REFERÊNCIAS:
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Emerson Nakao
Rodolfo F. Haltenhoff Melani
Este artigo se trata de um compilado de evidências coletadas ao longo dos anos, das quais foram separadas dez. Deixando bem claro que, obviamente, não existem somente essas, e que, para se garantir o sucesso em próteses ou em qualquer outra área da Odontologia, não se pode depender de “dicas”, que são apenas “atalhos” para acessar o conhecimento, seja ele básico, seja avançado, previamente adquirido por meio de educação formal. Assim, o objetivo deste artigo é destacar pontos importantes de cada uma das muitas etapas que constituem a recuperação de um dente, e ajudar a organizar uma linha de raciocínio que pode fazer toda a diferença na tomada de decisão e, consequentemente, no resultado de intervenções.
Restaurar um dente significa, em linhas gerais, restabelecer forma, função e estética perdidas, seja por causa dos desfechos da doença cárie não tratada, seja por traumas mecânicos (fraturas por impacto e abrasionamento não fisiológico). Se é detectada a necessidade de uma restauração indireta, a perda de tecido coronário já foi suficiente para que ele não suporte mais a retenção e a estabilidade de um material restaurador direto. Ao nos depararmos com essa situação, é importante identificar a causa do problema, primeiro passo para o sucesso clínico. Se não for detectada a causa, o sucesso deve ser atribuído à sorte. Imaginemos uma situação bem corriqueira em nossos consultórios: o diagnóstico de uma lesão de cárie em um paciente. Restaurar o dente, não importando a forma escolhida, sem antes resolver a causa do problema, é desconsiderar que ele pode acontecer novamente. Logo, esta não é uma solução completa. Isso só se atinge com medidas preventivas, ou seja, orientação no processo de aprendizagem e manutenção a longo prazo do autocuidado bucal. Se um paciente precisa restaurar um dente por algum motivo não relacionado a trauma mecânico, ele não é eficiente em manter um nível aceitável de higienização bucal. Dados da OMS apontam para uma estimativa de alta prevalência de doenças bucais em quase metade da população mundial.
Prevenção é a chave para evitar o surgimento de novos problemas (doenças bucais). E não só bucais, mas também sistêmicos, como vem mostrando a literatura.1 Orientar o autocuidado investindo em treinamento que vise a manutenção a longo prazo de dentes adequadamente limpos é a única forma — simples e de baixo custo — de evitar recidivas. Paralelamente, sabe-se que a dieta habitual também exerce um papel fundamental no desenvolvimento das doenças periodontal e cárie. O excesso de carboidratos, principalmente o açúcar, aumenta o risco de desenvolver essas doenças e distúrbios metabólicos que causam doenças sistêmicas crônicas, como, por exemplo, diabetes tipo II (resistência à insulina) e obesidade (que pode levar a uma dislipidemia, que, por sua vez, aumenta o risco de doenças cardiovasculares).2 Nesse contexto, prevenir doenças bucais é diminuir o risco de desenvolver certas doenças sistêmicas.
Em uma ordem de acontecimentos, quando a primeira linha de defesa falha, a prevenção, entendemos que o organismo tem muita dificuldade em manter o equilíbrio do microbioma bucal. A disbiose, como é conhecido esse desequilíbrio, provoca o aparecimento e o desenvolvimento das doenças bucais, e não podemos nos esquecer disso durante e após qualquer tratamento odontológico. Tornar claro para o paciente que ele é o responsável pelo autocuidado é fundamental para solucionar esse problema, sendo que o nosso papel como profissionais não é somente intervir, mas também identificar os problemas (causas e consequências), informar e orientar os pacientes sobre como resolvê-los e preveni-los, acompanhando esse processo ao longo do tempo, para garantir que o conhecimento do autocuidado foi aprendido e retido. Só assim criamos condições para que qualquer uma das opções restauradoras que a Odontologia oferece tenha alguma chance de sucesso. Sucesso também se refere a solucionar o caso a longo prazo.
Somente quando o remanescente coronário não é mais suficiente para suportar a recuperação por meios diretos (chairside), opta-se pelo método mais invasivo, que é a restauração indireta. E quanto maior for a destruição do dente, mais críticas serão as decisões a ser tomadas, pois a complexidade técnica tende a aumentar proporcionalmente à perda do tecido coronário. E é nesse contexto que surgem diversos questionamentos, aqui resumidos em 10 apontamentos.
