos fatores mais importantes na formação de um profissional. Pense que toda a trajetória que se seguiu a partir do momento da aquisição desse conhecimento foi uma consequência da forma como ele ocorreu, ou seja, se foi adequado, corretamente interpretado e praticado no dia a dia.

Hoje vemos a ciência se expandindo a passos largos, não só em razão dos avanços tecnológicos, mas também devido à velocidade com que os estudos são divulgados e à facilidade de acesso às pesquisas e a outros conteúdos científicos. Se por um lado ter todas essas informações representa uma vantagem para quem dela depende, por outro também traz o desafio de se manter atualizado e de saber discernir a informação produzida com métodos científicos adequados em meio à avassaladora quantidade de informações disponíveis.

Dentro dos conceitos modernos da Odontologia que nos permitiram mudar paradigmas devido aos avanços nos campos do conhecimento e da tecnologia, tornou-se possível e viável a manutenção de dentes em condições que no passado não teriam solução. A Odontologia se tornou mais conservadora. E, nesse contexto, extrair um dente deve ser a última alternativa terapêutica a ser levada em consideração no dia a dia da prática clínica ambulatorial. Há um vasto repertório de modalidades de tratamentos odontológicos que têm como objetivo o restabelecimento da saúde e a manutenção do órgão dental. Sendo assim, manter a dentição natural funcional e estética deve ser o principal objetivo da Odontologia.

No entanto, manter um dente comprometido a qualquer custo pode não ser interessante, pelo risco de haver consequências indesejadas, como a perda de função ou a disseminação de um quadro infeccioso local aos tecidos adjacentes. Isso deixa claro o quão importante é a capacidade de ler uma situação, formular uma hipótese diagnóstica adequada e inferir um prognóstico. Também deixa claro que a decisão de extrair um dente comprometido, ou seja, avaliar esse grau de comprometimento, é uma das situações mais difíceis pelas quais pode passar um cirurgião-dentista.

Em um estudo1 realizado no Brasil em 2007, 152 cirurgiões-dentistas com média de 15 anos de profissão foram questionados sobre como cada um conduz o processo de tomada de decisão nesses casos, ou seja, quem decide pela extração ou pela manutenção de um dente comprometido. O resultado mostrou que 55% deles delegam a decisão, encaminhando o paciente para um especialista, conforme a natureza desse comprometimento. É claro que mais estudos dessa natureza, aumentando consideravelmente o número da amostra, contribuiriam para o melhor entendimento desse comportamento, mas os dados são suficientes para se ter um panorama.

Como foi dito anteriormente, houve grandes avanços tecnológicos dentro da nossa área de conhecimento, que levaram a uma evolução expressiva de materiais restauradores, como cerâmicas e resinas compostas, mas que não são comparáveis a um dente natural. Enxergá-los dessa forma, aliás, traria um grau de consciência de que não haveria problemas em se utilizar desses materiais, evitando assim, sobretratamentos. Vale ressaltar que desgastes dentários, de alguma forma, diminuem a resistência mecânica do dente,2 o que aumenta o risco de perda precoce.

De acordo com a literatura odontológica,3 os fatores a seguir devem ser considerados na tomada de decisão pela manutenção ou extração de um dente:

◦ Grau e tipo de perda óssea;
◦ Profundidade de sondagem periodontal;
◦ Perda de inserção;
◦ Grau de envolvimento de furca;
◦ Anatomia radicular;
◦ Oclusão;
◦ Condições pulpares;
◦ Tipo de reabilitação necessária;
◦ Valor estratégico do dente;
◦ Estado de saúde sistêmica;
◦ Idade do paciente;
◦ Higiene oral;
◦ Questões financeiras;
◦ Hábitos parafuncionais;
◦ Envolvimento com patologias não dentárias.

Já a Associação Americana de Endodontia cita os seguintes critérios4 para a tomada de decisão:

  • Dente determinado como não restaurável pelas razões que incluem, mas não se limitam a:
    · Extensão da destruição das estruturas naturais do dente;
    · Considerações periodontais;
    · Razão coroa/raiz desfavorável;
    · Reabsorção;
    · Questões iatrogênicas;
    · Considerações perirradiculares;
    · Fraturas de raiz;
    · Considerações ao dente adjacente.
  • Desfecho desfavorável após trauma;
  • Tratamento cirúrgico ressectivo, mostrando que uma ou mais raízes necessitam ser extraídas devido ao processo da doença;
  •  Autotransplante/reimplante intencional.

