REPARO E EMENDAS

EM RESTAURAÇÕES

A troca da restauração defeituosa sempre foi considerada como a abordagem ideal. Porém, com a evolução conjunta dos materiais restauradores e dos conceitos de uma Odontologia mais conservadora, a substituição parcial deve ser levada em conta

Emerson Nakao
Rodolfo Francisco Haltenhoff Melani

stima-se que 50% do trabalho restaurador realizado pelos cirurgiões-dentistas consiste em gerenciar restaurações dentárias diretas com falha1. E, realmente, pode-se dizer que se deparar com essas restaurações faz parte do seu dia a dia. Já é esperado que, com o decorrer do tempo, qualquer restauração apresente sinais de fadiga2, como desgaste superficial e descoloração, e até mesmo a fragmentação, como resultado da perda de resistência estrutural devido às características do meio bucal3 — que diferem de indivíduo para indivíduo, como variações de temperatura, de pH, presença constante de umidade e incidência de forças oclusais funcionais e parafuncionais. Ou seja, esse material restaurador tem uma vida útil finita, o que o torna dependente de manutenções periódicas. Sem elas, ele dificilmente chegará às médias de 54 até 10 anos55 de longevidade encontradas na literatura.

   Optar pela troca da restauração sempre foi considerada a abordagem ideal por ser mais segura e previsível do que uma substituição parcial, procedimento desprovido de evidências de performance a longo prazo6 ou da certeza de que os materiais disponíveis seriam adequados. Além disso, para muitos, tanto pacientes como cirurgiões-dentistas, a ideia de ter uma restauração “remendada” não inspira segurança. É possível que alguns profissionais não tenham conhecimento da opção de reparo em vez da substituição de restaurações diretas2 ou ainda que seja uma transferência de comportamento da época em que só existiam as restaurações em amálgama, um material não adesivo. Deve-se levar em conta o tipo de material que está em discussão. Resultados de estudos recentes e a evolução tecnológica dos materiais restauradores adesivos7,8 trazem esclarecimentos importantes sobre a questão referente à troca ou à reparação de um dano menor em uma restauração direta.

   Foi percebido nessa revisão que a ideia de substituir parcialmente ou reparar uma restauração começou a ser mencionada por volta do início da década de 1990 e que o conceito é vago, permitindo mais de uma interpretação quanto aos diferentes tipos de intervenção que correspondem a um determinado tipo de falha. Assim, antes de prosseguir é importante organizar essa relação entre intervenções e situações clínicas. Segundo a Fédération Dentaire Internationale (FDI):9

 INTERVENÇÕES E SITUAÇÕES CLÍNICAS

REPARO

Correção de uma restauração clinicamente inaceitável, levando-a a um status clinicamente aceitável, com uma abordagem minimamente invasiva que implica a adição de um material restaurador.

REMODELAÇÃO

Procedimento que envolve a remoção de saliências e irregularidades, recontorno de superfícies, remoção de descoloração e suavização ou vitrificação da superfície para melhorar a restauração dentária e retardar o reparo.

VEDAÇÃO

Remodelação que consiste em fechar os poros superficiais e pequenas folgas adicionando esmalte ou colagem e, ocasionalmente, uma nova camada de selante ou material escoável.

   Mesmo com esses parâmetros da FDI, é preciso entender o que é considerado uma restauração clinicamente inaceitável e com indicação para troca. O diagnóstico mais comum para falha na restauração é a presença de cárie recorrente ou secundária percebida em exame clínico,10 e que pode ser confundida com uma infiltração superficial (percolação) marginal passível de pigmentação. Portanto, pode-se concluir que o processo decisório é baseado em aspectos visuais, tácteis e radiográficos, o que não é exatamente um conjunto claro de medidas. O resultado desse exame clínico depende da interpretação do profissional e do seu grau de conhecimento.

   Assim, para classificar uma restauração como inaceitável clinicamente, deve-se verificar quanto a cárie reincidente comprometeu de tecido dentário adjacente (Fig. 1), critério esse ligado diretamente ao tempo decorrido até o diagnóstico e a intervenção. É necessário salientar que o reparo ou a substituição adequada de restaurações com falha é crucial, pois, a cada intervenção, a perda de tecido dentário aumenta e o dente em questão fica mais enfraquecido, o que o aproxima da indicação de uma restauração indireta ou de um tratamento endodôntico. Além disso, é importante evitar consequências adversas, como dor, tratamentos endodônticos ou mesmo uma extração, que são estressantes e onerosas para os pacientes.

   Após avaliação caso a caso, é possível gerenciar restaurações defeituosas de maneira conservadora, reparando-as com maior segurança e previsibilidade, ou, mais radicalmente, substituindo-as por completo.

