Microabrasão de clínico para clínico, direto ao ponto

É incrível, mas a cada dia que passa mais escutamos falar da técnica de microabrasão do esmalte dental. Porém, pasmem, essa técnica foi descrita inicialmente por Theodore P. Croll em 1986,1 ou seja, há mais de 37 anos. Mas por que só recentemente a técnica tem se destacado no cenário da Odontologia? Por um motivo bem simples: ela é utilizada para remover manchas superficiais do esmalte dental e, no atual cenário da Odontologia brasileira, em que as exigências estéticas de nossos pacientes estão cada vez maiores, é imprescindível conversarmos sobre este tema aqui.

Muitos dos nossos pacientes que conviviam com as manchas dentais havia anos, agora nos questionam se há alguma técnica para removê-las. Normalmente, esses pacientes veem nas redes sociais pessoas usando “lentes de contato”, que podem trazer desgastes maiores que a microabrasão, mas que representam um excelente recurso estético, porém muito mais oneroso.

Para aqueles pacientes que gostam de seus dentes como são e querem apenas a remoção de algumas manchas e, talvez, clareá-los, a microabrasão mostra-se um excelente recurso conservador, seguro e de resultados surpreendentes — em associação ou não ao clareamento dental. Com base nas perguntas que mais escutamos dos colegas clínicos em nossas aulas, vamos discutir a microabrasão a seguir.

O QUE É MICROABRASÃO?

É uma das técnicas de remoção de manchas do esmalte (veja bem, só do esmalte, não serve para a dentina) causadas por falhas na estrutura cristalina do esmalte que estão bem na superfície do mesmo, ou no seu corpo, mas não tão profundas, normalmente com o aspecto esbranquiçado — podem estar pigmentadas, ficando desde um amarelado até um acastanhado/marrom.2

Para entender melhor essas manchas por falhas na estrutura cristalina do esmalte, basta lembrar das famosas manchas brancas por cárie incipiente, onde temos uma falha na estrutura cristalina do esmalte por uma desmineralização da subsuperfície do esmalte, por perda parcial de seu conteúdo mineral, mas que, dependendo do grau de desmineralização, ainda são passíveis de remineralização.

COMO SABER SE DEVO FAZER MICROABRASÃO OU UMA TERAPIA DE REMINERALIZAÇÃO?

Tudo depende da origem das manchas no esmalte dental, se intrínsecas, que podem ser de origem congênita, como a amelogênese imperfeita (AI), ou a hipomineralização molar incisivo (HMI), ou uma hipocalcificação do esmalte; ou medicamentosa, como a fluorose dentária; ou traumática, nas dentições decídua ou permanente.3 Essas manchas não vão sair simplesmente com uma terapia de remineralização. Em alguns casos, é muito simples o diagnóstico. Por exemplo: lesões cervicais de mancha branca são associadas a placa bacteriana e a uma higienização deficitária. Nesses casos, fazemos uma terapia de remineralização. Em casos em que há uma mancha branca em superfície lisa, em terço incisal de um incisivo, e o paciente relata ter esta mácula desde a erupção do dente, fica evidente a necessidade de microabrasão. A recomendação geral, no entanto, é sempre trabalhar a reeducação da higienização dental com o paciente, promovendo redução da placa dental e saúde periodontal, uma ação considerada necessária antes da realização de qualquer procedimento restaurador.

QUAL É A DIFERENÇA ENTRE MICROABRASÃO E CLAREAMENTO?

Esses dois procedimentos são confundidos com frequência por muitos cirurgiões-dentistas, pois ambos se assemelham no sentido de serem procedimentos conservadores e focados na estética do sorriso, mas muito diferentes nas suas indicações. O clareamento é indicado para dentes com estrutura dental íntegra, com o objetivo de aumentar sua luminosidade. Alguns colegas pensam, equivocadamente, que ele é indicado para remover manchas brancas ou pigmentadas dos dentes.

