Como abordar o abscesso odontogênico
O processo de formação de bolsa de pus na boca precisa de tratamento rápido e assertivo
Um problema que tem início na boca pode evoluir para questões mais graves de saúde geral. Este é o caso do abscesso odontogênico, uma bolsa de pus no dente formada a partir de uma infecção local. “Começa com um processo inflamatório que o paciente, ou o próprio profissional, não trata corretamente”, explica o professor e cirurgião bucomaxilofacial Márcio de Moraes, da Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Universidade Estadual de Campinas (FOP-Unicamp).
Por isso, intervenção e acompanhamento são essenciais na abordagem do abscesso odontogênico. De acordo com Moraes, que também é coordenador do Programa de Residência Multiprofissional em Área Profissional da Saúde, da UNICAMP, é preciso identificar o problema rapidamente e impedir que ele evolua e até se desloque para outras regiões do corpo. A seguir, ele explica as causas, os sintomas e as condutas adequadas para o tratamento da doença.
Como se inicia a formação do abscesso no dente?
Anatomicamente, cada dente pode ser considerado uma articulação, porque é cheio de ligamentos em volta, como um joelho ou um dedo. Quando algo agride o osso, ou os ligamentos, forma-se uma bolsa de pus, que pode ficar presa dentro do osso. O organismo também pode gerar uma fístula, que é uma perfuração do osso para dentro da musculatura, e aí, dentro da musculatura, forma-se o abscesso. Isso pode ocorrer a partir de uma doença periodontal, um dente com cárie profunda, que necrosou, um implante que infeccionou, um enxerto ósseo ou mesmo uma fratura de face ou de dente. Na fase inicial, o que aparece é a celulite odontogênica, uma infecção que provoca vermelhidão, inchaço e dor. Mas não há pus e as bactérias são menos agressivas. Quando se dissemina e a bolsa de pus se forma, é porque as bactérias já evoluíram de aeróbias para anaeróbias, que costumam ser mais agressivas.
Há diferentes tipos de abscesso odontogênico?
Há o abscesso periapical, que acontece dentro do osso periapical, por exemplo, em um dente que precisaria de canal mas o procedimento não foi feito. Há também o abscesso periodontal, que acontece nos ligamentos que ficam em volta do dente e seguram o dente dentro do alvéolo. Nos dois casos, o processo pode ser inicialmente agudo e se tornar crônico, caso não seja tratado corretamente.
A palavra mais importante para o tratamento do abscesso é intervenção. É preciso intervir o quanto antes
Como é feito o diagnóstico?
O primeiro passo é fazer uma avaliação da face: observar assimetrias, áreas avermelhadas e eritematosas, limitação de abertura bucal, dor, dificuldade para respirar e engolir, alteração na voz — uma rouquidão significa que o abscesso está chegando ao pescoço, o que é perigoso —, deslocamento da língua. Olhando e conversando com o paciente já dá para notar esses sinais. É importante avaliar a frequência cardíaca e respiratória, e também a pressão arterial, porque normalmente nesses casos a pressão cai e a frequência cardíaca aumenta. Dentro da boca, é bom avaliar áreas avermelhadas, inchadas, ulcerativas e pontos de flutuação, ou seja, uma região endurecida com o centro mole, como se fosse uma bexiga, sinal de que está se formando o que se chama de “cabeça” do abscesso. Além disso, há exames complementares que avaliam o nível de infecção e a resposta do paciente.
Que exames são esses?
O profissional pode solicitar um hemograma para ver as alterações, especialmente relacionadas ao leucograma, que são as células brancas. Se houver alteração, isso mostra que existe um processo infeccioso, mais ou menos importante, e indica que deixou de ser localizado e se tornou sistêmico. Outro exame é o PCR, mas não o RT-PCR usado para Covid-19, e sim um que identifica processos inflamatórios agudos. Os exames de imagem também são importantes, e muitas vezes é necessário fazer ainda uma tomografia de pescoço e de face com contraste para avaliar o tamanho da bolsa de pus.
Como é o tratamento?
A palavra mais importante é intervenção. É preciso intervir o quanto antes, seja extraindo o dente, fazendo canal, drenando o abscesso, o que for necessário. E também fazer o tratamento medicamentoso associado. O que não pode é indicar só o tratamento medicamentoso, porque o paciente pode piorar muito e rapidamente. A intervenção ajuda o organismo a combater o processo de infecção e inflamação. Quando drenamos abscessos no hospital, o erro mais comum que identificamos é o paciente que já passou por um profissional e a intervenção não foi feita por completo. O paciente sofre com isso, porque as bactérias vão tomando conta e, às vezes, o organismo não consegue se recuperar. É preciso eliminar o fator causal do abscesso. Fazendo uma analogia com uma farpa no dedo: não adianta a pessoa ficar tomando anti-inflamatório e antibiótico, se não tirar a farpa.
É necessário o acompanhamento após a intervenção?
Sim, é a segunda coisa mais importante. Quando se trata de infecção, com administração de antibiótico, temos de assistir a evolução do paciente. De acordo com a necessidade, pode ser preciso trocar o antibiótico ou aumentar a duração, então eu preciso saber como ele está a cada dia. Se eu faço uma drenagem de abscesso hoje, eu preciso ver o paciente no dia seguinte. Depois, pode ser a cada dois ou três dias, por um período de oito a dez dias, pelo menos.
Que complicações o abscesso odontogênico pode causar?
Quando o tratamento não é realizado de forma correta, o abscesso pode se deslocar por uma via ascendente e chegar ao cérebro, causando uma meningite, por exemplo. Também pode ir por uma via posterior descendente, entrar no mediastino, o compartimento que divide o pescoço, e chegar ao tórax. Eu já tratei um paciente que precisou de uma intervenção no tórax por causa de abscesso na boca. Por isso, reforço que é tão importante tratá-lo o quanto antes. Caso o dentista se depare com um quadro de abscesso que fuja da rotina, o ideal é encaminhar o paciente rapidamente para o hospital ou para o cirurgião bucomaxilofacial.