Você cimenta seus trabalhos cerâmicos corretamente?
Da escolha dos materiais ao preparo do elemento dental, cada etapa do processo é essencial para a durabilidade do tratamento
Prof. Dr. Fernando Hanashiro
As restaurações indiretas de cerâmicas são trabalhos comumente feitos no dia a dia do cirurgião-dentista. Com características estéticas semelhantes às da estrutura dental, a cerâmica é o material frequentemente escolhido1 em caso de reposição de boa parte da estrutura dental (coroas totais ou coroas parciais) ou de áreas em que a estética é de grande importância, como as facetas, conforme a tabela 1.
Todo trabalho indireto deve ser bem planejado para o alcance de sucesso clínico.2 Esse planejamento inclui a espessura do trabalho (restauração indireta), diretamente relacionado ao preparo dental (quantidade de desgaste do elemento dental), a moldagem, para que o laboratório tenha material mais fidedigno para melhor adaptação da peça, e a cimentação. É difícil afirmar qual passo clínico é o mais importante, pois o sucesso depende de todos. Mas, sem dúvida alguma, a cimentação é essencial para a durabilidade do tratamento.3
A utilização de cerâmicas na Odontologia é antiga, datando do início do século XX. Os trabalhos indiretos eram feitos com cerâmica feldspática sobre uma base metálica (coping), com fosfato de zinco, de fácil cimentação. Atualmente, existem diversos tipos de trabalho cerâmico, mas todos têm como ponto em comum a não utilização de copings metálicos. A possibilidade de trabalhos indiretos sem metal promoveu uma melhoria substancial na estética dental, pois as metalocerâmicas, por terem em seu interior o coping metálico, apresentam uma área de extrema opacidade, o que a diferencia dos dentes naturais.
Os sistemas cerâmicos atuais são classificados de acordo com a sua composição:4
- Cerâmicas vítreas – feldspática e feldspática reforçadas (leucita, dissilicato de lítio ou silicato de lítio);
- Cerâmicas infiltradas – alumina, alumina e magnésio ou alumina e zircônia;
- Cerâmicas policristalinas – alumina ou zircônia.
Esses sistemas cerâmicos também podem ser classificados quanto à possibilidade de condicionamento com ácido fluorídrico:4
- Cerâmica ácido-sensível;
- Cerâmica ácido-resistente.
Os trabalhos cerâmicos livres de metal tendem a ser cimentados com cimentos resinosos. Esses materiais têm como características principais a baixa solubilidade e a adesão à estrutura dental. Em algumas situações, têm também adesão à estrutura cerâmica do trabalho.
Ao proporcionar uma cimentação adesiva, tanto com o remanescente dental, quanto com a cerâmica, o conjunto dente-restauração funciona como uma unidade. Absorvendo e dissipando as forças mastigatórias com mais eficiência, diminuindo o estresse e dificultando a fratura do dente ou restauração.5, 6
Para as cerâmicas vítreas, deve-se fazer condicionamento de superfície com ácido fluorídrico, sendo que o tempo de condicionamento é de acordo com a concentração do ácido e do tipo de cerâmica:
- Para cerâmicas feldspática e cerâmicas feldspática reforçadas com leucita, o tempo de condicionamento é de 60 segundos2 (ácido fluorídrico 10%);
- Para cerâmicas dissilicato de lítio, o tempo de condicionamento é de 20 segundos.7
Após o tempo de condicionamento com ácido fluorídrico, a superfície das cerâmicas vítreas deve ser lavada e seca. A cerâmica apresentará uma superfície rugosa, com um aumento substancial de sua área de contato.8,9 Sobre essa superfície condicionada deve ser aplicado o silano, que serve como agente de união entre a cerâmica e o cimento resinoso.10,11
As cerâmicas ácido-resistentes (cerâmicas infiltradas e cerâmicas policristalinas) apresentam grande concentração de óxidos metálicos e não possuem vidro em sua composição; sendo assim, o ácido fluorídrico não altera a superfície da cerâmica.12
Para esses sistemas, o jateamento com óxido de alumínio (Al₂ O₃) já foi utilizado para conseguir um aumento da área de contato, mas sem um aumento significativo da adesão.13,14 Esses sistemas cerâmicos, entretanto, podem ser silicatizados por meio de Rocatec (de laboratório) e/ou Cojet (de consultório), que seria um jateamento com óxido de alumínio recoberto de sílica. Nesse jateamento, a superfície da cerâmica teria um aumento da área de contato e a sílica que cobre o óxido de alumínio fica impregnada na superfície da cerâmica15,16,17 devido a uma reação triboquímica, que seria uma silicatização por meio da energia cinética do jateamento. A sílica impregnada pode ser silanizada e apresentará adesão ao cimento resinoso.18,19,20
É importante salientar que a sílica impregnada pelo Rocatec e/ou pelo Cojet não deve ser condicionada por ácido fluorídrico, pois o mesmo retirará a sílica impregnada. A cerâmica deve apenas ser silanizada.
