Tipos de sutura mais utilizados na Odontologia

A palavra “sutura” vem do latim e significa “costurar”, assim como o termo grego ráphen. Clinicamente, sutura e rafia são amplamente utilizados na prática odontológica com o objetivo de descrever o reparo cirúrgico, algo que “precise ser costurado” ou “tenha perdido sua integridade”.

Na Odontologia, o objetivo principal da sutura é posicionar e manter “firme” o retalho cirúrgico a fim de promover eficiente cicatrização e no tempo esperado, assegurando o conforto do paciente, a hemostasia, a redução da ferida a ser reparada, coaptando as margens da ferida e, para evitar a contaminação dos tecidos, permitindo a manutenção do coágulo sanguíneo no alvéolo dental.

Sendo assim, a sutura é uma etapa do procedimento cirúrgico, mas de extrema importância para o sucesso do procedimento e o conforto do paciente. É preciso que o cirurgião-dentista entenda os tipos de fios de sutura, agulhas e técnicas operatórias para realizar o melhor planejamento e oferecer o melhor tratamento ao paciente, levando sempre em consideração as especificidades de cada caso.

CONHECENDO MELHOR A CICATRIZAÇÃO...

No processo de reparo, há a regeneração ou a cicatrização (Fig. 1), uma vez que o reparo é o processo de cura de lesões teciduais. Após ter cessado o trauma ou o agente agressor, há necessidade de os mecanismos de defesa levarem à reorganização da área lesada. O reparo consiste na substituição de células e tecidos alterados por um tecido neoformado derivado do parênquima e/ou estroma do local do trauma.

Regeneração: o tecido inviável é substituído por outro morfologicamente funcionalmente idêntico, como, por exemplo, no tecido ósseo ou no fígado. Se a reparação for feita principalmente pelos elementos parenquimatosos, com a reconstrução igual ao tecido original, ocorrerá a regeneração. Assim, a regeneração substitui “tecido e células perdidas” por células semelhantes, estrutural e funcionalmente completas. A regeneração depende da especialidade das células.

Células lábeis: epitélios, pele, mucosas, ductos, entre outros; Células estáveis: células parenquimatosas e tecido cartilaginoso — exemplo: fígado e rim, células perenes: neurônios, músculo estriado.

Cicatrização: a integridade tecidual é restabelecida inicialmente por meio da formação de tecido fibrótico, um novo tecido é formado e substitui o tecido perdido. Se for feita em grande parte pelo estroma, um tecido fibrosado não especializado será formado, a cicatriz. O termo “quelóide” é usado para denominar as cicatrizações hipertróficas que ocorrem comumente nos indivíduos da raça negra.

Quando as margens da ferida apresentam íntimo contato, temos a cicatrização por primeira intenção; já a cicatrização por segunda intenção ocorre, por exemplo, após a extração de um dente erupcionado, avulsão tecidual ou quadros de infecção, onde não há a aproximação completa das bordas da ferida, havendo preenchimento lento do defeito tecidual com tecido de granulação e conjuntivo.

Sabendo dessas características, conseguimos entender que a cicatrização completa é composta de três fases: fase inflamatória, fase de proliferação e fase de remodelação — também chamada de fase de maturação.

FALANDO SOBRE MATERIAIS

O fio de sutura ideal certamente não existe. Mas há características ideais que podem ser esperadas ou decisivas na escolha do material que vai se utilizar. Sendo assim, é de extrema importância atentar para as características de cada um deles.

QUE TIPOS DE FIO EXISTEM? E SUAS INDICAÇÕES?

Foram identificadas referências escritas desde 2000 a.C., que descrevem a utilização de fios e fibras de animais em suturas. Durante os séculos seguintes, uma grande variedade de materiais — seda, linho, algodão, crina de cavalo, fibras e intestinos de animais e fios fabricados com metais preciosos — foi empregada em procedimentos operatórios. Algumas dessas alternativas ainda são utilizadas na prática clínica atual.

Os materiais podem ser classificados de acordo com a natureza (biológico ou sintético), o número de filamentos (monofilamentar ou multifilamentar), a absorção (absorvível ou não absorvível), o revestimento (revestido ou não revestido) e quanto a agulha (agulhado ou não agulhado).

Filamentos: fios monofilamentares apresentam um único filamento e, por isso, são menos maleáveis, mas tendem a acumular menor quantidade de biofilme. Por exemplo: nylon ou Monocryl. Já os multifilamentares, têm múltiplos filamentos torcidos ou trançados, gerando melhor manuseio e flexibilidade, porém são mais traumáticos e tendem a uma maior retenção de biofilme, sendo mais propícios às infecções. Por exemplo: seda, Vicryl, catgut simples ou cromado.