Em relação à profundidade de bolsas periodontais, um estudo5 sugere que dentes com bolsas menores que 5 mm têm plenas condições de ser mantidos, desde que submetidos a tratamento periodontal adequado e acompanhados ao longo do tempo. Profundidades entre 5 e 7 mm devem ser tratadas com maior cautela, uma vez que são de difícil acesso e controle diário pelo paciente. Já na existência de bolsas maiores que 7 mm, a exodontia deve ser considerada. A correlação em um exame de imagem desse quadro clínico é a perda óssea observada em imagens radiográficas. Com base nessas imagens, foi sugerido em outra pesquisa6 que uma perda equivalente a cerca de 65% seria o limite máximo para a permanência desse elemento. Isso porque perdas maiores que 65% tornam o dente muito difícil de manter. Quando há o envolvimento de furcas de dentes posteriores, a sua exposição não necessariamente deve ser encarada como uma condenação, e sim como uma condição em que há maior dificuldade de manutenção. Pacientes cooperativos e orientados podem conseguir executar a higienização necessária para cuidar desses dentes por um longo período de tempo.

Com essas listas, já é possível ter uma ideia do volume de conhecimento e experiência que o profissional precisa ter acumulado ao longo de sua carreira para realizar o diagnóstico e a eleição do tratamento da forma mais adequada possível, uma prova do quão árdua é essa tarefa. Não se pode garantir que, mesmo com o conhecimento adquirido, não haverá erros, mas certamente eles serão eles serão pouco frequentes na rotina de trabalho.

Além dos critérios técnicos, deve ser considerado um que não pode ser medido de modo objetivo, mas que é crucial no processo de tomada de decisão e raramente é levado em consideração pelos cirurgiões-dentistas: a vontade do paciente em manter seu dente, desde que seja indicado, oportuno e viável. Juntamente com a expressão desse desejo, o paciente em questão deve ter ou desenvolver um perfil cooperativo. Seja qual for a opção terapêutica escolhida, os hábitos de higiene precisam ser aprimorados, paralelamente à execução de acompanhamento periódico de longo termo.

Com base nos parâmetros técnicos e não técnicos aqui apresentados, é possível sistematizar um método de tomada de decisão acertado e eficaz, sem prejuízos, com um estreitamento na relação entre paciente e profissional atingido por meio da confiança. Mesmo quando há a necessidade de extração dentária, o cirurgião-dentista já deve ter seu pensamento voltado para a prevenção, a fim de evitar que o paciente seja submetido novamente a esse procedimento.

Doença periodontal e cárie são identificadas hoje como as causas principais de exodontia.7 Uma vez que a causa está no acúmulo e na permanência prolongada de placa bacteriana sobre as superfícies dentárias, são evitáveis. Além disso, é preciso lembrar que a perda dentária (ausência de dentes) consiste em um dos principais índices para avaliar a saúde bucal de uma população, pois revela em que nível se encontra a higiene bucal e se a assistência é adequada e acessível. Com base nesses dados, políticas públicas podem ser criadas para suprir essas necessidades.

REFERÊNCIAS

1. Moreira CHC, Zanatta FB, Antoniazzi R, Meneguetti P, Rösing CK. Criteria adopted by dentists to indicate the extraction of periodontally involved teeth. J Appl Oral Sci [Internet]. 2007 [acesso em 15ago.2022];15(5). Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1678-77572007000500012.

2. Reeh ES, Messer HH, Douglas WH. Reduction in tooth stiffness as a result of endodontic and restorative procedures. J Endod. 1989;15(11):512-6. doi: 10.1016/ S0099-2399(89)80191-8. PMID: 2639947.

3. Susin C, Dalla Vecchia CF, Oppermann RV, Haugejorden O, Albandar JM. Periodontal attachment loss in an urban population of Brazilian adults: the effect of demographic, behavioral an environmental risk indicators. J Periodontol. 2004;75(7):1033-41. doi: 10.1902/jop.2004.75.7.1033. PMID: 15341364.

4. American Association of Endodontists [Internet]. Chicago: American Association of Endodontists. Guidelines & Position Statements; c2022 [acesso em: 15ago.2022]. Disponível em: https://www.aae.org/specialty/clinical-resources/guidelines-position-statements/.

5. Mordohai N, Reshad M, Jivraj SA. To extract or not to extract? Factors that affect individual tooth prognosis. J Calif Dent Assoc. 2005;33(4):319-28. PMID: 15915883.

6. Brägger U. Radiographic parameters: biological significance and clinical use. Periodontol 2000. 2005;39(1):73-7. doi:10.1111/j.1600-0757.2005.00128.x. PMID: 16135065.

7. Passarelli PC, Pagnoni S, Piccirillo GB, Desantis V, Benegiamo M, Liguori A et al. Reasons for tooth extractions and related risk factors in adult patients: a coort study. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(7):2575. doi: 10.3390/ijerph17072575. PMID: 32283707.

Prof. Emerson Nakao

Mestre e Especialista em Prótese Dentária e professor da FFO-Fundecto, fundação conveniada à Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP)

Prof. Dr. Rodolfo Francisco Haltenhoff Melani

Professor titular do Departamento de Odontologia Social e responsável pela área de Odontologia Legal do Programa de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas, ambos na FOUSP

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