Para esses sistemas cerâmicos, por apresentarem um grande conteúdo de óxidos metálicos, podem-se utilizar primers para metal ou adesivos com monômeros fosfatados (10-MDP), pois apresentam ligação aos óxidos metálicos.21,22.
Protocolo de Cimentação
Confira a seguir um passo a passo da preparação do trabalho cerâmico (conforme o tipo de cerâmica), que inclui também a preparação do elemento dental e a manipulação do cimento resinoso.
CERÂMICA ÁCIDO-SENSÍVEL
1. Condicionamento com ácido fluorídrico:
- Cerâmica feldspática – 60 segundos;
- Cerâmica feldspática reforçada com leucita – 60 segundos;
- Dissilicato de lítio – 20 segundos.
2. Lavagem
3. Aplicação de silano: secar por 60 segundos
CERÂMICA ÁCIDO-RESISTENTE: ALTERNATIVA 1
1. Jateamento com Al₂O₃ revestido de sílica Rocatec ou Cojet
2. Aplicação de silano: secar por 60 segundos
CERÂMICA ÁCIDO-RESISTENTE: ALTERNATIVA 2
Aplicação de primer para metal ou utilização de adesivo com MDP
Já em relação à preparação do elemento dental para cimentação, corresponde igualmente a utilização do sistema adesivo para a confecção de uma restauração adesiva. Na manipulação do cimento resinoso, por sua vez, os cimentos podem apresentar ativação química, ativação por luz (fotoativação) e ativação dual (química e por luz).
JATEAMENTO COM ÓXIDO DE ALUMÍNIO
JATEAMENTO COM ÓXIDO DE ALUMÍNIO RECOBERTO COM SÍLICA
Notar a sílica que fica impregnada na cerâmica
As cerâmicas com alto conteúdo de óxidos metálicos têm grande resistência mecânica, mas apresentam também uma alta opacidade (zircônia). Nessas situações, deve ser preconizada a utilização de cimentos de presa química ou dual.2
As cerâmicas para dentes anteriores são mais translúcidas e harmoniosas. Nesses casos, são indicados os cimentos fotopolimerizáveis, porque os químicos e dual têm em sua composição um componente que pode interferir na estabilidade da cor com o passar do tempo. Ocorrendo assim uma possível alteração da estética devido à translucidez da peça.2
Conclusão
Como todo trabalho adesivo, o protocolo clínico possui inúmeros detalhes para ser bem-sucedido. A cimentação adesiva com material resinoso consegue mimetizar-se fisicamente ao elemento dental, favorecendo a mecânica mastigatória e levando a uma maior durabilidade do trabalho.
REFERÊNCIAS
1. Blatz MB, Sadan A, Kern M. Resin-ceramic bonding: a review of the literature. J Prosthet Dent. 2003 Mar;89(3):268-74. doi: 10.1067/mpr.2003.50. PMID: 12644802.
2. Andrade AO, Silva IVS, Vasconcelos MG, Vasconcelos RG. Cerâmicas odontológicas: classificação, propriedades e considerações clínicas. Rev. Salusvita. 2017;36(4): 1129-52.
3. Amaral M, Belli R, Cesar PF, Valandro LF, Petschelt A, Lohbauer U. The potential of novel primers and universal adhesives to bond to zirconia. J Dent. 2014 Jan;42(1):90-8. doi: 10.1016/j.jdent.2013.11.004. Epub 2013 Nov 15. PMID: 24246687.
4. Raposo LHA, Davi LR, Simamoto PC Jr, Neves FD, Soares PV, Simamoto VRN et al. Restaurações totalmente cerâmicas: características, aplicações clínicas e longevidade. Pro-Odonto Prótese Dent. 2014;2:1-66.
5. Bandeira A, Sicoli E, Lagustera C, Mendonça M. Tratamento superficial de cerâmicas reforçadas in-ceram previamente aos procedimentos de cimentação adesiva – revisão de literatura. RFO. 2008;13(1):80-5.
6. Freitas AP, Sábio S, Costa LC, Pereira JC, Franciscone PAS. Cimentação adesiva de restaurações cerâmicas. Rev. Salusvita. 2005;24(3):447-57.
7. Puppin-Rontani J, Sundfeld D, Costa AR, Correr AB, Puppin-Rontani RM, Borges GA et al. Effect of hydrofluoric acid concentration and etching time on bond strength to lithium disilicate glass ceramic. Oper Dent. 2017;42(6):606-15. doi: 102341/16- 215-L. Epub 2017 14. PMID: 28708007.