Absorção: alguns exemplos de fios não absorvíveis são nylon, Prolene, aço inoxidável, algodão e seda — sendo que, no caso da seda, de acordo com a literatura, em dois anos ocorre a degradação por proteólise (Tabela 1). De forma geral, os fios absorvíveis podem ser divididos em rápida, média e lenta absorção. Exemplos: catgut simples, catgut cromado, Vicryl/Poliglactina 910, Monocryl/poliglecaprone ou PDS/polidioxanona (Tabela 2).

FIOS NÃO ABSORVÍVEIS

Tabela 1: Características dos fios de sutura não absorvíveis

FIOS ABSORVÍVEIS

Tabela 2: Características dos fios de sutura absorvíveis

O QUE SIGNIFICA O NÚMERO DE ZEROS?

O número de zeros está relacionado ao calibre dos fios, ou seja, à sua espessura, podendo variar do nº 0 até nº 12-0. Quanto menor o número de zeros, maior é o calibre do fio. Portanto, um fio 1-0 (lê-se: “um zero”) é mais calibroso, mais grosso e menos delicado que o fio 12-0 (lê-se: “doze zeros”).

Isso é importante porque cada calibre do fio exerce uma tensão na sutura. Por exemplo: suturas realizadas na região dos olhos (periorbitária) apresentam indicação de suturas cutâneas com fios do tipo 6-0 ou 7-0 e subcutâneas com fios 4-0 ou 5-0, para que haja mínima resistência à tração e o correto cuidado estético. Já para a mucosa bucal, há indicação de suturas com fios 3-0 ou 4-0 para que haja resistência moderada à tração, devido à mobilidade do tecido, ponderando a facilidade ou ausência de necessidade de remoção (fios absorvíveis ou não) e, muitas vezes, sem preocupação estética quando comparada a região bucal às outras regiões da face.

QUAL É A IMPORTÂNCIA DAS AGULHAS?

As agulhas são extremamente importantes ao conjunto. Podem ser divididas em ponta, corpo e terminação de fixação ou fundo, e classificadas de acordo com a dimensão (em mm), o raio da agulha (arco de curvatura), de acordo com o formato e o tipo da ponta. Podem apresentar corte invertido, corte convencional ou corte cônico.

O comprimento do metal é a distância, em linha reta, da extremidade curva até a região de encaixe do fio; enquanto o comprimento da agulha é a distância de uma extremidade à outra.

É de grande relevância diferenciar o raio da agulha em relação ao diâmetro, uma vez que o raio é a distância do corpo da agulha até o centro do círculo imaginário que ela forma, enquanto o diâmetro se refere à espessura dela, fazendo com que, por exemplo, agulhas com diâmetro menor sejam indicadas para microcirurgias.

Fig 1: Adaptado de Fonseca et al. (2015)

As agulhas circulares de 3/8 e 1/2 são as mais comumente utilizadas na Odontologia, assim como as com a ponta e o corpo triangulares, ou seja, de corte invertido, pois nestas a base se situa na porção interna do corpo e as bordas laterais cortantes penetram no tecido, a fim de criar resistência e evitar lacerações.

  • Ponta: parte ativa da penetração do tecido, podendo ser de secção triangular, cilíndrica, prismática, quadrada, piramidal, em espátula, entre outros tipos, de acordo com o fabricante;
  • Corpo: parte em que a agulha toma sua forma (reta, curva ou semicurva). Também pode ser classificado de acordo com a secção a partir do fabricante (cilíndrico, triangular, retangular etc), a depender do frabricante;
  • Terminação de fixação ou fundo: pode ser classificada como traumática ou atraumática.
Fig 2: Adaptado de Silverstein (2003)

FALANDO SOBRE AS TÉCNICAS CIRÚRGICAS:

Para se realizar uma sutura adequada, a agulha deve penetrar a superfície da mucosa em um ângulo de 90º, ou seja, perpendicularmente à estrutura a ser suturada; a entrada da agulha à borda da ferida deve ser em um ponto equidistante da saída; a quantidade de tecido englobada pela agulha deve ser semelhante em ambas as bordas da ferida para assegurar uma aproximação adequada; os nós devem ser amarrados sem tensão excessiva e dispostos lateralmente à incisão.