É importante salientar, como já foi dito, que tais manchas são, na verdade, uma falha na estrutura cristalina do esmalte por uma desmineralização da subsuperfície dele, e o clareamento não vai corrigir tal falha, que deixa o esmalte opaco e esbranquiçado geralmente nesta região. O que o clareamento pode proporcionar é a limpeza das manchas mais pigmentadas, deixando-as mais claras, mas infelizmente presentes. Normalmente, o clareamento também vai melhorar a luminosidade de todo o esmalte ao redor da mancha, o que pode dar um aspecto estético mais agradável, mas a mancha vai continuar ali.

Já a microabrasão vai remover a superfície da mancha e sua estrutura alterada, expondo, assim, a base da mancha, que tem o esmalte com sua estrutura cristalina sem alteração.

COMO DIAGNOSTICAR A PROFUNDIDADE DE UMA MANCHA NO ESMALTE DENTAL?

O melhor método é com a transiluminação,4 no qual podemos utilizar o fotopolimerizador com sua luz LED azul — se tiver uma ponteira para o seu fotopolimerizador para transiluminação, com luz branca, melhor ainda. Manchas mais brandas ou superficiais mostram-se menos escuras, pois bloqueiam menos a luz, condição ideal para a técnica de microabrasão, pois, quanto mais rasa for a mancha, menor será o desgaste da estrutura adamantina e melhores serão os resultados.

Agora, se a mancha se mostra bem escura, tem grande profundidade e, consequentemente, com a microabrasão o desgaste vai ser mais profundo também, necessitando após a remoção da mancha. Se for um dente anterior, a superfície vestibular pode ficar côncava com a remoção da mancha profunda, tornando necessário reanatomizar a sua convexidade com uma restauração de resina composta.

COMO É A TÉCNICA DE MICROABRASÃO?

Há vários produtos comerciais (Whiteness RM, da marca FGM; Opalustre, da Ultradent; Potenza Abrasione, da PHS) disponíveis no mercado brasileiro, a preços acessíveis. Basicamente, consistem em um abrasivo que pode ser carbeto de silício associado a um ácido clorídrico (de 6% a 6,6%, dependendo do fabricante). No passado, os próprios cirurgiões-dentistas faziam nos consultórios suas pastas de microabrasão a partir de uma mistura de pedra-pomes, água e ácido fosfórico, mas hoje isso não é mais necessário devido à disponibilidade de produtos específicos.

A técnica consiste em “esfregar” essa pasta abrasiva e ácida sobre a superfície da mancha no dente com uma espátula ou uma taça de borracha em baixa rotação de forma a desgastar o esmalte afetado, removendo, assim, a mancha. Quando precisamos remover um ponto mais específico, utilizamos a espátula, mas, se precisamos fazer um desgaste mais amplo, a taça de borracha é mais prática. A sugestão é ir removendo a mancha paulatinamente, sendo que cada aplicação não deve se prolongar muito, não passando de 30 a 40 segundos, evitando desgaste desnecessário.

A mancha normalmente tem bordos mais finos e centro mais espesso. Assim, com a aplicação da pasta abrasiva e ácida, a mancha branca tende a diminuir seu diâmetro, tornando-se menor. Fica a sugestão de, ao perceber que a mancha diminuiu e que se atingiu um limite entre simplesmente polir o esmalte dental para finalizar o procedimento sem fazer uma restauração de resina composta para reanatomizar a face vestibular, mostrar para o paciente o resultado e alertá-lo que, se continuar o procedimento para a remoção total da mancha, precisará fazer a aplicação da resina composta. Alguns pacientes preferem deixar a mancha menor e mais branda a ter uma restauração de resina composta na face vestibular de um dente anterior. Esta é uma decisão conjunta do paciente com o cirurgião-dentista.

AO FINAL DA MICROABRASÃO, O QUE FAZER?

Se a microabrasão proporcionou um desgaste raso, que não requer uma restauração de resina composta, utilize sempre uma sequência de polidores para esmalte ou mesmo uma sequência de polidores para cerâmica, normalmente com abrasivos à base de diamantes. Os polidores para resina composta não servem, pois a dureza do esmalte é muito alta, o que não permite um polimento efetivo e rápido. A recomendação é utilizar sempre a sequência de discos ou taças de polimento do mesmo fabricante, pois ele já fornece a sequência com abrasivos cada vez menores, permitindo um brilho final de forma rápida e eficiente. Do contrário, o cirurgião até pode misturar discos ou taças para acabamento e polimento de diferentes fabricantes, desde que saiba a abrasividade de cada um deles, perfazendo sempre a sequência do mais abrasivo para o menos abrasivo.