Já é de conhecimento de todos que existe uma chance de haver remineralização (uma recuperação) do tecido dentinário cariado abaixo de uma restauração, desde que haja um selamento eficiente das bordas da lesão de cárie. A opção por realizar uma remoção seletiva (parcial) do tecido cariado tem como vantagem diminuir a probabilidade de realizar um procedimento endodôntico. É importante deixar explícito que lesões de cárie em dentes tratados endodonticamente devem ser totalmente removidas. Os critérios foram descritos em artigos anteriormente publicados nesta revista.3
É difícil determinar um parâmetro exato para a utilização de uma ou outra técnica, pois vários fatores influenciam nessa decisão.4 O que se deve ter em mente são alguns critérios como:
Embora seja incomum que profissionais adotem essa conduta como padrão, não há recomendação na literatura para esse procedimento utilizando somente a justificativa de que uma restauração indireta será realizada. É importante lembrar que a quantidade de remanescente coronário é inversamente proporcional à resistência mecânica do dente. Quanto mais for removido, menor a resistência e a longevidade do dente no meio bucal.6
O uso de um retentor intrarradicular só é indicado em casos em que houve a necessidade de um tratamento endodôntico prévio ao procedimento restaurador. O nome é autoexplicativo: ele serve para reter um material de preenchimento utilizando o sistema de condutos (pois não havia estrutura dentinária suficiente para isso). A quantidade de remanescente coronário deve ser suficiente para reter e estabilizar uma restauração indireta. Quando isso não acontece, é indicada a utilização, como primeira escolha, de um núcleo de preenchimento, que pode ter o auxílio de pinos intradentinários para sua melhor fixação. Não sendo possível, na dependência de haver tecido radicular suficiente, deve(m)-se utilizar o(s) conduto(s) prévia e adequadamente tratado(s) como extensões (pinos intrarradiculares) para se reter o material de preenchimento (núcleo). Existem basicamente dois tipos de retentor intrarradicular: o direto (pré-fabricado) e o indireto (laboratorial). Quanto mais extensa a destruição coronária, melhor tende a se comportar um núcleo metálico fundido (indireto). E quanto menor a extensão da destruição coronária, até certo limite, o retentor intrarradicular direto tende a ser suficiente. Por exemplo, em dentes anteriores endodonticamente tratados com pequenas restaurações diretas prévias (ou mesmo nenhuma), somente a restauração direta do acesso cirúrgico endodôntico seria suficiente.6
A linha de término deve, preferencialmente, estar localizada acima da margem gengival, o que colabora imensamente para evitar problemas periodontais e de adaptação da peça protética. Uma linha de término bem definida e acabada é quase uma garantia de que o técnico laboratorial vai conseguir trabalhar de forma adequada. No caso de núcleos de preenchimento, a literatura recomenda que essa linha de término esteja aproximadamente 2 mm além da interface dente/material do núcleo, ou seja, acabar em dentina. Isso garantiria um efeito de cintamento do dente que diminui o risco de fratura. É conhecido como efeito férula.6
(diferença entre DET — Dente Endodonticamente Tratado — e dentes vitalizados). A literatura encontra dificuldades em responder a essa pergunta,7 por isso são encontradas recomendações, baseadas no que é mais provável que aconteça, segundo dados obtidos por inúmeros estudos publicados. O pré-molar superior (bicúspide) é tido como o dente que tem maior probabilidade de fratura longitudinal após tratamento endodôntico (devido ao seu formato). Isso não quer dizer que todos os pré-molares superiores que passaram por tratamento endodôntico sofrerão fratura, mas entende-se que, na maioria dos casos, há esse risco. E não é só pelo fato isolado do acesso cirúrgico, dependendo também do tipo de alimentação desse indivíduo, da existência do hábito parafuncional, da prática de esportes de contato e o uso de aparatos de proteção, da extensão de restaurações diretas prévias etc. Ou seja, existem casos de pré-molares tratados endodonticamente e restaurados sem cobertura de cúspide funcional que se mantêm em funcionamento por muitos anos. Todos esses fatores, portanto, devem ser levados em conta no momento da tomada de decisão.6 Os objetivos da restauração coronal de dentes tratados endodonticamente são geralmente: prevenir a recontaminação do sistema de canais radiculares e/ou do espaço periapical; substituir os tecidos dentários ausentes e restaurar a morfologia e as funções do dente; restabelecer a resistência mecânica necessária para o complexo dente/restauração para suportar o estresse funcional e prevenir fraturas de coroa e/ou raiz. Os critérios para estabelecer as modalidades de restauração coronal para dentes tratados endodonticamente são: quantidade e qualidade dos remanescentes dentários; topografia e morfologia coronal do dente; forças oclusais funcionais que o complexo restauração/dente tem que suportar, a fim de incluir o dente tratado em um plano de tratamento de reabilitação oral abrangente, e que inclua os requisitos estéticos.8
Estudos recentes não apontam para uma aposentadoria da técnica convencional analógica (silicone). Mostram resultados bem próximos — que uns irão entender como: o convencional não é inferior ao digital; e outros irão entender como: o digital tem suas vantagens sobre o convencional. Pode-se dizer que, até o presente momento, trata-se de uma questão de preferência e de acessibilidade financeira ao produto. Considerando-se somente o resultado obtido (fidelidade da cópia), sem levar em conta o valor agregado (apelo tecnológico, conforto para o paciente, facilidades operacionais), tem-se que o silicone consegue precisão suficiente para produzir um modelo de trabalho (gesso) sobre o qual pode ser construída uma peça protética com adaptação clínica aceitável, tanto quanto o escaneamento digital, que produz o modelo de trabalho virtual.9,10,11,12
Não há propriamente um material indicado para cada situação. O que se deve ter em mente são as características principais de cada um para que se possa indicá-lo. No caso de uma coroa totalmente metálica, encontra sua melhor indicação para dentes posteriores por possuir a melhor resistência mecânica entre as demais opções, e isso é relevante em uma região em que as forças mastigatórias são as mais altas. Quando o paciente possui hábito parafuncional, isso é ainda mais relevante.