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Fig. 1: exemplos de restaurações clinicamente inaceitáveis, com indicação de substituição total.11

CRITÉRIOS PARA INTERVIR

   Os reparos são frequentemente eficazes no gerenciamento de manchas e/ou porosidades superficiais e excessos (saliências).12 Quando pequenas falhas marginais forem observadas na superfície oclusal, imperceptíveis pelo paciente, sugere-se que se mantenham controles periódicos e que sejam reforçadas as orientações de manutenção da higiene bucal. A intervenção terá seu lugar somente se houver evidências de acúmulos de biofilme e/ou restos alimentares, ou uma alteração de cor que seja compatível com atividade de cárie.3

   Confira no quadro abaixo os critérios para classificar as restaurações e intervir nelas.13 Estas informações foram adaptadas de acordo com a normativa recomendada pelo Serviço Público de Saúde dos Estados Unidos.

CRITÉRIOS CLÍNICOS

   Estudos indicam que essa prática tem encontrado, hoje, maior aceitação por parte dos pacientes e profissionais,14 o que é o mesmo que afirmar que ainda não pode ser considerada uma prática frequente, talvez por falta de diretrizes globais15,16 e vindas dos próprios fabricantes de materiais restauradores diretos,17 evidências limitadas de estudos clínicos a longo prazo,6 em parte, pelos constantes e rápidos avanços em materiais e tecnologias7,8 e variações nos currículos de ensino odontológico em todo o mundo,14,18 bem como nos sistemas de saúde.15

   É importante ter em mente que a substituição completa de restaurações geralmente é onerosa, consome tempo e, invariavelmente, leva à uma perda de tecido dentário,2,3,9 em menor ou maior grau. Ou seja, há um aumento das dimensões da cavidade e consequente diminuição da resistência mecânica do dente. Não é o intuito deste artigo discutir sobre técnicas de reparo, mas, sim, os conceitos que envolvem essa tomada de decisão. Vale lembrar que o resultado desse procedimento sofre influência de fatores como:

1 – Localização: regiões que dificultem o acesso físico e visual interferem negativamente no resultado.

2 – Natureza e características do material (aderência, cor e dureza): materiais de mesma cor do substrato, aderidos quimicamente a ele ou de grande resistência mecânica dificultam sua remoção sem comprometer a dentina.

   A Federação Odontológica Mundial do FDI9 apoia uma mudança no gerenciamento de restaurações defeituosas, exigindo que os protocolos necessários para reparar restaurações defeituosas sejam incluídos no currículo de graduação e na educação continuada.

   O risco individual do paciente de desenvolver lesões de cárie, a condição clínica e o prognóstico do dente restaurado como uma unidade, a análise de custo-benefício,2 o histórico médico e a ansiedade gerada diante de intervenções dentárias são considerações críticas para a tomada de decisão apropriada em relação aos reparos, sendo necessário que cada caso seja individualmente avaliado, conforme já mencionado. Finalmente, o reparo deve ter como objetivo o aumento da longevidade do dente e a sua viabilidade deve ser sempre estudada primeiro, assim como a identificação da causa subjacente da falha antes da realização de qualquer procedimento.

   Revisões sistemáticas recentes têm procurado resolver esse dilema clínico, avaliando os resultados de reparo versus substituição de compósitos de resina com defeito15 e amálgama19 nas restaurações. Ambas as revisões consideraram a evidência limitada e incompleta, e, assim sendo, não foi possível sugerir recomendações sobre a reparação ou substituição de uma restauração com falha.

 VANTAGENS DO REPARO EM DEFEITOS LOCALIZADOS3

– PRESERVAÇÃO DA ESTRUTURA DENTAL E DA VITALIDADE PULPAR
– AUMENTO DA LONGEVIDADE DO DENTE E DA RESTAURAÇÃO
– REDUÇÃO DO POTENCIAL DE DANOS AO COMPLEXO DENTINA-POLPA
– REDUÇÃO DO TEMPO DE TRATAMENTO
– REDUÇÃO DO CUSTO OPERACIONAL TEM BOA ACEITAÇÃO PELO PACIENTE (REDUZ A ANSIEDADE)
– EVITA A NECESSIDADE DO USO DE ANESTÉSICO (REPAROS MAIS SUPERFICIAIS)

Os reparos são frequentemente eficazes no gerenciamento de manchas e/ou porosidades superficiais e excessos (saliências)

   Esta observação científica foi reforçada por outros dois estudos,12, 20 um de 2008 e outro de 2020. Ambos sugerem que, a curto prazo, as restaurações que foram reparadas e as que foram substituídas apresentam resultados clínicos semelhantes.

   Diagnosticar criteriosamente e reparar em vez de substituir restaurações parcialmente defeituosas provavelmente contribuirá para a longevidade dos dentes em comparação à substituição completa. Ao considerar a relação custo-benefício, a reparação de compósitos pode ser recomendada mais fortemente do que a reparação de restaurações de amálgama,21 que é simplesmente coaptado na cavidade preparada, o que torna mais rápida e fácil a percolação total em meio bucal. Substituir uma restauração defeituosa em todas as situações em que possa se apresentar sem ao menos considerar a sua reparação pode, assim, ser considerado um sobretratamento, algo totalmente na contramão da Odontologia minimamente invasiva. Essa técnica pouco invasiva é aceitável e pode ser ensinada nas faculdades aos alunos.