8. Sundfeld D, Palialol ARM, Fugolin APP, Ambrosano GMB, Correr-Sobrinho L, Martins LRM et al. The effect of hydrofluoric acid and resin cement formulation on the bond strength to lithium disilicate ceramic. Braz Oral Res. 2018 May 24;32:e43. doi: 10.1590/1807-3107bor-2018.vol32.0043. PMID: 29846386.
9. Della Bona A, Donassollo TA, Demarco FF, Barrett AA, Mecholsky JJ Jr. Characterization and surface treatment effects on topography of a glass-infiltrated alumina/ zirconia-reinforced ceramic. Dent Mater. 2007 Jun;23(6):769-75. doi: 10.1016/j. dental.2006.06.043. Epub 2006 Nov 16. PMID: 17112579.
10. Kiyan VH, Saraceni CHC, Silveira BL, Aranha ACC, Eduardo CP. The influence of internal surface treatments on tensile bond strength for two ceramic systems. Oper Dent. 2007;32(5):457-65. doi: 10.2341/06-131.
11. Kern M. Resin bonding to oxide ceramics for dental restorations. J Adhes Sci Technol. 2009;23:1097-111. doi: 10.1163/156856109X432721.
12. Baratieri L et al. Soluções clínicas: fundamentos e técnicas. Florianópolis: Editora Ponto, 2008. 601p.
13. Kosmac T, Oblak C, Jevnikar P, Funduk N, Marion L. The effect of surface grinding and sandblasting on flexural strength and reliability of Y-TZP zirconia ceramic. Dent Mater. 1999 Nov;15(6):426-33. doi: 10.1016/s0109-5641(99)00070-6. PMID: 10863444.
14. Della Bona A, Anusavice KJ. Microstructure, composition, and etching topography of dental ceramics. Int J Prosthodont. 2002;15(2):159-67. PMID: 11951806.
15. Della Bona A, Borba M, Benetti P, Cecchetti D. Effect of surface treatments on the bond strength of a zirconia-reinforced ceramic to composite resin. Braz Oral Res [Internet]. 2007 [citado 19jul.2022];21(1):10-15. Disponível em: https://doi. org/10.1590/S1806-83242007000100002. Epub 23 Mar 2007. ISSN 1807-3107.
16. Della Bona A, Donassollo TA, Demarco FF, Barrett AA, Mecholsky JJ Jr. Characterization and surface treatment effects on topography of a glass-infiltrated alumina/zirconia-reinforced ceramic. Dent Mater. 2007 Jun;23(6):769-75. doi: 10.1016/j.dental.2006.06.043. Epub 2006 Nov 16. PMID: 17112579.
17. Valandro LF, Ozcan M, Bottino MC, Bottino MA, Scotti R, Bona AD. Bond strength of a resin cement to high-alumina and zirconia-reinforced ceramics: the effect of surface conditioning. J Adhes Dent. 2006 Jun;8(3):175-81. PMID: 16830664.
18. Özcan M, Cura C, Valandro LF. Early bond strength of two resin cements to Y-TZP ceramic using MPS or MPS/4-META silanes. Odontology. 2011 Jan;99(1):62-7. doi: 10.1007/s10266-010-0144-1. Epub 2011 Jan 27. PMID: 21271328.
19. Piwowarczyk A, Lauer HC, Sorensen JA. The shear bond strength between luting cements and zirconia ceramics after two pre-treatments. Oper Dent. 2005 May-Jun;30(3):382-8. PMID: 15986960.
20. de Castro HL, Corazza PH, Paes-Júnior T de A, Della Bona A. Influence of Y-TZP ceramic treatment and different resin cements on bond strength to dentin. Dent Mater. 2012 Nov;28(11):1191-7. doi: 10.1016/j.dental.2012.09.003. Epub 2012 Sep 20. PMID: 22999373.
21. Matinlinna JP, Heikkinen T, Ozcan M, Lassila LV, Vallittu PK. Evaluation of resin adhesion to zirconia ceramic using some organosilanes. Dent Mater. 2006 Sep;22(9):824-31. doi: 10.1016/j.dental.2005.11.035. Epub 2006 Jan 18. PMID: 16388846.
22. Wolfart M, Lehmann F, Wolfart S, Kern M. Durability of the resin bond strength to zirconia ceramic after using different surface conditioning methods. Dent Mater. 2007 Jan;23(1):45-50. doi: 10.1016/j.dental.2005.11.040. Epub 2006 Jan 20. PMID: 16427692.
Prof. Dr. Fernando Hanashiro
Cirurgião-dentista, mestre e doutor em Dentística pela FOUSP e professor do curso de Odontologia da UNICSUL