Primeiramente, é preciso certificar-se de que o preparo dentário, principalmente a linha de término, ficou bem definido e acessível ao material de moldagem. A simples produção de um modelo de trabalho “legível” já é um enorme passo para atingir uma boa adaptação de uma peça protética. É importante lembrar que um técnico laboratorial não é formado em Odontologia, e tampouco tem o poder de ler a mente do cirurgião-dentista. Ele vai realizar o melhor possível, mas o resultado só vai atender às necessidades clínicas se ele conseguir “ler” o modelo de trabalho, seja ele analógico, seja digital. Quanto melhor for essa leitura, melhor será a qualidade final do trabalho. Dito isso, já com a peça protética em mãos, deve-se pensar em situações que podem influenciar no seu correto assentamento. Mantendo uma ordem lógica de procedimentos, deve-se checar primeiro se os contatos proximais estão bem ajustados. Eles são a primeira barreira para o assentamento. A seguir, devem-se checar os fatores relacionados à parte interna, como imperfeições de borda (linha de término), nódulos internos e restos de cimento provisório grudados sobre a superfície do preparo. Nesse momento, utilizar um silicone de moldagem leve pode auxiliar na leitura interna da prótese. Ao melhorar o assentamento da coroa protética, é comum que o paciente relate que “o dente está empurrando os vizinhos”, o que sinaliza que os contatos proximais podem ser mais uma vez ajustados. E assim, alternadamente, até que se consiga o melhor assentamento possível.13
Em primeiro lugar, não se deve considerar um material melhor do que o outro. A literatura é rica em demonstrar tanto em estudos ex vivo quanto em in vivo que os cimentos têm suficiente resistência mecânica para suportar as condições bucais por muitos anos, mantendo a retenção e a estabilidade de coroas protéticas. Pensando de forma pontual, nenhuma situação fisiológica geraria força suficiente para superar a resistência à tração de qualquer um dos cimentos “definitivos” conhecidos. E, pensando a longo prazo, somente dois fatores poderiam comprometer a performance a longo prazo do material cimentante: o grau de adaptação das margens da restauração14,15 e o acúmulo prolongado de placa bacteriana nessa região, causado por uma inadequada higiene bucal. Os cimentos podem preencher a discrepância marginal, entretanto, devido à sua natureza áspera e porosa, podem se dissolver quando expostos ao ambiente bucal, resultando em microinfiltração e acúmulo de placa.16 Portanto, o mau ajuste marginal da restauração resulta em inflamação gengival, cárie dentária e lesões pulpares.17 Embora haja controvérsias em curso em relação aos valores aceitáveis de discrepância marginal, vários estudos têm sugerido que um gap de 50 a 120 μm é clinicamente aceitável.18,19,20 McLean e von Fraunhofer13 realizaram um estudo in vivo e demonstraram que restaurações com espessura de cimento abaixo de 120 μm tinham maior probabilidade de sucesso.
Nesse contexto, pode-se perceber que o tema “restauração indireta”, que possui muitos desdobramentos, não pode ser resumido em apenas 10 perguntas. Escolher esses 10 tópicos e dispô-los nessa ordem teve como objetivo chamar a atenção para procedimentos que realizamos no dia a dia quase que automaticamente, o que pode ser uma armadilha, pois deixamos de pensar para ganhar tempo de execução. Vale refletir sobre o tema de vez em quando para se certificar de que não há uma maneira melhor de executar esse procedimento.
Dicas têm dois lados. São boas por representar um atalho, como dito anteriormente, desde que haja conhecimento prévio. Quando seguidas sem conhecimento prévio, sem um contexto, elas podem ser danosas. Nesse caso, o paciente receberá um tratamento que pode não ser bem aquilo de que precisava, o que, por sua vez, pode acarretar em algum problema na execução adequada e até mesmo no resultado esperado, algo que não é tão incomum em procedimentos realizados sem indicação. Chegar-se-ia a uma solução que não serve para aquele tipo de problema. Em outras palavras, as necessidades do paciente seriam colocadas em segundo lugar.
REFERÊNCIAS:
Para verificar as referências bibliográficas citadas no artigo, acesse www.conexao.odontoprev.com.br
Prof. Emerson Nakao
Mestre e Especialista em Prótese Dentária e professor da FFO-Fundecto, fundação conveniada à Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP)
Prof. Dr. Rodolfo Francisco Haltenhoff Melani
Professor associado do Departamento de Odontologia Social e responsável pela área de Odontologia Legal do Programa de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas, ambos na FOUSP