REFERÊNCIAS

1. Mjör IA, Shen C, Eliasson ST, Richter S. Placement and replacement of restorations in general dental practice in Iceland. Oper Dent. 2002;27:117–23.

2. Blum IR, Lynch CD, Wilson NH. Factors influencing repair of dental restorations with resin composite. Clin Cosmet Invest Dent. 2014;6:81-7. doi: 10.2147/CCIDE.S53461.

3. Blum IR, Özcan M. Reparative dentistry: possibilities and limitations. Curr Oral Health Rep. 2018;5(4):264-9.

4. Opdam NJM, van de Sande FH, Bronkhorst E, Cenci MS, Bottenberg P, Pallesen U, Gaengler P, Lindberg A, Huysmans MCDNJM, van Dijken JW. Longevity of posterior composite restorations: a systematic review and meta-analysis. J Dent Res. 2014;93(10):943-9. Epub 2014 Jul 21. doi: 10.1177/0022034514544217.

5. Casagrande L, Laske M, Bronkhorst EM, Huysmans MCDNJM, Opdam NJM. Repair may increase survival of direct posterior restorations – a practice based study. J Dent. 2017;64:30-6. Epub 2017 Jun 08. doi: 10.1016/j.jdent.2017.06.002.

6. Estay J, Martín J, Viera V, Valdivieso J, Bersezio C, Vildosola P, Mjör IA, Andrade MF, Moraes RR, Moncada G, Gordan VV, Fernández E. 12 years of repair of amalgam and composite resins: a clinical study. Oper Dent. 2018;43:12-21.

7. Loomans B, Özcan M. Intraoral repair of direct and indirect restorations: procedures and guidelines. Oper Dent. 2016;41:S68-S78. Epub 2016 Feb 26.

8. Hickel R, Brüshaver K, Ilie N. Repair of restorations – criteria for decision making and clinical recommendations. Dent Mat. 2013;29:28-50.

9. Repair of Restorations [Internet]. São Francisco: FDI World Dental Federation [acesso em 2020 abr 05]. Disponível em: https://www.fdiworlddental.org/resources/policy-statements/repair-of-restorations.

10. Mjör IA, Moorhead JE, Dahl JE. Reasons for replacement of restorations in permanent teeth in general dental practice. Int Dent J 2000;50(6):361-6.

11. Wilson N, Lynch CD, Brusnton PA, Hickel R, Meyer-Lueched H, Gurgan S, Pallesen U, Shearer AC, Tarle Z, Cotti E, Vanherle G, Opdam N. Criteria for the replacement of restorations: Academy of Operative Dentistry European Section. Oper Dent. 2016 Sep;41(S7):S48-S57.

12. Moncada G, Fernández E, Martín J, Arancibia C, Mjör IA, Gordan VV. Increasing the longevity of restorations by minimal intervention: a two-year clinical trial. Oper Dent. 2008;33(3):258–64. doi: 10.2341/07-113.

13. Moncada G, Martín J, Fernández E, Hempel MC, Mjör IA, Gordan VV. Sealing, repair and refurbishment of class I and class II defective restorations: a three-year clinical trial. J Am Dent Assoc. 2009;140(4):425-32.

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15. Sharif MO, Catleugh M, Merry A, Tickle M, Dunne SM, Brunton P, Aggarwal VR. Replacement versus repair of defective restorations in adults: resin composite.Cochrane Database Syst Rev. 2010 Feb 17;(2):CD005971. doi: 10.1002/14651858.CD005971.pub2.

16. Javidi H, Tickle M, Aggarwal VR. Repair vs replacement of failed restorations in general dental practice: factors influencing treatment choices and outcomes. Br Dent J. 2015;218, E2. doi: 10.1038/sj.bdj.2014.1165.

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18. Lynch CD, Blum IR, Frazier KB, Wilson NH. Repair or replacement of defective direct resin-based composite restorations: contemporary teaching in U.S. and Canadian dental schools. J Am Dent Assoc. 2012;143(2):157-63.

19. Sharif MO, Merry A, Catleugh M, Tickle M, Brunton P, Dunne SM, Aggarwal VR, Chong LY. Replacement versus repair of defective restorations in adults: amalgam. Cochrane Database Syst Rev. 2014 Feb 08;(2):CD005970. doi: 10.1002/14651858.CD005970.pub3.

20. Kanzow P, Wiegand A. Retrospective analysis on the repair vs replacement of composite restorations. Dent Mater J. 2020;36:108-18. Epub 2019 Nov 26.

21. Kanzow P, Wiegand A, Schwendicke F. Cost-effectiveness of repairing versus replacing composite or amalgam restorations. J Dent. 2016;54:41-7.

Prof. Emerson Nakao

Mestre e especialista em Prótese Dentária e professor da FFO-Fundecto, fundação conveniada à Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Fousp)

Prof. Dr. Rodolfo Francisco Haltenhoff Melani

Professor associado do Departamento de Odontologia Social e responsável pela área de Odontologia Legal do Programa de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas, ambos na Fousp

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