ABORDAGEM CIRÚRGICA DA ATM

Apesar de rara, a indicação de cirurgia da articulação temporomandibular requer encaminhamento ao bucomaxilofacial. Saiba mais sobre diagnóstico e tratamento desses casos.

O movimento de abrir e fechar a boca é fundamental para realizar funções básicas como mastigar e falar, e depende da ação da articulação temporomandibular, também conhecida como ATM. Responsável pelo encaixe da mandíbula com os demais ossos do crânio, esta é uma das articulações mais complexas do corpo. Quando há alguma disfunção ou deslocamento, pode ser necessário recorrer a uma abordagem cirúrgica. Esta indicação não é tão frequente, considerando o alto número de casos de disfunção da ATM que aparecem nos consultórios toda semana. A avaliação é do Prof. Dr. João Gualberto de Cerqueira Luz, professor titular do Departamento de Cirurgia, Prótese e Traumatologia Maxilofaciais da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP). Em entrevista à Conexão UNNA, o especialista explica quando a cirurgia é indicada, quais são os principais tipos de procedimentos recomendados e como devem ser os cuidados pós-operatórios.

Em que casos a abordagem cirúrgica da ATM é indicada?

As principais indicações são as disfunções do disco articular. Quando este disco se desloca e permanece deslocado, ou seja, não volta mais à posição original, acontece o deslocamento de disco sem redução. Nestes casos, geralmente é indicada a cirurgia. Há casos em que o disco se desloca, mas a pessoa faz um movimento de abrir a boca e o disco é recapturado, então é possível tratar com outros métodos que não necessariamente a cirurgia. Quem deve avaliar é o especialista de cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial.

Essas indicações cirúrgicas são comuns?

Não. A disfunção de ATM é bastante frequente, mas só uma pequena parcela vai necessitar de algum procedimento cirúrgico, cerca de 2% a 5% dos casos. É importante ressaltar que, na maioria dos casos, o tratamento com placa de acrílico é bem-sucedido.

Quais são os principais sinais de que o paciente precisa fazer uma cirurgia de ATM?

O diagnóstico é feito com base no aspecto clínico. Um alerta importante é quando o paciente não consegue abrir a boca normalmente, abre apenas uma parte ou só metade, às vezes nem isso, e, se forçar a abertura, ocorre dor muito forte. A dor é bem localizada na articulação, não é uma dor difusa pela face nem dor de cabeça. Alguns podem até ter edema, mas, além da dificuldade de movimento, o principal sintoma é a dor no local da articulação. Depois, o exame de imagem que consegue demonstrar o deslocamento do disco sem redução é a ressonância nuclear magnética, ou seja, não basta fazer uma radiografia.

Os ruídos de estalos que podem ocorrer ao abrir a boca são preocupantes?

Apenas quando vêm acompanhados de dor, porque muitas pessoas só têm esses estalos e convivem com isso. Mas, se tiver dor, é porque há interferência no funcionamento do disco articular.

O que causa o deslocamento do disco sem redução?

O mais comum é o indivíduo que tem uma sobrecarga articular quando aperta ou range os dentes, seja dormindo, seja acordado – e às vezes nem percebe. Com o passar do tempo, essa sobrecarga pode causar o deslocamento do disco sem redução, mas se isso vai ou não depende de fatores individuais de cada pessoa. O deslocamento também pode ser causado por algum trauma.

Quais são os tipos de cirurgia de ATM?

O mais comum é chamado de ancoragem, quando se coloca uma miniâncora, semelhante a um pequeno parafuso, no côndilo mandibular, quase imperceptível, apoiado com um fio muito resistente que leva o disco de volta à posição original e o fixa ali. Essa cirurgia normalmente é feita aberta, com uma pequena incisão na região pré-auricular junto ao tragus, perto do canal auditivo. Quando o disco está perfurado, o que é uma exceção, é preciso removê-lo, não sendo possível fazer a sutura com fio e fixação. Neste caso, o prognóstico não é tão favorável quanto a ancoragem, mas, em geral, há melhora.

Mais recentemente, surgiu uma técnica mais evoluída chamada artroscopia, que usa aparelhos para observar dentro da estrutura apenas com perfuração e, com instrumentos muito delicados, consegue reposicionar e fixar o disco. São poucos os profissionais que têm essa capacitação, mas é um recurso disponível. Outros também usam a artroscopia para cauterizar a inserção do disco articular e evitar que ele se desloque, com laser ou bisturi elétrico. Não se sabe por quanto tempo dura este resultado, mas é um procedimento menos invasivo e mais conservador.

Qual é a taxa de sucesso dessas cirurgias?

Hoje em dia, a taxa de sucesso é grande, porque tudo evoluiu, tanto as técnicas quanto os recursos. Mas em alguns casos pode acontecer uma dificuldade no procedimento que compromete a melhora do paciente. Em um trabalho que fizemos na FOUSP, concluímos que a maioria dos pacientes que se submete à cirurgia de ancoragem apresenta melhores resultados com relação à dor (inclusive dor de ouvido), à dificuldade de alimentação, a ruídos articulares e também à melhora da abertura bucal, que originalmente estava limitada. A dor pode ser reduzida a quase zero, mas, em alguns casos, pode haver uma sensibilidade posterior.

Quais são os riscos dessas abordagens?

Os riscos são mínimos, mas pode haver um caso ou outro de déficit do nervo facial, que é um nervo que passa perto da articulação e tem cinco ramos. Um ou outro ramo pode sofrer alguma dificuldade de funcionamento por um período de dias ou semanas, mas depois há melhora. Não pode ocorrer de isso ser permanente. Dá para notar na expressão do paciente que, quando ele faz alguns movimentos, como fechar os olhos e apertar a boca, um lado da face não funciona igual ao outro, porque o lado onde foi feita a da cirurgia teria menos força. Hoje em dia isso é mais raro e, quando acontece, é temporário. Outra complicação muito mais rara é a fibrose, e neste caso a pessoa não consegue mais abrir a boca. Já na artroscopia, por ser menos invasiva, o risco de agravamentos é ainda menor. O que ocorre é certa limitação de bom resultado no reposicionamento do disco a longo prazo.

E os cuidados pós-operatórios, quais são?

Nas primeiras semanas há uma dificuldade de alimentação, então é preciso indicar uma dieta mais líquida e pastosa. A partir da segunda semana, é possível ir adicionando alimentos um pouco mais sólidos, mas só depois de 1 mês que a alimentação volta ao normal. Mesmo assim, é importante não fazer força para mastigar. Também são necessários cuidados locais, como a aplicação de gelo e laser, que podem ajudar caso haja inchaço. A medicação anti-inflamatória e analgésica também é indicada para o controle da dor e do inchaço. Para a recuperação do movimento, muitas vezes recorremos ao auxílio da fonoaudiologia, com exercícios para os músculos da mastigação. A recuperação total pode levar de 2 a 3 meses, principalmente no caso da cirurgia aberta. Devemos ressaltar que o uso da placa de acrílico deve prosseguir após a cirurgia.

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