Também podem ser utilizados, especialmente nas etapas finais para obtenção de brilho, discos de feltro com pastas abrasivas de polimento de esmalte ou de cerâmicas. Neste caso, sempre que mudar de uma pasta abrasiva para outra, obrigatoriamente se deve descartar o disco de feltro, pois ele vai estar impregnado pelo abrasivo de granulação mais grosseira, e a pasta seguinte de polimento vai obrigatoriamente ter um abrasivo mais fino. Desta forma, o abrasivo mais grosseiro, mesmo após a lavagem do disco de feltro, vai estar impregnado nele. Em resumo, nunca reaproveite um disco de feltro para pastas de polimento.

Já em casos em que a microabrasão acabou deixando côncava a superfície vestibular de um dente anterior, é imprescindível reanatomizar tal superfície, devolvendo sua convexidade natural com resina composta. Utilize de preferência resinas de cor de esmalte ou translúcidas, nunca as de cores para dentina, pois estas são muito opacas. Sempre dê preferência a resinas compostas nanoparticuladas, submicro-híbridas ou nano-híbridas, pois estas têm um polimento mais fácil, o que facilita o trabalho do cirurgião-dentista e tem um resultado mais duradouro, exigindo repolimentos mais espaçados.

ALGUM CUIDADO ESPECIAL COM A MICROABRASÃO?

Como se trata de uma substância com ácido clorídrico, especialmente quando se utiliza a aplicação com instrumento rotatório, todo cuidado é pouco. O básico, óculos de proteção e touca para o paciente, é essencial. Também é imprescindível o isolamento absoluto, para evitar o contato do produto com a mucosa gengival. Sempre antes de remover o lençol de borracha, lavar e sugar bem todos os restos do produto de microabrasão.

HÁ ALGUM RISCO DE RECIDIVA?

Não há recidiva. Quando se aplica resina composta para reanatomizar a face vestibular, se a mancha estava muito profunda, tem-se a manutenção de sempre para uma resina composta e repolimentos de tempos em tempos, de acordo com o aspecto da restauração. Por se tratar de uma resina composta, esta vai sofrer uma degradação, chamada de hidrolítica, que, depois de alguns anos, pode ter algum amarelamento; se este incomodar o paciente, ela precisará ser trocada.

O CLAREAMENTO PODE SER FEITO JUNTO COM A MICROABRASÃO?

Sim, pode, sendo recomendado o clareamento caseiro e, de preferência, por apenas uma hora por dia, com peróxido de carbamida a 10%, cuidado este para evitar maiores problemas com sensibilidade. Se o paciente apresentar sensibilidade, utilize de preferência produtos dessensibilizantes que tenham nitrato de potássio e cremes dentais para sensibilidade.

LITERATURA RECOMENDADA

  1. Croll TP, Cavanaugh RR. Enamel color modification by controlled hydrochoric acid-pumice abrasion. I. Technique and examples. Quintessence Int. 1986;17(2):81-7.
  2. Caderno de Microabrasão. Joinvile: FGM Dental Group, 44 p. Disponível em: https://issuu.com/fgmprodutosodontologicos/docs/caderno_micro_abrasao_baixa.
  3. Mendes RF, Prado Jr RR, Carvalho RB, de Deus LFAM, Moura MS, Lima MDM. Microabrasão do Esmalte. Pró-Odonto Estética. 2012;6(3):9-70.
  4. Nishida AC, Francci CE, Carnaval TG, Saavedra GSFA. Soluções minimamente invasivas para a fluorose dental: microabrasão e clareamento. Int J Esthet Dent. 2016;1:396-411.

Prof. Dr. Carlos Eduardo Francci

Professor Associado do Depto de Biomateriais e Biologia Oral da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo

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