Fig 3: Adaptado de Hupp (2015)

As suturas podem ser interrompidas ou contínuas. As contínuas podem ser realizadas quando há retalhos que se estendam por dois ou mais espaços interdentais — ou seja, retalhos maiores —, garantindo maior controle e exatidão do posicionamento das margens da ferida, apresentando muitas vezes maior resistência à tração, minimizando a utilização de nós múltiplos e, dessa forma, tornando-se mais rápida. Todavia, se a sutura se romper antes do período adequado, o retalho pode ficar “solto”. As suturas interrompidas podem ser utilizadas em retalhos maiores ou de um único espaço interdental, sendo que sempre que se realizar uma relaxante ao retalho, a primeira sutura deve ser ao reposicionamento do “ângulo” da relaxante, como mostrado pela figura a seguir. Assim, a escolha depende da preferência do operador.

Na Odontologia, as suturas interrompidas mais utilizadas são:

  • Simples: apresenta aplicação à periodontia, cirurgia bucal e implantodontia, resistência tensora mínima a moderada;
  • Colchoeiro horizontal: também chamada “em U”, apresenta aplicação à periodontia, cirurgia bucal e implantodontia, todavia, apresenta alta resistência tensora;
  • Em X: também chamada de “em 8”, apresenta aplicação à periodontia, cirurgia bucal e implantodontia, resistência tensora mínima a moderada;
  • Colchoeiro vertical: também chamada de Donatti, fornece fechamento para camadas profundas e superficiais. Na prática odontológica, é ideal para o reposicionamento de papilas, apresentando moderada resistência tensora.
Fig 4: Adaptado de Freeman et al. (2018)

Em relação às suturas contínuas, alguns exemplos são: simples, simples festonada e colchoeiro horizontal.

POR QUANTO TEMPO DEVE-SE MANTER A SUTURA ANTES DE SUA REMOÇÃO?

Se entendermos o objetivo da sutura (como abordado no início deste artigo), é fácil compreender qual é o período ideal para a manutenção de cada fio de acordo com a região abordada.

Dessa forma, as suturas devem ser cuidadosamente removidas quando a ferida desenvolve resistência à tração suficiente, fazendo com que o fio perca sua função. Na mucosa bucal, geralmente no período de 7 a 10 dias o fio perdeu resistência a tração significativa e o tecido encontra-se na segunda fase da cicatrização (fase proliferativa), na qual há a neo angiogênese, fibroplasia e epitelização, permitindo, assim, que seja realizada a remoção da sutura de forma segura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Para o treinamento das técnicas e precisão, o profissional pode praticar em esponjas de limpeza e feltro ou em alimentos macios como berinjela e língua de boi. Vale lembrar que o descarte de materiais perfurocortantes deve ser realizado no recipiente próprio adequado.

O fechamento simples da ferida requer a realização de suturas no nível adequado de maneira trapezoidal para criar a eversão das margens. Isto é mais importante quando estamos trabalhando na pele. O posicionamento inadequado resulta em inversão da ferida. Em feridas complexas é necessário o fechamento em planos, para eliminar o espaço morto. Sempre se deve ter como objetivo a hemostasia completa, a eliminação da tensão das bordas da ferida e a remoção realizada o mais cedo possível, proporcionando tempo à cicatrização antes de intervenções.

Quando há necessidade de pouca reação ou injúria tecidual, por exemplo em cirurgias periodontais, pode-se optar pelo fio de nylon 5-0, mas, na prática odontológica de rotina, pode-se optar pelo fio de seda 3-0 ou 4-0, com a devida orientação de remoção de sutura após 7 a 10 dias do procedimento cirúrgico.

Já para enxertos ósseos e suturas em crianças, pode-se optar por um fio com menos capacidade de reter biofilme e com fácil remoção (em crianças, o de nylon é menos indicado).

REFERÊNCIAS:

Hupp JR. Princípios da exodontia – Princípios da exodontia de rotina. In: Hupp JR, Ellis E, Tucker MR. Cirurgia oral e maxilofacial contemporânea. Barueri: GEN Guanabara Koogan; 2015. 6 ed. p. 129-52, 229-23.

Freeman PN, Wilson JSW, Gams KC, Caccamese jr JF. Soft tissue injuries of the face, head, and trunk. In: Fonseca RJ. Oral and maxillofacial surgery (v II). Elsevier; 2018. p. 58-85.

Marcus BC. Wound closure techniques. In: Baker SR. Local flaps in facial reconstruction. St Louis: Elsevier; 2007. 2 ed.

Silverstein, LH. Princípios de sutura em odontologia. São Paulo: Santos, 2003.

Maria Júlia Assis Vicentin Calori

Residente do segundo ano em CTBMF na Unicamp/ mestre em CTBMF pela FOP-Unicamp; graduada pela FOP-Unicamp

Márcio de Moraes

Professor livre-docente da FOP-Unicamp – Área de CTBMF

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